Somos
educados desde a infância de que o Papai Noel só vai dar presentes para quem se
comportar. Escovar os dentes, respeitar os pais, ser um bom aluno, e por aí
vai. Por mais que seja uma forma de controle dos pais sobre os filhos, no fim
das contas todos acabam ganhando presentes. Com os animais isso é diferente?
Eles também ganham presentes?
Nosso
protagonista, o gato, nasceu em uma tarde chuvosa num beco isolado. Acompanhado
somente da mãe e de seus irmãos, seus primeiros dias foram tranquilos. Por vezes,
o dono do bar, do outro lado da rua, doava alguns restos de comida para a mãe
gato que ainda recuperava as forças. Não demorou muito para os filhotes
aprenderem a falar.
— Mamãe, o que é aquilo? —
queriam saber todos os gatinhos curiosos ao avistarem algo novo. Todo dia era
uma descoberta diferente, claro que somente até o fim do beco. Assim que algum
espertinho resolvesse sair do limite estipulado pela mãe gato, a mesma o trazia
de volta junto de um belo sermão - acompanhado da mais calorosa lambida.
Logo
no fim de janeiro - não que a data importasse para os felinos - uma das piores
chuvas de todos os tempos alagou toda cidade. O gato, em meio ao caos do
alagamento, se perdeu de sua mãe e irmãos. Miados de desespero da mãe eram
ouvidos por pelo menos duas ruas, não longe o bastante para chegar no seu
filhote perdido que estava no final da quarta rua. Não muito tempo depois, a
mãe e os filhotes foram acolhidos por um casal de mendigos.
O
mundo da solidão era descoberto pelo gato. Ruas enormes, prédios, pessoas
caminhando alegremente, cães, outros gatos, tudo no geral bem assustador. Sua
fonte de alimento eram as lixeiras da cidade.
— Ei rapaz, essa área é minha! —
enquanto se deliciava em um líquido, nosso gato foi surpreendido por outro
gato. — Vai vazando.
— Não estou vendo seu nome aqui!
— respondeu o gato, abusado.
— Oras, mas você nem gato é, é um
projeto de gato. Olha pra esse tamanho.
Continuou comendo.
— Qual seu nome, jovenzinho? — a
voz rouca do gato estranho se aproximava do filhote cada vez mais. Com passos
lentos, sua cor cinza encardida se destacava.
— Não tenho um. Onde já se viu
gato ter nome? — o gato cinza riu.
— E quem disse que você não pode
ter um? — pausa para lamber a pata esquerda. — O meu é Adalberto, foi minha
antiga dona que deu.
— Então o meu é Adalborto — a
fome do filhote ainda resistia. Adalberto deu um pulo ao escutar o filhote.
— Blasfêmia! Você não pode se dar
um nome, ora pelos! Seu nome deve ser merecido.
Com
bastante agilidade, Adalberto se dirigia para a entrada da rua, enquanto
sentava e lambia a pata traseira. O olhar que deu para trás foi suficiente para
o filhote notar que ele devia seguir o seu possível novo amigo.
— Para onde vamos? — perguntou o
filhote ainda lambendo os lábios.
— Te conseguir um nome!
Conhecendo
a manha das ruas, Adalberto guiou o filhote pelos lugares que mais tinham
pessoas. O gatinho não sabia, mas o velho gato de rua queria era conseguir uma
família para ele. O tal nome, no caso, viria junto de uma casa quentinha para
passar o natal - quem sabe uns petiscos
também.
— Logo ali, o lugar perfeito!
Gritos,
correria, choro, sons de ferros enferrujados definiam o parquinho. Crianças de
todas idades desfrutavam enquanto os pais conversavam sobre qualquer coisa. Os
primeiros dois adultos acariciados por Adalberto foram bem infelizes com o
gesto de amor oferecido pelo felino. O gatinho até ficou encabulado de tentar
alguma coisa, mas sua coragem era maior. Seu tamanho ajudava muito, um gatinho
no meio do parque chamava muita atenção. Muitas crianças pegavam no colo,
sacudiam, jogavam pra cima, até puxavam o rabo - selvagens!
— Mamãe, podemos ficar com ele?
— Você tá louca? Gato preto dá
azar!
Foi
assim que o pequeno felino não conseguiu uma família. As crianças, livre de
superstições bestas dos adultos, adoravam o gatinho, mas não podiam levar pra
casa. Adalberto até sentiu pena por alguns instantes.
— Ora ora, parece que você
conseguiu um nome. - Uma lambida para animar o seu novo amigo. — Você vai se
chamar Gatinho!
— Mas isso é um nome? - perguntou
Gatinho, cabisbaixo.
— Agora é!
A
dupla das ruas ficou bastante amiga. Adalberto até deixava o Gatinho comer na
sua lixeira! Era um avanço e tanto! Com a chegada do frio, os dois precisavam
achar um lugar para se aquecer. Conseguir uma família não era uma boa ideia por
questões raciais. Em meio a uma fuga de cachorros sedentos por gatos que os
dois encontraram Os Rebeldes.
O
galpão da companhia de alimentos Coma Bem
ou Morra com Fome fora abandonado anos atrás quando a empresa faliu - por
que será? Para evitar que sem tetos tomassem o prédio, a empresa responsável
pelo terreno resolveu lacrar todas entradas e janelas. O bom nisso é que
somente animais de pequeno porte conseguiam entrar pelos buracos do galpão. Foi
assim que surgiu a base dos Rebeldes.
