Sinopse: Sobrevivente de uma guerra histórica, D. Sebastião é mandado para o Brasil para se recuperar, conhecendo os costumes de uma tribo indígena como a aguardada Lua Negra.
Jaci Una
de Marcelo Milici
1.
Vale
das Criaturas Mágicas
Engasgou-se com o sangue que cobria sua face numa
tosse úmida e que feria suas cordas vocais. Mas era o menor dos seus problemas.
Estava enterrado, ainda vivo, sob uma pilha de corpos vermelhos e desmembrados,
ouvindo alguns gemidos que o faziam lembrar de sua amante ilícita Isabel. Sentia
uma dor aguda, principalmente no ombro direito, por onde a espada do soldado
otomano havia trespassado, e imaginava que, com os demais ferimentos, podia se notar
uma evidente condição moribunda.
Sem os zunidos dos disparos ou a gritaria do
exército saadiano, a noite clara, com os respingos de brilhantes estrelas, fazia-o
recordar de sua infância no Paço da Ribeira, quando a imaginação o transportava
para terras longínquas, sendo conduzido por uma serpente marítima até o vale
das criaturas mágicas. Com esse pensamento açucarado, diante de um mar de cadáveres
destroçados, adormeceu, após um longo suspiro.
Estava pendurado na carcaça de uma baleia, remando sobre
a grama molhada e observando o balé das aves. Era um belo dia azulado no campo,
com árvores vermelhas e uma paleta de flores perfumadas, que compunham um arco ao
pé de uma montanha. Entendeu que era um sonho, quando o tom rubro das rosas
começou a se derreter, em um sangramento que destoava da atmosfera ingênua e
funcionava como uma âncora onírica. Ainda assim, desceu do mamífero e caminhou
pelas pedras duras, sentidas pelos pés descalços, acompanhando os tremembés até
sua pequena aldeia, onde pipocavam diversas malocas, que circundavam um pátio
de terra. Foi recebido por um velho pajé que o guiou até uma grande oca e o colocou
deitado sobre uma estrutura de barro, fazendo movimentos em ziguezague com suas
marocás. Ao olhar para baixo, o visitante observou que seu corpo, nu, ferido na
batalha da grande fortaleza, estava aos poucos se reconstituindo, graças aos serviços
de um grupo de larvas-médicas, com ferramentas de operários de fábrica. Não
sentia mais dor, não havia cicatrizes. O xamã, então, afastou as criaturas
trabalhadoras, agradecendo-as pelo serviço prestado, e agora evidenciava uma
expressão séria, bastante temerosa, olhou para o paciente e disse com uma voz
trêmula e definitiva: “Jaci Una”.
2.
Upaon-Açu
Movimentou lentamente as pestanas até abrir definitivamente
os dois olhos. Ainda com a visão turva, identificou uma cobertura de palha bem
constituída, até sua atenção ser atraída por uma voz infantil.
— Aba
acordou! — com os longos cabelos esvoaçados correu em direção à entrada, chamando
a atenção de alguma outra pessoa. — O moço acordou!
O moço. Era
a primeira vez que alguém se dirigia a ele dessa forma, e pensou se não seria
uma ofensa. Provavelmente não. Estava vivo. Não fazia ideia de como chegara até
ali, mas, considerando o sotaque da criança, imaginava que estivesse bem longe
de Marrocos. Em algum vilarejo português, talvez.
Uma índia,
alta e magra, numa versão mais velha da espiã-mirim, adentrou o espaço rapidamente
com a face curiosa.
— Que bom
que o senhor já se recuperou. Está sentindo alguma dor? — disse num tom suave e
simples, que transmitia carinho e confiança, sem evidenciar sinais de sua
origem.
A primeira
tentativa de falar veio como um rouco assovio, e sentiu um gosto ruim na garganta.
Parecia que ainda havia sinais do sangue que o fizera engasgar naquela noite fatídica.
Tentou mais uma vez:
— Estou me
sentindo bem. — mentiu levemente pois era incomodado por pinicões e alfinetadas
pelo corpo. — Onde estou? Como vim parar aqui?
A estranha
pediu para a pequena buscar chá para “o moço”, enquanto sentou-se numa cadeira
próxima ao leito, pensando como devia iniciar a prosa. A abertura na oca dava
sinais de um dia cinzento, com algumas rajadas de vento, que atrasaram seu
discurso.
