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O barulho da tempestade acorda Miguel Xavier de seus
devaneios, que tenta retornar a dormir, mas fracassa. Ao
lado esquerdo da cama, uma bela dama, dona de cabelos
castanhos, uma garota de programa de pele morena e
delicada, acorrentada na cabeceira de ferro provençal.
Os trejeitos da mulher lembram os de Pamela, sua finada
noiva. Ele não fez questão de desamarra-la, apenas
esboça um sorriso no rosto, satisfeito depois de duas
transas ardentes. Xavier é um homem dominador, gosta de
manter no controle, o sadomasoquismo é o seu fado. Ele
se enrola em um roupão vermelho de seda, pega o celular
de cima do criado-mudo, que contém algumas chamadas
perdidas de um dos seus funcionários, Jake Fremont, o
ligando rapidamente.
- Ainda está em Vale Verde?
- Estou na estrada a caminho de Arraial e consegui
finalizar o serviço.
- Com êxito?
- Sim, matei aquele desgraçado e ainda arranjei uns
cinco mil reais.
- Sabia que você era capaz disso.
- Não tive nenhuma piedade, fiz da forma que o senhor
ordenou.
Jake e Xavier referem-se a um devedor de longa data do
prostíbulo, que tinha fugido para um pequeno vilarejo
vizinho intitulado de Vale Verde. Mas não tem como
escapar da facção que comanda a cidade, a qualquer
momento, pode estar na mira de uma arma com uma bala
encravada no peito, o cadáver do homem está dentro do
automóvel, para ser jogado na grande aérea no final de
uma extensão florestal, um cemitério atônito.
- Você é muito inteligente Jake.
- Obrigado chefe.
- Você e o Tyler, são os meus braços direito.
- Eu posso te fazer uma pergunta?
- A vontade, é um homem de confiança.
- Posso ser um pouco indiscreto, mas sempre achei a
morte da sua noiva, no mínimo estranha, esse atirador de
elite transparecer dessa maneira. Não tem medo?
- Medo do quê?
- Do senhor ser o próximo alvo desse homem.
- Ele jamais vai fazer algo contra a mim.
- E por que não?
Xavier gargalha de uma forma irônica, Jake deduziu a
resposta, não precisava de mais nenhuma palavra. O
rompimento da confiança, pode ter gerado o óbito da
mulher, ninguém anseia em alimentar um lobo em pele de
cordeiro, talvez ela não fosse boa o suficiente para
segurar o cargo de mulher de um dos homens mais ricos da
costa do descobrimento. Ele desligou o telefone e
caminhou em torno do ambiente, abriu as longas cortinas
observando a chuva alagando a área externa.
- Pamela, você teve o que mereceu.
Um grande barulho de trovão é escutado, nos segundos
posteriores a energia do distrito some gradualmente,
Miguel odeia essas situações, mesmo sendo duas horas da
manhã. O homem desce as longas escadarias, indo para a
cozinha, pegando uma caneca de café e alguns biscoitos,
acomodando-se no sofá. Aprecia a bebida quente com as
rosquinhas de chocolate, depois de se alimentar, ele se
pega em um leve sono, seguido de um pesado, despertando
de manhã com a visão embaçada, com um dos seus
funcionários adiante, trata-se de Tyler.
- Bom dia, doutor Miguel.
- Porque me incomoda tão cedo?
- São dez horas da manhã, fui ás sete no resort, mas
infelizmente não te encontrei.
- Aconteceu alguma coisa?
O homem pisca algumas vezes os olhos, o cômodo estava
devidamente arrumado sem nenhum vestígio de sujeira ou
da guloseima que ingeriu na madrugada. A garota de
programa com certeza, deve ter ido embora, ele não havia
perguntado o nome daquela mulher, ela era só mais uma,
descartável.
- É a respeito do assassinato da Pamela.
- Você e o Jake tiraram os últimos dias para me fazerem
essas perguntas?
Tyler engoliu algumas palavras e arrumou os seus óculos,
um pouco sem jeito com o patrão.
- Quem sou eu para me intrometer na vida do doutor?
Presto serviços e nada mais, sou um mero vedor, cada
coisa que acontece nessa cidade, devo te contar, não é
mesmo? É por isso que paga muito bem o meu salário. Para
fiscalizar os mínimos detalhes de Arraial.
- E aonde entra a Pamela nisso?
- O irmão dela. Ele quer a verdade, justiça. Anda
perguntando a respeito de muitas coisas, quer saber da
vida dos outros, incluindo a sua, creio que isso pode
nos prejudicar.
- Aos negócios.
- O interesse é sempre nisso, nos negócios.
- Obrigado, Tyler, desculpe-me se fui um pouco rude,
acordei de mal humor.
Tyler retirou-se do cômodo. Miguel Xavier, subiu para o
quarto e vestiu o paletó, um pouco tarde para ir ao
trabalho, escutou o barulho da campainha, a empregada
subiu rapidamente para avisar que tinha uma visita,
esperando ele na sala de estar, um homem. Ele retornou
para o ambiente anterior, contemplando Levi Monteiro
acomodado no estofado, as palavras de Tyler foram muito
uteis.
Xavier permanece em pé, acabando por arrumar a gravata
no pescoço.
- Porque me incomoda tão cedo?
- Estou investigando o homicídio da minha irmã.
- Excelente iniciativa, se depender da polícia...
- Nunca encontrarei o verdadeiro mentor.
- Claro.
- Acho estranhos os motivos que levaram a Pamela pisar
no altar. Já que ela mantinha um caso com outro homem.
Ou melhor dizendo, o Jonathan Sampaio.
- Do que você está falando?
- Que eu vou até o fim dessa caçada.
Levi se levanta do sofá, ficando frente a frente com
Xavier.
- Toma cuidado comigo. – Avisa o proprietário do
resort.
- Está me ameaçando?
- De forma alguma, mas pise no meu calo, que eu dou
muito mais que um recado, entendeu? Agora, por favor, se
retire da minha residência, estou um pouco atrasado para
o trabalho.
O homem aponta o caminho da saída, eles não trocaram
mais nenhuma palavra. Levi recolhe-se, sem ao menos se
despedir. O ódio consome Miguel. Quem esse miserável
pensa que é? Para chegar assim? O insultando dentro de
sua própria casa? Vontade de estrangular aquele pescoço
até os últimos momentos de vida. Ele pega uma pequena
estatua de porcelana e joga contra a parede, que
despedaça no assoalho, pondo em mente apenas ideias
tétricas. |
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