Sinopse: A culpa foi minha. É por isso que vou meter uma bala na minha cabeça hoje, depois de terminar esta carta. As noites que passei em claro pensando em tudo o que aconteceu me fizeram classificar a culpa como o mais terrível dos sentimentos. Você pode conviver com a perda, com o ódio, com a dor. Basta aceitar as coisas como elas são e tentar seguir em frente. É o que dizem. Mas isso não funciona com a culpa. A culpa te afoga aos poucos, te queima por dentro até te transformar em cinzas. É uma doença sem cura e sem tratamento. O revólver engatilhado ao lado das folhas de papel em que estas palavras estão sendo escritas é meu inevitável destino. Não há volta, há apenas muito a ser dito, muito a ser contado.
O Boneco na Minha Gaveta
de Hanke Hudson
A culpa foi minha. É por isso que vou meter uma bala na minha
cabeça hoje, depois de terminar esta carta. As noites que passei em claro
pensando em tudo o que aconteceu me fizeram classificar a culpa como o mais
terrível dos sentimentos. Você pode conviver com a perda, com o ódio, com a
dor. Basta aceitar as coisas como elas são e tentar seguir em frente. É o que
dizem. Mas isso não funciona com a culpa. A culpa te afoga aos poucos, te
queima por dentro até te transformar em cinzas. É uma doença sem cura e sem
tratamento. O revólver engatilhado ao lado das folhas de papel em que estas
palavras estão sendo escritas é meu inevitável destino. Não há volta, há apenas
muito a ser dito, muito a ser contado.
Preciso registrar o que aconteceu
há dois anos neste quarto, na cama de casal em que dormia solitária minha mãe
naqueles dias cuspidos por Deus. Meu pai havia nos deixado pra sumir no mundo
engalfinhado com intermináveis garrafas de cerveja. Não nos deixou nada além de
dívidas e desgosto. Minha mãe pouco lamentou, não aguentava mais acordar às
quatro da manhã ouvindo seus berros no portão, com a roupa suja de lama e a
barba grisalha babada de álcool e sangue. “Bêbado desgraçado! Que encontre uma
vala qualquer por aí e agonize até morrer”. Mas minha mãe me repreendia. Não
por desejar o mal a ele – isso ela também fazia em segredo –, mas por usar a
palavra “desgraçado”. Segundo ela, que era uma mulher de meia idade muito
religiosa e tradicional, o termo atraía os seres do inferno. Eu nunca acreditei
nisso. Nunca acreditei no inferno, em Deus ou no Diabo. Acreditava na maldade,
sim, mas não no inferno. Eis aqui meu primeiro erro, que me custou tanto.
Era fim de tarde. Setembro quente
na cidadezinha de Santa Cruz da Esperança. O sol ao meio, já incapaz de clarear
os trilhos enferrujados em frente à desativada estação de trem do nosso bairro.
Assistíamos ao crepúsculo, eu e mais três amigos, enquanto a fumaça dos
palheiros se dissipava no ar. Eu era um jovem inconsequente, talvez
inconsequente até demais. Despediram-se de mim ao fim das seis, mas fiquei ali
sozinho por mais algum tempo contemplando o anoitecer, até não conseguir mais
ver os trilhos enferrujados. Foi quando algo brilhou no meio do mato, como um
espelho refletindo a luz. O fenômeno durou um segundo, talvez dois. Foi o
suficiente pra roubar minha atenção e curiosidade. Não havia mais sol, não
havia mais luz. A sensação de solidão total naquela estação abandonada fora
abruptamente interrompida por aquele pequeno lampejo de luz. Foi então que
resolvi me aproximar e olhar mais de perto. O mato estava na altura dos bolsos
da minha calça jeans rasgada, e conforme seguia com dificuldade a pesados
passos, o assovio do vento curvando as árvores parecia mais alto e forte.
