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Antologia Lua Negra | Capítulo 03 - Ai Apaec

Conto escrito por JF Martignoni
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Sinopse: Jovens se reúnem ao redor da fogueira para contar histórias de terror, nada de novo sob a luz da lua, se não fosse a história real de um duque dono de um capitania hereditária, cujos feitos amaldiçoam sua cidade natal até hoje.


Ai Apaec
de JF Martignoni


Os jovens estavam reunidos ao redor da fogueira que crepitava, bebendo o vinho que José roubou de seus pais, contando histórias de terror, era um ritual que os acompanhava desde a infância. Sempre esperavam seus familiares dormirem, surrupiavam alguma bebida alcoólica, e se reuniam todas as quintas-feiras a meia-noite em ponto. Antigamente o encontro acontecia dentro do cemitério da igreja da cidade, mas acabaram sendo expulsos e proibidos pelo segurança do local. Tentaram burlar as regras diversas vezes, mas acabou sendo mais conveniente ficarem no muro do lado de fora, que era tão macabro quanto.
Ali do lado de fora, encostado no muro do cemitério Alice contava sua história:
- Em uma cova rasa e torta, no barranco, depois do muro que delimitava o fim do território da igreja fundada pelos jesuítas em suas primeiras empreitadas pelo Brasil, estava enterrado um duque que sonhava em ser rei, conquistando tudo que era de Dom João III, seu amigo. O Duque, antes de chegar ao Brasil, era apenas um membro da pequena nobreza de Portugal, aqui recebeu sua capitânia hereditária, uma proposta irrecusável para uma família a beira da falência que tinha pouco além de seu título, e uma grande capacidade para ludibriar os de fora.
- Meu Deus, Alice, parece onde nós estamos... – disse André o mais jovem e medroso dos cinco.
- Cala a boca André, deixa a Alice contar a história... – reclamou Pedro.
- Bem, continuando... O duque sabia que precisaria fundar vilas, construir engenhos, distribuir terras... O que seria bem difícil com sua falta de recursos, mas também sabia que como donatário seria a autoridade, podendo nomear e destituir todo o governo daquele local. Caso alguém se opusesse a ele, poderia matar desde escravos até homens livres. Poderia escravizar e vender os nativos, receber parte das rendas da Coroa, se jogasse bem suas cartas poderia ser a figura mais ilustre de toda a sua família. Acima de tudo era isso o que queria, poder, fortuna e glória.
- Me alcança o vinho Alice. – solicitou Débora.
Alice alcançou o vinho. – Gente vocês podem prestar atenção na história? Essa é real, aconteceu aqui, minha avó me contou e eu fiquei super animada em contar ela pra vocês.
- Pode continuar, só queria um gole. – se desculpou Débora.
- Shhhh – disseram todos.
- Em pouco tempo surgiram vilas, suas plantações férteis, a imigração era alta pelas promessas do novo mundo e ele era o senhor de tudo, naquele território qual pouco tinha ideia do fim. Mais rico e poderoso que nunca, descobriu-se insatisfeito, aquilo não era o bastante. Fez mais escravos, derrubou mais árvores, plantou mais, pagou menos a Coroa, desrespeitou diversas regras e começou a ampliar seu exército, talvez se tomasse outras vilas e as administrasse bem o rei nem se importaria, e quando se importasse seria tarde demais. Os anos passaram e seu exército não era grande o suficiente, e as plantações e o comércio começaram a apresentar diversos problemas, neste período aprendeu com os índios sobre os seres das matas, das águas, do fogo e do ar, como invoca-los e o que poderia ganhar com isso. Nada disso era fácil, nem barato, alertou-lhe o antigo pajé, hoje escravo, desde o início. Entretanto os rituais e sacrifícios davam resultados satisfatórios, o que mexeu com os anseios de grandeza do duque, e não demorou muito para que o pajé não pudesse mais satisfazer suas ambições, nenhuma criatura adorada pelo velho místico poderia trazer tamanhos benefícios, nem causar tantos males. Algo que não só foi desacreditado como enfureceu o donatário, e foi ai que as torturas começaram. Relutando enquanto pode, o sábio acabou por falar dos seres da noite, aqueles que jamais ousara contatar. Tentou no auge de sua oratória convencer o duque a esquecer o assunto, eram rituais com sangue humano, antropofagia... Eram laços que não podiam ser quebrados, eram bênçãos carregadas de maldição. O índio pouco sabia desses rituais, havia mais aprendido sobre por que jamais os praticar do que como executar, o que deixou o donatário muito criativo no desenvolvimento de novos e mais terríveis métodos de tortura. Desesperado em dar um fim no pesadelo que havia se tornado sua vida, o pajé finalmente desabafa sobre Ai Apaec, o decapitador, o protetor e algoz da civilização Mochica. Seriam uma dezena de aves mortas, seguida por uma dezena de cabeças de gado, depois uma dezena de seres humanos puros. Entende-se por puros menores de dez anos. Todos seriam decapitados e seu sangue estocado e cozido em um grande caldeirão, a céu aberto em uma noite sem lua, qual seria posteriormente bebido por todos os praticantes do ritual. Sem pensar duas vezes o duque ordenou que tudo fosse preparado, em seis ciclos da lua teria o exército capaz de tornar seus sonhos realidade. Isto se não fosse traído, morto e enterrado fora do terreno da igreja, mas há laços que não podem ser quebrados e mesmo não tendo cumprido o ritual, ao aceita-lo e trazer Ai Apaec para perto de si, o duque amaldiçoou toda sua terra, que antes fértil agora era árida, seu povoado promissor foi hostilizado por diversos povos nativos, massacrado por doenças, e sangrou por invasões de povos estrangeiros. Por toda a desgraça que trouxe para cá, seu nome foi esquecido por todos, sua cova torta e rasa não tem marcação, mas sua maldição continua Ai Apaec ainda tem sede se sangue e ainda vaga por essas terras espalhando pensamentos suicidas e homicidas, sempre buscando matar sua sede.