— O senhor foi trazido para cá por um grupo a serviço de Maomé. Foi ferido
seriamente em um confronto, e precisava tanto de cuidados quanto de discrição.
Parece que sua identidade devia ser preservada. O senhor está em Upaon-Açu.
Ele
percebeu que, pela forma de tratamento, a simpática anfitriã não fazia ideia de
que hospedava e cuidava do Rei de Portugal. Talvez fosse melhor manter mesmo
sua identidade em sigilo até que possa voltar para seus domínios.
— Estou no
Brasil? Quanto tempo faz que estou desacordado?
— Não sei
se o senhor chegou a acordar antes de ter sido trazido para cá. Está aqui há
dois meses. — Ela respondeu, dando um tapa na própria testa percebendo o
equívoco. — Esqueci de me apresentar. Sou Anahi, e esta é minha filha Iara.
Erguendo o
tronco com dificuldades, Dom Sebastião fez um sinal com a cabeça, e com um
discreto sorriso, disse:
— João
Manuel. — em homenagem ao pai que não chegou a conhecer — Agradeço pela hospedagem
e cuidados.
3.
Caminho
Sem Volta
Carregava apenas um mosquete e nada mais. Nada mais
mesmo. Estava completamente nu em Marrocos na batalha de Alcácer-Quibir. Era o
único que apresentava tal condição, mas parecia que ninguém estava achando
aquilo incomum. Soldados do exército saadiano de Abd al-Malik caíam mortos, um
ao lado do outro, na formação de uma estrada de corpos vermelhos que traçava o
caminho para Oz. Pisava nos corpos e sentia a dor daqueles que ainda tentavam
seu último suspiro, até que reconheceu, entre os paralelepípedos humanos, o rostinho
da pequena Iara. “Aba acordou!”, ela disse.
E foi o que aconteceu. Sebastião abriu os olhos
rapidamente e percebeu que jazia na estrutura que ocupara nos últimos meses. Sentiu
uma dor latejante no ombro, como se novamente a espada do guerreiro o estivesse
atingido. Levantou-se com calma e deu uma olhada pela abertura, flagrando o sol
a observá-lo entre nuvens intensas, e reparou que realmente estava numa tribo amplamente
civilizada.
— Bom dia,
senhor João! — exclamou empolgada Anahi, quando ele a encontrou pela manhã. Ela
montava uma mesa com alguns poucos itens de um cardápio bastante tímido em relação
ao que ele estava acostumado.
— Bom dia!
Parece que o dia está bem mais interessante hoje. Com a possibilidade de boas
novas! — tentou manter-se no mesmo clima receptivo. E, ao observar a chegada da
menina, já começou a pensar nas estratégias de retorno a Portugal. Deviam estar
preocupados com a sua recuperação, e precisava voltar ao trono para liderar uma
retaliação.
Após a
refeição, vestiu-se com uma camisa de linho e o gibão, além de um calção curto,
em trajes que o tornavam comum demais, embora distinto na ilha onde estava. A
barba crescida ajudava a completar um visual bem distante de um monarca. Contudo,
ele sabia que seria temporário, e logo estaria numa embarcação rumo à rotina da
realeza.
Saiu da maloca
e rumou pela terra a procura de soldados ou missionários portugueses, além do
grupo indígena. Caminhou durante bastante tempo e somente cruzou com mais nativos
curiosos, e, quando chegou à praia, resolveu voltar com receio do anoitecer e
confrontar algum animal selvagem.
Assim que retornou
para sua oca, percebeu que havia ali um visitante que poderia lhe trazer algum
bom sinal. Era um combatente do exército português, um rapaz franzino, branquelo,
e que ao vê-lo mostrou-se desconfortável por estar diante de uma figura nobre.
Sebastião fez um sinal para que ele nada falasse e o chamou para uma conversa
particular nas proximidades.
— Espero
que já tenham preparado o meu retorno. — Ele disse assim que se afastaram o
suficiente da comunidade, mesmo acompanhado de múltiplos olhares julgadores.
