Sinopse: Eugênio é um jovem nascido no subúrbio carioca que resume sua vida entre a escola e as pequenas aventuras típicas da idade. Em casa, convive com a mãe, três irmãs e o pai repressor - oficial do Exército. Nas suas andanças pelas bibocas do bairro descobre que há um outro mundo - o da malandragem. Sai de casa se aventurando a procura de novos desafios. Porém o golpe militar de 1964 acaba interferindo no seu destino e o leva a enveredar por um caminho com sequelas e sem volta.
O Malandro
de Math Soraji
Não há mais honra na malandragem – como
antigamente! Fazer o que? Lembrar e lamentar – é o que me resta!
Meu nome é Eugênio, nasci na Vila da Penha,
subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1948, segundo filho – as outras
três são mulheres – de Maria da Glória e José Eugênio de Farias, ela do lar, e
ele terceiro sargento do glorioso Exército Brasileiro e também combatente da
Força Expedicionária na Itália – não combateu, desembarcou e retornou – a
rendição do Eixo acabara de ser assinada. Apesar de dizer com orgulho ter sido
ex-pracinha, nunca demonstrou remorso por não ter ido para as trincheiras – na
batalha de Monte Castelo. Diziam que “seria mais fácil uma cobra fumar do
que a FEB embarcar” – pelo menos ele embarcou!
Aqui chegando casou com a namorada, deixada à
espera, e comprou a discreta, mas confortável casa – onde nasci.
Cresci acompanhando a molecada do bairro –
alguns mais velhos que ensinavam as malandragens da rua. Frequentávamos o mesmo
colégio e matávamos as aulas em grupo – um por todos, todos por um – se era
para ser punido pelos professores ou apanhar de cinta em casa, que a dor fosse
igual para todos – dor e culpa dividida.
Eu gostava de subir os trezentos e oitenta e
dois degraus da igreja de Nossa Senhora da Penha – ouvi falar, nunca contei –
para jogar conversa fora e observar o cenário – de 360 graus – da maravilhosa
cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e dos aviões decolando e pousando no
aeroporto Santos Dumont. Cruzava com penitentes que subiam de joelhos os
degraus de pedra, atrás de graças pedidas ou agradecidas. A visão dos joelhos
ensanguentados das senhoras me penalizava – mulheres da idade de minha mãe e de
minha avó. Esperava encontrar uma rapariga com saia curta mostrando as pernas –
mas ficava na imaginação – nunca encontrei.
Minha diversão era andar no bonde verde da
linha 97 – Madureira / Penha – subia no estribo enquanto o Trocador ia até o
relógio, acima da primeira fila de bancos, para registrar os bilhetes pagos e
dar uma conversada com o Motorneiro – conivente. Suas maracutaias eram
conhecidas – como foi gravado na marchinha “Um pra Light e dois pra mim”
– muito cantada nos carnavais pelo país. Não me percebia – e claro eu não
pagava! Nos carnavais os bondes transitavam apinhados com foliões e seus instrumentos
em direção aos bairros – fazendo folia. Muita gente não pagava – dizia que já
tinha pagado – e o Trocador para não apanhar, engolia a desculpa.
Bonde e trilho faziam minha alegria. Os cacos
de vidro colocados nos trilhos da Estrada Vicente de Carvalho eram esmagados
pelas rodas e transformados em pó que, misturado com cola, fazia o cerol.
Esticava a linha de pipa de poste a poste, na rua que ia da avenida ao morro, e
passava o cerol. Depois, era empinar a pipa, não para vê-la flutuando no céu,
mas para cortar a linha das pipas levantadas pelos garotos das outras ruas.
Nenhum ferimento de importância além de leves cortes nos dedos e nas mãos.
Fazia pipas para vender e, com os tostões arrecadados, comprava Grapette no
posto de gasolina – do português seu Manoel – da esquina.