- Meu Deus Alice, ele não foi enterrado do lado dessa igreja né? – perguntou André aflito.
- Claro que não André, não seja bobo. – respondeu José.
- Na verdade, foi sim. Segundo relatos da minha avó, foi enterrado exatamente aqui onde fizemos a fogueira. – corrigiu Alice.
- Para Alice, isso não tem graça. – Débora abraçando André que era seu irmão. – É só uma história como todas as outras.
A chama da fogueira subiu a pelo menos um metro de altura, o que fez com que todos se afastassem assustados. Podiam ouvir gemidos de agonia na mata próxima deles. Ficaram um tempo observando as chamas anormais ignorando os barulhos na mata, pensando que fosse apenas coisas de suas cabeças. Um não sabia se o outro estava ouvindo, ou se seria alguém pregando uma peça neles.
- Socorro! – finalmente gritou uma voz desconhecida no meio das árvores.
Eles entreolharam-se e acenderam seus lampiões de diesel, não sabia se fugiam ou iam ver o que poderia estar acontecendo. Podia ser apenas alguém que se machucou.
- Eu vou ver o que é. – afirmou José, o mais velho e meio que responsável pelo bando.
- Você está louco José? Vamos avisar o segurança do cemitério, ele deve saber melhor o que fazer. – disse Débora, sempre a mais sensata.
- Eu, o Pedro e o André vamos lá ver o que aconteceu, você e a Alice chamam o segurança. Vamos sem fazer barulho, se for algo perigoso fugimos encontrar vocês.
- Isso é loucura José, o que você pode fazer pra ajudar? Vamos chamar um adulto. – rebateu Débora.
- Vai que é só alguém que se machucou e está precisando de ajuda urgente? Não vamos se meter em nada que for perigoso, fiquem tranquilas. Agora vão lá que a pessoa pode estar bem machucada.
- Não dá pra eu ir com a Débora e a Alice ir com vocês? – perguntou André apavorado.
- Pode ser, ou vão vocês três, só vamos dar uma olhada ali mesmo. – respondeu Pedro.
- A você acha que por que sou mulher vou atrapalhar vocês? – brigou Alice, irritada.
- Já falamos sobre isso Alice, ninguém te acha menos capaz, só nós somos mais fortes e corremos mais rápido.
- De onde vocês tiram essas merdas? – gritou já irritada.
- Tá você vem com a gente então, mas vamos logo.
- Socorro! Por Favor! – gritava a voz na mata.
Os grupos se separaram e enquanto Débora e André correram até o posto de guarda do segurança do cemitério, Pedro, José e Alice desciam com cautela o barranco mata a dentro procurando a origem dos gritos.
O primeiro grupo chegou antes em seu destino, e ficaram batendo alucinados na porta da pequena guarita do cemitério, sem obter resposta. Até que Débora desistiu e tentou abri-la. A porta estava destrancada e nenhuma iluminação vinha da parte interior. Com seu lampião a frente demorou para entender a cena que presenciava.
- Meu Deus! – gritou quase caindo de costas.
O corpo do segurança jazia debruçado sobre sua mesa, sua arma ainda estava presa em sua mão e sua cabeça com um imenso rombo na nuca, pedaços de crânio, cérebro e sangue espalhados por boa parte da mesa e parede. Aquilo não podia estar acontecendo, não sabia o que fazer e decidiu retornar encontrar os outros, mas não sem antes mandar o pequeno André para casa chamar seus pais.  
O segundo grupo por sua vez seguiu lentamente mata a dentro tentando encontrar a fonte dos gritos, a lua estava cheia o que facilitava enxergar, depois que seus olhos se adaptaram a escuridão. A uns duzentos metros a sua frente viram um homem pendurado pelo pescoço em uma corda. Ele estava lutando por sua vida, tentando com ambos os braços se erguer ou se desvencilhar do nó inutilmente. Seu primeiro impulso foi correr socorre-lo, todavia, poucos passos à frente já puderam avistar um ser não facilmente descrito que estava parado ao lado do homem, como se observando sua luta pela vida ou esperando sua morte. A parte debaixo do seu corpo parecia com um cavalo com seis patas e dois rabos, seu dorso subia de onde deveria estar o pescoço do animal, com quatro braços, sua cabeça tinha chifres de alce, olhos de um brilho amarelo e presas como de um aranha. A criatura os ignorava até que Pedro pisou em um galho, ao desequilibrar-se depois de tropeçar em uma pedra. A criatura o observou, Alice e José saíram correndo, demorando para notar que o amigo tinha ficado para trás, quando o procuraram olhando desesperados para todos os lados viram ele paralisado encarando o brilho amarelo dos olhos daquele ser maligno. Logo o inominável deu um nó com uma corda parecida a que prendia o homem que os chamou até ali com seus gritos de socorro, e pendurou Pedro numa árvore para também lutar pela própria vida.
Voltaram a fugir desesperados tentaram pular o muro da igreja, Alice deu pezinho para José subir para depois a puxar, quando finalmente a puxou acabou caindo de costas dentro do cemitério, batendo sua cabeça em uma lápide para não mais acordar. Alice caiu sentada nas setas de ferro do topo do muro, ficando empalada e sentindo seu sangue junto com sua vida deixar seu corpo. Débora até chegou a tempo de ver a amiga com vida, mas suas tentativas de tira-la do muro foram inúteis, ela era muito fraca, impotente, não podia fazer nada.

