E, naquela manhã de
quarta-feira começaram a retirar os objetos natalinos do depósito, e a
decoração começou nas lojas do shopping, pessoas andando pra lá e pra cá, enfeitaram
a praça central, enquanto aguardava receber a mesma ligação em de todos os
anos, pois era comum o shopping colocar um Papai Noel, para ouvir os pedidos
das crianças, e também contratar um fotografo.
E, próximo do meio-dia a
ligação, o extra natalino está garantido, e fui conversar com os responsáveis
pelo cenário, e combinar os horários de trabalho, passei pela cidade que ainda
não estava vestida a caráter para a época festiva do natal, sem decorações ou
luzes nas casas e pelas ruas, cenário oposto ao da praça do shopping, que
ostentava uma decoração capaz de fazer qualquer criança se sentir no próprio polo
norte.
Então, poucos dias depois
tudo estava preparado, e várias famílias transitavam de loja em loja, as
crianças na fila esperando sua vez concentradas pensando no que pedir ao velhinho
de barba branca e roupa vermelha, mas, ninguém ousava afirmar as crianças que
aquele era o verdadeiro Papai Noel, afinal as crianças de hoje não acreditam em
qualquer história.
E muitos pais orgulhosos,
alguns mais zelosos e cheios de recomendações sobre a foto, ansiosos por publicá-las
nas redes sociais, alguns quase chegavam a pular na frente da câmera, porém,
muitos pareciam mais empolgados que as crianças, hipnotizadas pelo brilho das
telas dos smartphones e alheias a realidade com seus fones de ouvido.
O representante de Papai
Noel com seus ajudantes, controlavam o fluxo de crianças no local, como
verdadeiros ajudantes a fazer brinquedos, atuavam aplicadíssimos na tarefa para
dar conta de ouvir os pedidos com eficiência e não ultrapassar o horário do
fechamento das lojas do shopping... para depois voltar para casa e aproveitar a
época com a família.
Eu, parecia o único que não
tinha um propósito, apenas a tarefa de esperar o momento da foto, que era um
instante, e voltar a invisibilidade, o que permitia ser o observador das
reações das crianças e as expressões dos pais naquele ambiente de faz de conta
natalino.
Percebi que os detalhes
revelavam um universo particular, a família, na fila algumas crianças
inquietas, algumas choravam outras batiam nos pais, outras mantinham a atenção na
tela dos seus smartphones, em um universo particular, destes que os pais também
adentram quando a atenção ficava no aparelho, e a criança escapava a perambular
sozinha.
Estava tão envolto em analisar
aquela fila que por hora precisava ser chamado a atenção, pois esquecia de
fotografar, então click... click... e minha atribuição no espetáculo estava
momentaneamente cumprida.
E voltava a minha
invisibilidade, até que o choro de um menino irrompe contra o murmurinho das
conversas, os gritos, se recusava a se aproximar, mesmo com a insistência da
mãe que lhe segurava pelo braço, amedrontado receoso do velhinho barbudo de
roupa vermelha sentado naquela cadeira em meio a todos aqueles ajudantes fantasiados,
caixas de presente e enfeites coloridos.
Mas, logo o choro foi
contido, quando a mãe desiste do intento de obrigar o menino a falar com o
Papai Noel, e deixa a fila, levando pela mão em passos rápidos o menino... e então
dois passos para frente e... click, click, - outro momento de felicidade registrado.
Observava as crianças e as
confidências ao representante de Papai Noel, orgulhosos exemplos de bons
comportamentos durante o ano, alguns apenas, isentando-se de peraltices, alguns
mais audaciosos, assumiam a responsabilidade das traquinagens se justificando e
faziam promessas de melhor comportamento, e finalmente a grande revelação,
aquele que era o propósito da conversa com o velhinho barbudo de roupa
vermelha, as vezes seguido de uma interrogativa - vou ganhar presente Papai
Noel?
Então, um entre olhar do
representante de Papai Noel e os pais, um leve aceno com a cabeça e uma
confirmação que alegrava a auspiciosa criança... e ouvia dos lábios escondidos atrás
da barba branca solta que a toda hora mudava de lugar, uma confirmação,
posteriormente nos bastidores do mundo real caberia não ao Papai Noel, mais a uma
mãe ou pai esforçado, deixar na manhã de natal embaixo da pequena árvore o
presente cuidadosamente embrulhado. E o momento de outro click, click, click.