Praia – frequentava a de Ramos – a mais
próxima. Também ia de lotação até a Ilha do Governador, nos micro-ônibus
Mercedes Bens que cruzavam a cidade de subúrbio a subúrbio, para tomar banho
debaixo da ponte ou na praia do Bananal – na Pedra da Onça – tudo era farra sem
consequência.
O tempo foi passando – voando – assim como
passava de ano na escola – raspando!
Nem preciso dizer que o cinto largo de tecido
grosso – com fivela de latão reluzindo um par de armas cruzadas – do uniforme
do meu pai – machucava mais a carne do que os cintos estreitos de couro macio
dos pais dos meus amigos. Entrar em casa, após minha mãe ter desfiado o rosário
para meu pai, era como passar por um corredor polonês – pior – passar por um
arco de fogo no circo. Do grito de guerra do Exército Brasileiro – “Braço
Forte, Mão Amiga” – invariavelmente eu só ouvia e sentia a metade; o Braço
Forte, porque a Mão Amiga – nunca vi nem ouvi!
Apanhei até os quinze anos! Já tinha passado
meu pai na altura, com corpo bem formado – atlético – jogava pelada no campinho
de terra – zagueiro – corria muito – tinha virado homem grande, mas por
respeito, nunca ergui a mão.
Fui me distanciando do grupo com a firme
ideia de caminhar com meus próprios pés, ignorando e tratando meus companheiros
com indiferença e desdém – eu o maioral, malandro – eles os bundões.
Desde cedo eu frequentava as bibocas da
Penha. Não era lugar adequado para pirralhos, mas eu disfarçava com o pretexto
de comprar cigarros para meu pai e alongava a presença, observando o movimento
dos jogadores de sinuca, dos bêbados e dos malandros que faziam planos e
combinavam a divisão dos lucros – entre eles – e com os policiais que lhes
davam cobertura. Sentia fascínio pelo malandro e pelo policial, ao mesmo tempo!
Ia ao colégio pela manhã e à tarde trabalhava
como aviãozinho, entregando uns papelotes que o Bira vendia no bairro. Como ainda era “de menor” – recém completado dezesseis
anos – o Bira me arrumou documento – não perguntei como – e eu fiquei “de
maior”. Deixei de ser aviãozinho e comecei a vender – traficar. Também já tinha
experimentado e estava familiarizado com o baseado e o pó. Juntei um
dinheirinho que dava para eu me virar por uns tempos.
Achei estranho não encontrar meu pai em casa
à noite – fazia três dias que não o via. A desculpa de minha mãe era de que ele
iria dar plantão seguido – estranhei – nunca tinha acontecido que eu me
lembrasse. Aproveitei e preparei uma trouxa com pouca coisa – para minha mãe
não dar falta – e me mandei para fora de casa, deixando para trás uma irmã
enfermeira recém-formada, duas futuras professoras, uma mãe aflita e, um pai
potencialmente raivoso – quando voltasse.
Como quem cospe no dedo e levanta no ar para
decidir sobre uma direção – apontei para a Lapa – e lá fui à procura de vida
nova.
Arrumei uma pensão e um emprego de ajudante
de barman – lavador de copos – no cabaré Cambalacho. Tinha tentado em outros,
Cabaré Cu da Mãe e Cabaré Apolo – acho que não foram com minha cara – queriam
experiência! O documento – presente do Bira – garantiu meu primeiro emprego.
Mesmo nome, mesmo pai, mesma mãe, mesmo local de nascimento, mas nascido em
1946.
Terça-feira, 31 de março de 1964, meu primeiro
dia de trabalho. Sai da pensão – banho tomado, cabelo penteado com brilhantina
e perfumado – em direção ao Cambalacho. Mas quis o destino que o Exército
Brasileiro se fizesse presente na minha vida – mais uma vez! Soldados
estacionados nas esquinas, em cima de caminhões verde oliva – fuzis de
prontidão – vigiavam e restringiam a circulação de veículos e pedestres.