Os
cachorros ficaram com a parte do térreo. Sua área era categorizada por latidos
descontrolados e randômicos durante o dia. Brigas constantes e o cheiro de
merda. Ainda no térreo, em meio a caixas grandes, era o território dos inimigos
mortais dos gatos. Os ratos viviam em harmonia, uma vez ou outra fugindo dos
cachorros. No segundo piso que começava o território dos gatos. Com acesso
somente pelo teto, os habitantes do térreo não conseguiam chegar. Obviamente só
os ratos esguios conseguiam, mas eles não eram burros suficientes para chegar
no paraíso dos felinos.
Anna
era a gata mais velha do local. Gostava de chamar todos os habitantes de
Rebeldes, os que insurgiram contra sociedade. Com a chegada da nossa dupla
preferida de gatos, ambos já foram bombardeados por regras da chefa. Alimento
deve ser compartilhado. Lambidas sempre que possível. Lamber o próximo. Ser
lambido - e sem ficar bravo! Coisas simples que, segundo ela, faziam dos Rebeldes
o melhor lugar para se viver em toda cidade.
Quando
o sol ia embora, todos se reuniam em baixo da parte aberta do telhado. A luz da
lua iluminava de um modo que parecia um acampamento humano, com todos em volta
de uma fogueira. Anna contava histórias de sua vida - eram muitas. A que mais
atraiu todos foi de histórias de Natal. Por mais que a maioria de suas
histórias fossem verdade, essas de natal eram todos inventadas. O imaginário
era uma escapatória para ela e para todos os gatos sobreviventes desse mundo
doido.
A
história da noite foi de quando ela viu pela primeira vez o Gato Noel. Quando
ainda era uma pequenina, sua mãe levava todos filhotes para o telhado do prédio
onde viviam para ver as estrelas. Num desses dias, como se fosse mágica, exatamente
na noite de Natal, o Gato Noel apareceu largando coisas gostosas para todos
eles comerem. Foi a melhor noite de todas, segundo Anna.
— E nesse natal ele vai aparecer
pra gente? — perguntou o Gatinho com uma inocência invejável.
Silêncio.
— Se você se ser um bom gato,
sim, querido. — respondeu Anna, com um tom de esperança com aquela pitada de
descrença. Os outros gatos, talvez até esperando uma resposta positiva mais
concreta, saíram desanimados.
—
A
história de Natal da chefia deixou o Gatinho pensando bastante. Por mais que
Anna tivesse dito que ele aparecia caso fosse um bom gato, por que nos anos
anteriores ele não apareceu? Ela estava mentindo! Mas claro que não de um modo
ruim, pensou, foi para tranquilizar todos. Foi nesse momento que Gatinho teve
uma ideia. Do outro lado do galpão, Adalberto dormia com as patas para cima.
— Adalberto, acorda. — Gatinho
subia em cima do amigo. — Tive uma ideia, preciso da sua ajuda, vamos fazer o
nosso próprio Natal com o pessoal.
— Deixa disso, garoto. — o
dorminhoco se virou para evitar de perder o sono. — Seja um bom gato, só isso,
escute o que a velha disse.
— Ela só falou isso pra gente não
ficar triste! — outro pulo em cima de seu amigo que dessa vez levantou, ainda
com os olhos quase fechados.
Os
dois então partiram para fora do galpão, na madrugada. Como fossem ninjas da
noite, os prédios eram seu meio de locomoção mais rápido. Mesmo ainda não
sabendo os planos do filhote, Adalberto seguiu sem resmungar. Aquela aventura
era necessária para o jovem gato, pensou. Só pararam quando chegaram bem acima
de uma certa rua, onde avistaram um frango bem chamativo. A janela que saia o
cheiro estava completamente aberta, como se chamasse os dois para o melhor
banquete de suas vidas. Ao se aproximarem, notaram que lá dentro a família
estava reunida na sala assistindo televisão.
— Vamos entrar. — ordenou
Gatinho, já se pondo na entrada da janela. Adalberto até se assustou com a
iniciativa do garoto. O que um frango não fazia nos gatos!? O cinzento também
entrou.
Na
cozinha, além do frango no forno, tinha outro ainda cru no balcão. Estava
enrolado em uma sacola. Sem fazer muito barulho, Gatinho tentava puxar com a
boca a sacola para a janela. Adalberto ajudou o pequenino. Com a força dos dois
e um belo trabalho em equipe, conseguiram levar o frango para fora. Tiveram
mais dificuldade em se locomover com aquela sacola. Depois de várias quedas,
finalmente conseguiram chegar a uma distância considerável da casa.
— Hou, hou, hou. Gatinho Noel
chegou! — Adalberto acordou todos com a canção adaptada. Uma luz de alegria
tomou os olhos de todos os gatos do lugar. Mal acreditavam que iriam comer um
frango inteiro! Como fossem animais selvagens em busca de uma presa, alguns até
se estapearam por causa da comida. Claro que até a chefia chegar.
— Sejam gatos civilizados! Tem
pedaço para todo mundo, então vamos dividir. — ordenou Anna enquanto se
aproximava da dupla responsável por trazer o alimento.
— Vocês são o símbolo do Natal.
Se vocês tivessem trazido grãos de ração, já teria sido suficiente para serem
amados por todos aqui presentes. Gatinho, você é um anjo.
Assim
a noite de Natal de todos os gatos foi a melhor de todas. Gatinho recebeu
lambidas para a vida toda naquela noite. Adalberto preferiu só ficar dormindo
mesmo.
Feliz
natal.
produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
Copyright © 2019 - WebTV
www.redewtv.comTodos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução
conto escrito por
Douglas Barres
Douglas Barres
produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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