Talvez fosse um aviso. Foi quando apanhei no chão um galho seco e cutuquei a
escuridão. Um arrepio me percorreu a espinha. Saltou de dentro do mato, em
minha direção, um gato escuro como a noite. Arranhou-me o rosto e largou na
grama alguma coisa que havia abocanhado enquanto se escondia no breu. Pode ser
que aquela atmosfera de suspense somada à falta de luz tenha fertilizado minha
imaginação, mas ficou cravada em minha mente a imagem de um gato incomum, de
face severamente deformada e sem um dos olhos. Fugiu se esgueirando no mato até
sumir de vista, mas o que largou aos meus pés foi ainda mais assustador. Um
pequeno boneco humanóide, feito de pano. Cabia na palma da mão e pesava mais do
que parecia. Tinha alguns retalhos de barbante vermelho colados na cabeça,
representando cabelos compridos com muitas falhas, que escorriam até os ombros.
Não tinha roupas, era um corpo de pano bege inteiriço, sem dobras, e suas
pernas e braços não tinham pés ou mãos. A costura o contornava, enquanto no
rosto havia apenas dois olhos e uma boca sorridente, desenhados de forma
infantil com uma caneta esferográfica azul. Um dos olhos era maior que o outro,
e os traços de quem os fez bem nervosos e imprecisos. Eis aqui meu segundo
erro, e prometo parar de contá-los a partir deste momento. Foram tantos que
seguir os identificando alongaria esta maldita carta me atrasando a morte, e já
não posso mais esperar. Pois bem, levei o boneco pra casa. Não me julgue, o
revólver em cima da escrivaninha já está ansioso para fazer isso. Não se
incomode.
Chegando em casa tratei logo de
guardar o boneco no armário do meu quarto, dentro da gaveta de bugigangas que
eu costumava acumular. Ali tinha de tudo: peças de bicicleta, caixas velhas de
cigarro, pilhas, controles de videogame, lanternas, e todo tipo de cabo USB que
existe. Sério, não é um exagero. Eu era um acumulador, e talvez por isso a
ideia de deixar o boneco exatamente onde estava, largado no mato, não me passou
pela cabeça naquele momento. De qualquer forma eu precisava deixá-lo longe do
alcance da minha mãe. Ela queimaria o boneco assim que o visse, pensando se
tratar de algum tipo de “macumba”. “É melhor escondê-lo”, pensei enquanto
fechava a gaveta com o boneco metido no meio dos cabos. Mais tarde eu
perceberia o quão errado eu estava.
Foi uma noite incomum. Acordei
várias vezes virado ao contrário na cama, incomodado com alguma coisa. Toda vez
que abria os olhos me deparava com as inquietas sombras das plantas no
alpendre, projetadas no teto pela lâmpada que deixávamos acesa por segurança do
lado de fora da casa. Pensei ter ouvido um ruído vindo de dentro do armário,
algo semelhante ao som de pequenos objetos sendo movidos de um lugar para o
outro. “Minha imaginação”, concluí enquanto tapava o rosto com o cobertor.
Voltei a dormir, mas não por muito tempo. Novamente o ruído, dessa vez mais
alto. Abaixei o cobertor e sentei na beirada da cama enquanto olhava fixamente
para o móvel. Fiquei ali por alguns minutos, apreensivo, focado no armário,
como se estivesse esperando alguma coisa acontecer. E aconteceu. Mas não o que
eu esperava. Ecoou por toda a casa um grito de horror que veio do quarto da
minha mãe. Tão alto e grave quanto o som distorcido de um berrante. Pulei de
susto. Não era uma palavra, parecia mais o grunhido de algo que despertou após
muito tempo adormecido. Algo grande e com um poder vocal incomum. Não podia ser
a minha mãe, mas por outro lado não podia não ser ela. Não havia mais ninguém
na casa. Dei um passo de cada vez, com a cautela de quem atravessa um campo
minado, até o final do corredor onde se encontrava entreaberta a porta do
quarto dela. Aquele corredor nunca fora tão comprido. Empurrei a porta enquanto
espreitava o lado de dentro do quarto. Minhas mãos tremiam e meus olhos
percorriam nervosos cada detalhe daquele cômodo. O guarda-roupas de madeira, a
máquina de costura, os chinelos desalinhados sobre o tapete xadrez, a
prateleira com tecidos enrolados e potes de plástico com agulhas e botões, e
enfim a cama de casal. AQUELA cama de casal que mais tarde eu queimaria até a
última lasca de madeira pintada de branco. Minha mãe estava dormindo, e não
havia nada ali que pudesse ter produzido aquele grito ensurdecedor. Vasculhei o
quarto e depois a casa. Nada. Naquela noite não consegui dormir.