Depois de um tempo desistiu entrando em um estado de choque que a fez apenas observar a amiga morrer, sem mover um músculo. Ouvindo uma respiração pesada as suas costas, virou se e pode observar a criatura anteriormente descrita, algo que jamais seria capaz de descrever. Só desmaiou. Quando foi encontrada era incapaz de se comunicar, ou sequer reagia a qualquer estímulo. Foi assim que ficou pelo resto de sua curta vida, acabando sendo largada em um manicômio, quando sua família encheu o saco de a alimentar e limpar, lá morreu, vítima de uma convulsão causada pelo forte brilho amarelo dos olhos de Ai Apaec que a observavam pela janela de seu quarto. Já sobre André, pouco se sabe, nunca chegou a sua casa, alguns vizinhos do cemitério, juram que ainda podem ouvi-lo chamando por sua mãe, sempre que o relógio marca meia-noite.


Conto escrito por
JF Martignoni

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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Sinopse: Quando somos aprisionados em algo que nos faz acreditar que podemos ser superiores aos outros, não é para sempre que viveremos de glórias. Aloísio é um deputado que se acha superior a todos e em nenhum momento acredita na igualdade das pessoas. Através da política conquistou muitas coisas, mas nenhuma delas veio da honestidade.

Em um mundo onde o sobrenatural pode estar presente de alguma maneira, Aloísio enfrentará este problema de frente, tendo que encarar eventos que irão lhe fazer repensar suas atitudes ao longo da vida política. 




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