— El Rei, venho
aqui com uma mensagem de Portugal, a pedido de seu sucessor, o Cardeal Dom
Henrique. — Consciente de sua responsabilidade, o jovem soldado entregou-lhe
uma missiva, com as mãos tremendo, como se temesse uma reação desastrosa.
— Meu
sucessor? Meu tio? — rapidamente abriu a carta e, depois de algum tempo de
leitura com a expressão se alterando conforme avançava nas linhas, atirou-a na
terra. — Eles querem que eu me transforme em um primitivo! E que o meu retorno
seja adiado pelo bem de Portugal! Não acredito que tenha sido o melhor caminho
a minha vinda ao Brasil, principalmente depois do que aconteceu no campo de
batalha... Pois, trate de retornar de onde veio com a minha resposta final em
letras grandes: NÃO!
Temendo
que a mensagem-resposta pudesse ser ainda mais complicada, o soldado deixou o
local brevemente e desapareceu na estrada para, assim como Dom Sebastião, nunca
mais voltar.
4.
O Chamado do Xamã
Sebastião
acreditava que a resposta poderia vir nos próximos dias, mas ela nunca veio. Sabia
muito pouco do que acontecia em Portugal, até mesmo com uma forma de desprezo
pelo esquecimento.
Teve,
assim, que se acostumar com uma nova vida, que incluía a realização de serviços
discretos na tribo e a diversão carnal com Anahi. Logo já estava ensinando
preceitos religiosos para Iara e para o grupo cada vez maior de jovens indígenas,
já adaptados à Língua Portuguesa. Aproveitou também para aprender mais da
língua tupi, numa troca de aprendizados que considerou bem produtiva.
Perto do final
de outubro, já bastante íntimo das tradições do grupo e de outras belas índias —
para o desconforto dos anciãos —, Sebastião começava a se sentir em casa, apesar
de ter um lado seu que ainda preservava o gosto pelos combates e a administração
de um reino.
Até que ficou
sabendo da Lua Negra.
Por mais
que tivesse estudado os tremembés e os tupinambás, entendia boa parte de seus
costumes, dos mais estranhos aos incríveis, não recordava de ter ouvido
qualquer menção a respeito. Foi o xamã que lhe
trouxe à luz o conhecimento sobre esse fenômeno que acontecia de tempos em
tempos, mas que teve uma grande ocorrência há quatro séculos.
Sua
descrição do episódio, sobre serpentes de fogo terem atingido a Lua — Jaci — e
que, pela primeira vez enegrecida, teria causado transformações naqueles que a
testemunharam, fez Sebastião recordar das crônicas que leu sobre Gervase de
Cantuária e os cinco monges. Lendas sobre mudanças de comportamento,
agressividade e loucura estavam associadas ao fenômeno, visto no mundo inteiro.
A tal “Jaci
Una” estava prevista para acontecer em 31 de outubro, mais precisamente no dia
seguinte. E tratava-se de uma tradição que a comunidade indígena apontava como
um recomeço ou o início de um ciclo, a partir da transformação da Lua Nova em
um estado de completo escurecimento.
— E essas bobagens
sobre transformações físicas? Ouvi dizer que os monges do século XII se
alteraram para um estado de ferocidade lupina, um lincatropo.. — Perguntou numa
mistura de deboche e curiosidade, que, pelo olhar do velho xamã, não foi muito
bem recebido.
— Jaci Una
não é bobagem. Homem branco não deve pensar assim ou sentirá na pele o que
desdenha.
5.
Jaci Una
Antes do
primeiro contato visual do Sol, os indígenas já estavam bastante agitados. Era
uma movimentação constante de idas e vindas, de ensaios, pinturas corporais e a
montagem de uma estrutura no espaço aberto da tribo, com dois troncos.
Sebastião fora acordado por uma estranha cantoria, e percebeu a ausência de Anahi,
que sempre o recebia com beijos — isso, quando ele não estava conhecendo outras
moças do lugar às sextas-feiras, com o descanso prematuro do grupo.
Esse ritmo
paquerador não era bem visto na tribo, principalmente porque muitas delas já
tinham seus escolhidos. E desconfiava que havia engravidado boa parte das
mulheres dali, o que o fazia pensar de maneira engraçada sobre o sangue nobre
que estaria correndo nas veias de futuras crianças nativas. Além dessa condição
aproveitadora, Aba era visto como um pecador, com atitudes indevidas como a de
se relacionar com moças novas, até então intocáveis, preservadas para um
momento adequado.