– Qual é o problema, filho? –
Perguntou logo pela manhã, enquanto tomávamos café à mesa da cozinha. – Parece
perturbado com alguma coisa.
– Ontem à noite...Você teve algum
pesadelo?
– Que eu me lembre, não. Por que
a pergunta?
– Pensei ter ouvido um ruído
vindo do seu quarto.
– Como assim “um ruído”?
– Não sei, mãe. Parecia um...
– Um? – Ela demonstrou
preocupação.
– Ah...Não sei...Acho que é
besteira minha.
– O que você ouviu? – insistiu
com bastante interesse.
– Esquece, mãe. Foi um delírio de
sono, com certeza.
– Um grito? – Perguntou convicta,
como se soubesse exatamente o que eu tinha ouvido.
– Por que você disse isso?
– Você sabe que existem vários
seres do inferno, não sabe? – Passou uma das mãos sobre o crucifixo preso à
ponta do colar em seu pescoço, e continuou – Alguns te empurram para as drogas,
outros perturbam sua mente, e existem aqueles que invadem a sua casa e
atormentam o seu sono.
– Chega, mãe. Você sabe que eu
não acredito nisso. Tá perdendo seu tempo.
Mas ela continuou.
– O que você ouviu foi um grito,
não foi?
– Foi sim, mãe. Foi um grito.
Satisfeita? – Disse elevando o tom e deixando a xícara de café de lado.
– Eu também ouvi.
Minhas pernas bambearam. Tentei
manter a calma enquanto encarava minha mãe para não dar asas ao discurso
religioso que ela havia começado. Mas nunca fui bom em mentir. Minhas reações
sempre foram muito espontâneas. Posso afirmar com certeza que naquele exato
momento minha mãe percebeu que eu sabia mais do que queria demonstrar. Engoli
seco por duas vezes durante o silêncio que se instaurou naquela cozinha, até
que minha mãe voltou a falar.
– Eu também ouvi um grito ontem à
noite. Um grito alto e grave. Pensei que fosse algo no armário, ou na estante,
mas depois percebi...
– Percebeu o quê?
– Que vinha da minha
cama...debaixo da minha cama.
– Mas...eu... – Já gaguejava e
tremia como se estivesse diante da própria Coisa que emitiu aquele som. – Eu
vasculhei a casa toda e…
Ela me interrompeu, colocando os
braços sobre a mesa e deslizando as mãos até encontrar meus dedos trêmulos.
Repousou as mãos sobre minha cabeça, fechou os olhos e rezou baixinho, quase
sussurrando.
– Vai ficar tudo bem. Deus sempre
nos protegeu. Seja lá o que for, já foi embora. – Disse aliviada, enquanto
apertava com força o crucifixo e piscava para mim carregando leveza no rosto.
“Vai ficar tudo bem”, repeti
mentalmente o dia inteiro. Mas a noite veio apressada. Quando me dei conta, já
era hora de dormir de novo. “Vai ficar tudo bem”, “vai ficar tudo bem”. Mas não
ficou. Definitivamente não ficou.
Por mais que meu ceticismo tentasse
desesperadamente costurar o véu da realidade, buscando encontrar uma explicação
razoavelmente racional para o que havia acontecido na noite anterior, já era
óbvio para mim naquele momento que o boneco estava relacionado a tudo aquilo.
De alguma forma que eu ainda não compreendia direito aquele boneco estava
envolvido. Então tomei uma decisão. Naquela noite eu abriria o boneco para ver
o que havia dentro dele.
Esperei minha mãe dormir e fui pé
por pé até meu quarto, fazendo o mínimo de barulho possível para não acordá-la.
Coloquei as mãos na gaveta em que guardara o boneco, tomei coragem respirando
fundo de olhos fechados e abri a gaveta num rápido movimento. As pilhas soltas
rolaram até o fundo como toras de madeira ganhando uma ribanceira. Abri os olhos.
O boneco não estava mais ali. Naquele momento percebi que estava lidando com
algo muito além da minha compreensão. Comecei a procurá-lo desesperadamente,
bagunçando todas as minhas bugigangas. Sem êxito, num puxão removi a gaveta do
armário e a virei de ponta cabeça derrubando tudo o que havia dentro dela em
cima da cama. Nada. O boneco não estava ali, e essa era uma verdade que
começava a ameaçar minha sanidade. Passei então a procurá-lo pelo quarto.