Me parecia uma certa
crueldade criar um mundo de fantasia, e aí utilizá-lo para barganhar por bom comportamento
em troca de presente, foi então que me ocorreu, as crianças de hoje não guardam
a inocência como as de antigamente, então, talvez muitas percebendo o embuste, se
utilizam da barganha para conseguir o exposto nas vitrines das lojas do
shopping?
Por parte dos pais, um
orgulho do sucesso dos filhos brilhava nos olhos, e muitas vezes a forma de realizar
os sonhos que seus próprios pais não pudera, embora seja complicado viver
momentos especiais junto aos filhos enquanto estamos sempre envolvidos pela
rotina do trabalho, então presenteá-los é desencargo de consciência, compensação em face as ausências cotidianas.
E no contexto desta
ausência, que produz o afastamento, e pela falta de tempo, as crianças deixadas
na creche, e quando maiores na escola, verdadeiros depósitos de pequenos
humanos, filhos da sociedade da falta de tempo.
E neste momento um
pensamento alheio, talvez no futuro estes filhos ocupados pelo trabalho deixarem
os pais em um asilo com os cuidadores de velhos, e não serão acometidos por algum
reclame da consciência, pois repetirão a si mesmos – lá eles serão bem cuidados,
tem pessoas só pra isso! E novamente, click, click, click.
E a inquietação parece ter
florescido no pensamento, será que na sociedade da falta de tempo e de
compensações materiais pelas ausências, também esquecemos da infância? E que
esquecemos que uma relação exige reciprocidade de afeto, o que só seres humanos
e animais são capazes de proporcionar, e que mesmo uma tecnologia interativa
nunca será capaz oferecer. E outra sequência, click, um silêncio, click.
E num relance vislumbro o
colorido da decoração natalina, e
questiono as intenções implícitas, sei
que uma criança merece ter seus desejos ouvidos e realizados, mas será que alimentar
a ilusão que um estranho, que um simpático velhinho barbudo de roupa vermelha
que mora no polo norte, e que voa em um trenó puxado por renas mágicas
distribuindo presentes pelo mundo, quanto esta figura é mais digna de realizar
o desejo de uma criança que o esforço de uma mãe ou pai? E click, click, click.
E, então uma breve
reflexão, uma relação mediada por coisas em vez de afeto, pode nos fazer tomar o
mundo apenas como o lugar para satisfazer nossos desejos, e se tudo é desde a
infância apenas percebido pelas coisas, então o único comportamento possível neste
mundo é o de possuir coisas, assim também a felicidade em um mundo de coisas é
só momentânea, mas coisas ficam velhas e
passaremos a querer novas coisas, mas não podemos nos enganar pois nenhuma coisa
pode completar nossa humanidade. E click, click.
E sem esperar outra
inquietação reclama atenção - Será que alguém dispensa tamanha atenção para
ouvir os pedidos das crianças do orfanato da cidade? Porém, talvez a maioria
destes sejam como o meu, daqueles que que não vão se realizam na manhã de
natal, - pois ainda criança perdi meu pai e depois minha mãe - e sendo filho
único posso compreender o sentimento de não ter família.
E o penúltimo click, e o click derradeiro,
desliguei a câmera e fui a administração receber meu pagamento, mas, quando
segurei o dinheiro, enquanto cruzava o corredor para o elevador, na memória as vozes
e os desejos das crianças ainda estavam vividos na memória, e intimamente sabia
que se o velhinho escrutina-se minhas ações, meu nome não estaria na lista dos
meninos bons, e percebi que precisava tentar encontrar na minha humanidade o
propósito do natal.
E sai do estacionamento do
shopping, rumo a uma pequena loja que conhecia, afinal não poderia pagar pelas
coisas das lojas do shopping, e curiosamente o dinheiro rendeu tantos
brinquedos que recebi a compra em um grande saco vermelho, sai da loja levando
apoiado no ombro, caminhando pela calçada cruzava que os transeuntes que
sorriam como crianças quando avistavam o grande saco vermelho que carregava.
E segui para o orfanato da
cidade, não com um trenó voador puxado por renas mágicas, nem com uma barba branca
e roupa vermelha, embora precise admitir o saco era vermelho.
E enquanto andava pelas
ruas decoradas sem um motivo comecei a tentar lembrar os nomes das renas mágicas
- Rodolfo, Corredora, Dançarina, Empinadora, Raposa, Cometa, Cupido, Trovão e
Relâmpago – e confiante que poderia reencontrar alguma humanidade toquei a
campainha da porta do orfanato.
Feliz
natal!
produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
Copyright © 2019 - WebTV
www.redewtv.comTodos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução
conto escrito por
Cesar L. Theis
Cesar L. Theis
produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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