Sebastião não
era assim antes, mas a batalha realmente o havia transformado. A violência
extrema, o gosto pelo sangue, o cheiro dos mortos mudaram seu modo de enxergar
o mundo, como uma Lua Negra em sua vida. Talvez tivesse sido melhor tê-lo
deixado ali até seu corpo mesclar com as vísceras e os músculos rasgados de
suas próprias vítimas; ou talvez devesse ser um prisioneiro em Veneza, sofrendo
as mais intensas torturas em sua carne até o fim dos seus dias.
Observou
atentamente a construção de um círculo de galhos no pátio da vila, com grandes
jarros coloridos colocados em suas extremidades, assim como a captura de porcos
para o que deveria servir de sacrifício ou oferenda. Olhos pintados na formação
de luas, que alcançavam a testa, e o ensaio de uma dança, Jaci Una, com vozes e
movimentos alternados — incluíam pequenos saltos e as costas para trás —,
completavam o provável ritual.
Quando a
noite empurrou a Estrela para fora do campo de visão, Sebastião também já
estava com o corpo e rosto pintados de uma tonalidade escura, com uma pequena
veste que cobria a genitália. Deixou que fizessem pela diversão em ver as
índias passando as mãos por toda a sua pele, numa massagem relaxante e sensual.
Sorriu com as escapadas de algumas ereções, pouco discretas, sugerindo que
alguma moça o ajudasse, sendo prontamente negado. Quem sabe mais tarde?
O evento
começou com o sacrifício dos animais, no momento em que a Lua, imensa, pairava
sobre a aldeia como um holofote. O sangue era recolhido em pequenas cumbucas,
distribuídas pelos índios sentados em um semicírculo, ao passo que alguns nacos
de carne eram devorados por aqueles que dançavam no centro. Um outro grupo, formado
com mais de uma dúzia deles, muitas crianças, fazia a coreografia que Sebastião
acompanhara antes o ensaio.
Com o embalo
da agitação, ele tentava se esquivar das carnes cruas e, principalmente, daquele
líquido viscoso. Sua participação como observador terminou com a chegada de
Anahi, com o rosto coberto de pequenas luas, puxando-o pelo braço até o centro.
O desparecido Rei de Portugal aceitou o convite com uma discreta hesitação, até
perceber a presença dos guerreiros da tribo, que agarraram seus braços e os
prenderam nos troncos de madeira. Apesar da jovialidade de seus 24 anos, Sebastião
não foi forte o suficiente para impedi-los de deixá-lo ali, como atração
principal da festa.
— Ei, me
tirem daqui! Vocês não sabem quem eu sou? Vocês estão diante do soberano de Portugal. — enquanto gritava e tentava soltar as mãos, ele
notou que lentamente toda a tribo foi se dispersando, voltando para suas
malocas. Logo, restavam apenas ele, Anahi e Iara.
— Você vai
ficar bem! — disse a moça, dando-lhe um beijo no rosto e puxando a filha para o
local onde ele habitara há alguns meses.
— Eu exijo
que me soltem! Vocês estão agindo contra “el rei”. Sou Sebastião I, Rei de
Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da
Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia...
A única
testemunha de seu desespero era a Lua, que começava a ser coberta por uma
mancha negra até desaparecer por completo no céu de 1578.
6.
O Encoberto
O céu
límpido lembrava aquele de 4 de agosto. Estrelas brilhantes olhavam para ele,
como crianças celestes, curiosas por aquela oferenda. Sebastião olhou para seus
braços presos e clamou o que dissera em Marrocos pouco antes de ser surpreendido
por uma lâmina afiada: “A liberdade real só há de perder-se com a vida.”.
Um intenso
nevoeiro, como uma camada fria e arrepiante, cobriu a aldeia e o rapaz,
fazendo-o berrar. Não eram palavras de insulto ou clemência, mas urros de dor,
com o toque cadavérico da fumaça que começava a dissolver sua pele. Chacoalhava
o corpo em gritos cada vez menos humanos, sentindo a epiderme derreter como
manteiga, já na exposição de músculos e ossos. Livrou um dos braços do tronco e
usou seus dedos finos e unhas para rasgar o rosto, em linhas rubras cortantes.