Esvaziei todas as gavetas do armário e da escrivaninha. Virei meu colchão e meu
baú de miniaturas colecionáveis. Caí de joelhos no chão repleto de papéis,
revistas, miniaturas e livros, enquanto levava as mãos trêmulas à cabeça. “O
que foi que eu fiz?”.
Foi quando minha noite começou a
ficar pior. Muito pior. Vi, de rabo de olho, que passou correndo pela porta
aberta do quarto um pequeno vulto disforme. Correu apressado em direção à sala,
e quando virei o rosto tentando identificar o que era, já não estava mais ali.
Fui até à sala, acionando todos os interruptores que encontrei pelo caminho.
Quarto, corredor e sala, todas as luzes acesas. Parei no meio da sala. Tudo me
apavorava. A estante enorme encostada na parede com bases de ferro e
prateleiras de vidro onde ficava a velha TV de tubo que compramos num Natal
qualquer. O sofá encapado – arte da minha mãe – com um pano azul amarrotado, já
cheio de buracos e rasgos. As três compridas e estreitas janelas de vidro
protegidas por uma cortina gelo que tomava quase toda a parede. Por fim, a
enorme pintura oval emoldurada com a imagem de minha avó e meu avô, ambos com
semblante sério e repressor me encarando pendurados na parede. Tudo aquilo
sempre foi muito familiar, mas naquela noite não parecia mais tão familiar.
Naquela noite a minha própria casa me dava arrepios. “Vai ficar tudo bem”,
repetia mentalmente a todo instante. Empurrei o sofá, agitei a cortina e olhei
por baixo da estante. Sinceramente, eu não sabia o que estava procurando. Eu
também não sabia se queria encontrar o que quer que fosse aquilo. Tudo parecia
inerte, como sempre. Joguei o corpo no sofá, passei as mãos nos olhos e
suspirei. “O que está acontecendo comigo?”. Foi quando abri os olhos e resolvi
dar mais uma olhada em meus avós pendurados na parede. O que vi me deixou
paralisado. Você pode achar que eu não os tinha observado direito antes, mas
quero lembrá-lo de que aquela era a minha casa, a minha sala. Eu convivi com
aquele quadro desde que nasci, por longos 18 anos. Eu conhecia cada detalhe da
pintura, cada bolha de umidade, cada lasca de moldura devorada por cupins. O
semblante sério dos avós que não conheci – morreram antes do meu nascimento –
sempre me causava arrepios. Me causava arrepios, apesar de ser familiar. Só que
naquele momento, no momento em que dei a segunda olhada naquela pintura, toda
familiaridade derreteu feito cera quente. Não havia mais semblante sério. Os
dois velhos na parede, que já não se pareciam em nada com meus avós, estavam me
encarando com um sorriso perturbador. Era um sorriso aberto, forçado, de orelha
à orelha. Não era mais a mesma pintura. Não podia ser. Mas eu era cético,
precisava ter certeza absoluta. Então fui me aproximando da pintura. Cada passo
em direção à parede acelerava mais meus batimentos. Por um breve momento,
pensei ter visto os olhos da velha sorridente piscarem. Interrompi meus passos.
Fiquei imóvel, estático, com os olhos vidrados na pintura. Eu precisava ter
certeza de que tudo aquilo não era um simples delírio da minha mente. Não era.
Enquanto toda minha concentração estava na figura dos velhos sorridentes, ouvi
no pé do ouvido uma ofegante respiração. Virei o corpo para trás e dei de cara
com algo que saltou do quadro para a vida real. Parados bem no meio da sala
estavam os dois velhos sorridentes, mas lhes faltavam os olhos. No lugar deles,
havia buracos profundos como se tivessem sido arrancados com violência. A visão
durou tempo suficiente para me lançar ao chão. Caí de costas, batendo a cabeça
na quina da estante de vidro, que estilhaçou em mil pedaços. Não havia mais
nada no meio da sala além dos estilhaços banhados com o sangue que escorria do
corte profundo bem acima da minha nuca. Imediatamente, todas as portas da casa
começaram a abrir e fechar ininterruptamente, produzindo um som ensurdecedor.
“Minha mãe!”, pensei, “Preciso acordá-la!”. Atravessei o corredor cambaleante,
confuso por causa da batida na cabeça. Lembro-me de ter me apoiado por duas ou
três vezes na parede, enquanto minha visão oscilava entre duplicar objetos e
escurecer totalmente a realidade. As portas continuaram batendo durante minha
passagem, como num ritual macabro de sacrifício, mas assim que encostei as mãos
na porta do quarto da minha mãe imediatamente todas as portas pararam de bater,
como se tivessem sido possuídas por um momento e depois libertadas. O silêncio pairou
sobre a casa.
Abri a porta com cuidado. O
sangue escorria pelo meu pescoço. Minha mãe estava dormindo, com o corpo todo
debaixo do cobertor, como se estivesse com muito frio. Apoiei uma das mãos na
cabeceira da cama enquanto a outra – ensanguentada – buscava em vão aliviar
aquela dor insuportável na nuca. Um ruído de madeira rachando ecoou pelo
quarto. A ponta da cabeceira se partiu, e o pedaço que ficou preso à cama mais
parecia uma estaca afiada.
– Filho? É você? – Sussurrou
baixinho minha mãe.
– Sou eu, mãe. Eu estou aqui.
– Ele voltou, filho. Ele veio me
tirar de você.
– Nada vai acontecer. Eu estou
aqui agora.
Puxei o cobertor de uma vez só,
mas o formato do corpo dela se desfez na cama. Não havia ninguém deitado ali.
– Ele também está. – Disse uma
voz infantil e chorosa debaixo da cama.
Alguma coisa segurou meus pés e
começou a golpeá-los com força. Caí sentado e vi sair de dentro da escuridão
debaixo da cama uma mulher sorridente, com o cabelo quase completamente
arrancado e marcas de arranhões profundos na face. Era minha mãe, ou o que
restou dela. Rastejou no chão do quarto como uma serpente e se ergueu diante da
porta num milésimo de segundo. Abriu a boca e de dentro dela saiu aquele
maldito som, dessa vez muito mais alto. O ruído ensurdecedor de um berrante
distorcido. Partiu para cima de mim, e só tive tempo de me esquivar, jogando o
corpo para o lado. Cravou a estaca no ventre, e agonizou até morrer. O sorriso
se desfez no exato segundo em que seu coração parou de bater. Estava morta.
Minha mãe estava morta. Eu mal podia olhar em seus olhos. As lágrimas me
consumiram e fiquei ali encostado na porta por alguns minutos. Parecia um
pesadelo. Passei as mãos de sangue no rosto para limpar as lágrimas, e vi o
boneco deitado ao lado do travesseiro. “Maldito...Maldito...Maldito...”. Movi o
corpo dela para fora do quarto, encharquei a cama de gasolina e ateei fogo. O
boneco se desfez em meio às chamas, e de dentro dele revelaram-se coisas que
nunca mais saíram da minha cabeça. Dentes, algumas penas pretas, pedras e
fiapos de cabelo humano emaranhados num pano rasgado com sangue. Algum tipo de
ritual, sem dúvida. Eu nunca soube quem fez o boneco e que tipo de maldição ele
carregava, mas sobrevivi para contar como aquela coisa destruiu minha mente,
possuiu minha mãe e a matou.
“Suicídio”, concluiu a polícia.
“Não suportou ser abandonada pelo marido, enlouqueceu e tentou matar o filho”,
concluíram os vizinhos.
Fui diagnosticado com
esquizofrenia, óbvio. Ninguém acreditou na minha história. Fiquei seis meses internado,
sendo sedado todos os dias. O fato de ter ateado fogo na cama onde minha mãe
morreu não colaborou. “O filho ficou doido quando viu a mãe morta, ateou fogo
na cama”. Não sobrou nada daquele maldito boneco sorridente, nada para provar
tudo aquilo que aconteceu. O que me restou foi esta carta. Esta carta e o
revólver em cima da escrivaninha. É hora de ir. Eles estão sorrindo no canto do
quarto agora, eu posso senti-los. Posso sorrir com eles. Acabou.
Conto escrito por
Hanke Hudson
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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