Com o
segundo braço solto, as mãos puxaram os cabelos, arrancando-os do couro, no
momento em que uma de suas orelhas caía como um pedaço de carne morta. Seus
gritos inumanos se intensificaram quando a pele alva, que outrora se acostumava
com banhos de algas e leite, misturava-se com o sangue que vertia de seu nariz
e olhos.
Os dedos
grudaram, e a mão formou-se uma coisa única, que depois dividiu-se em duas
partes. Das laterais de sua cabeça, rasgando internamente seu crânio, duas
composições despontavam como duas garras afiadas. Sebastião, que fomentou a
universidade de Évora, agora ganhava uma volumosa massa corpórea e se
transformava no que parecia ser uma criatura quadrúpede.
Toda a mudança
durou em torno de três a quatro minutos. Antes um homem de fina classe, de renome
e poucas conquistas, agora aparentava uma alentejana. Pele escura, grossa, grandes
chifres e porte, com uma estrela branca na testa, mas cujos olhos ainda permaneciam
humanos.
Rosnou
amplamente, e correu para as dunas, quando a Lua voltava a aparecer no céu.
7.
Dom Sebastião
O dia
clareou como nunca no Maranhão, naquele começo de novembro. Pássaros cantavam
com mais disposição, as águas pareciam mais límpidas. Aos poucos, a aldeia
voltava à rotina de caça e pesca, e desenvolvimento de sua cultura. Aquele
visitante dos últimos meses era ainda lembrado pelas moças que receberam suas
visitas noturnas, mas principalmente por Anahi. Ela se via olhando para a mata,
no aguardo do retorno daquele estranho que havia transformado sua vida. Era uma
mistura azeda de orgulho pelo processo e saudades.
Com o passar
dos dias, Dom Sebastião ou João Manuel já não passava de uma lembrança nas
noites em que a Lua se expunha ousada no céu. Vez ou outra ela se via olhando
para ela, pedindo silenciosamente pelo retorno de seu amado.
Na sexta-feira
da próxima Lua Cheia ela foi atendida.
Estava na
praia, observando as estrelas que tocavam o mar ao fundo, imaginando quais
mundos haveria para até onde seus olhos pudessem alcançar, quando foi tomada
por uma sombra imensa. Virou-se assustada somente para ver um touro, com uma estrela
brilhante na testa, olhando para ela, com aquele olhar que ficara em sua
memória desde o dia em que o visitante despertou de seu longo sono. Mas, estava
bem diferente.
— João! Você
voltou! — ela disse, mas com uma expressão de medo e surpresa.
Aproximou-se
do animal, curiosa. Ergueu uma das mãos com o desejo de tocá-lo, enquanto
notava que os olhos da criatura não aparentavam a doçura da convivência na casa
de palha. Sentiu a pele quente e a respiração fria, enquanto as pontas dos dedos
acariciavam a face bestial.
Nem chegou
a gritar. Com uma estaca, o touro cravou um dos chifres no queixo da mulher, destroçando
seu maxilar e varando seu rosto. A mãe de Iara tombou na areia, sendo pisoteada
violentamente pela fera, até sua caixa torácica se romper e as patas do animal
explodirem seu coração apaixonado.
Depois,
ela retornou para as dunas lentamente, abandonando a carcaça da jovem índia, enquanto
a maré atingia seus longos cabelos.
Pretendia
voltar mais vezes, atendendo ao convite da Lua, para completar sua vingança.
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
(D. Sebastião, Rei de Portugal, por Fernando Pessoa)
(D. Sebastião, Rei de Portugal, por Fernando Pessoa)
Conto escrito por
Marcelo Milici
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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Sinopse: Dona Agnes, uma velha viúva, mora sozinha em seu apartamento depois da morte de seu marido. No entanto, de um dia para o outro, ela passa a ter um comportamento estranho: começa a falar sozinha e fazer barulhos estranhos durante a noite. Um grupo de vizinhos, preocupados com seu sumiço misterioso e repentino, resolve ir até seu apartamento para descobrir o que estava acontecendo. Lá chegando, descobrem algo macabro sobre a pobre idosa solitária.
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