Surpreso e assustado eu tentava associar o pretenso plantão prolongado do meu
pai com o cenário que via. Por ordem de um soldado, tomei o rumo da pensão,
rezando para não encontrar meu pai no trajeto. Nunca mais o vi!
Não teve primeiro, nem segundo e sequer
último dia de trabalho no Cabaré Cambalacho – ou outro qualquer. Tinha fechado
as portas – pelo menos “por ora”.
Com o governo militar as restrições limitaram
a circulação e consequente redução das atividades na vida boêmia da Lapa. Eu, recém-chegado
me sentia como barata no galinheiro. Dinheiro curto – sem previsão de trabalho
– tinha que encontrar meio de sobreviver – caso decidisse ficar por aqui – o
que fiz.
Eu havia causado “boa impressão” em Dona
Matilde, dona da pensão, no momento em que nos conhecemos. O Dona foi abolido –
a seu pedido – no aperto de mão e no olhar sedutor com sorriso maroto, que
selou o “contrato” de locação do quarto. Arrepiei dos pés à cabeça, pois não
tinha a experiência de um olho no olho – penetrante – de uma mulher madura. Com
as menininhas do bairro eram olhares inocentes – qualquer ousadia era deixada
para a imaginação no banheiro de casa. Do olhar de minha mãe eu desviava – desviava
porque roubava alguns trocados – guardados por ela – para comprar baseados do
Bira.
Sem emprego tornei-me um dos mais assíduos
frequentadores da banca de jornal do seu Antenor. Todo dia, lá pelas 9 horas da
manhã, como quem não quer nada, eu encostava, no balcão de madeira e iniciava o
papo perguntando quais eram as últimas novidades do dia. Eu sabia que ele tinha
o hábito de ler todos os jornais, principalmente os cadernos que relatavam as
investidas dos militares contra a resistência armada, os assassinatos, roubos,
assaltos e a violência na cidade e no país de uma forma geral. Ouvia com tédio
e nas interrupções, com o entra e sai dos fregueses – e sua distração – eu dava
uma olhada no caderno de empregos. Vez ou outra eu surrupiava o caderno – escondendo
debaixo do blusão – dava uma desculpa e me mandava de volta para a pensão, para
ler e anotar os anúncios que me interessavam.
Numa noite quente de verão – os quartos
abafados não tinham ventilador – dormia em sono profundo, sonhando que
acariciava longos cabelos negros sedosos enquanto meu peito era tocado pelo
hálito morno dos lábios que desciam vagarosamente pela barriga, percorrendo o
trajeto que culminaria com um esperado abocanhar do ereto e rígido pinto.
Acordei suado e ofegante – frustrado pela interrupção do que poderia ter sido
meu virtual, mas aguardado desvirginamento – sim, apesar dos meus dezesseis /
dezoito anos – ainda era virgem!
Passei o resto da noite sentindo o
cheiro-perfume deixado no quarto, idealizando a mulher escondida naqueles
longos cabelos negros, com doces lábios mornos. A excitação e ansiedade se
prolongaram até o amanhecer.
Fui tomar banho no único banheiro – no fundo
do corredor – com a toalha enrolada no corpo, da cintura para baixo como de
costume e, ao abrir a porta – um susto – materializei a visão do sonho – Matilde,
nua de costas, acabara de desligar o chuveiro prestes a se enxugar. Olhos nos
olhos – olhos sedutores com sorriso maroto – chuveiro religado e minha
virgindade foi perdida, com um rápido e cúmplice gozo que se esvaiu pelo ralo.
Tinha a impressão de que a minha carência havia encontrado parceria – com
promessa de continuidade.
A peregrinação em busca do sonhado emprego,
que me manteria independente, continuava. Frustração após frustração, recebendo
as mais estapafúrdias desculpas e minando minhas restritas economias com o
aluguel – a droga Matilde provia – eu precisava de um plano alternativo, com
urgência.
Para tirar o atraso – meu e dela – transávamos
até o esgotamento e enquanto recuperávamos o fôlego, entre um baseado e uma
cheirada, eu idealizava um futuro para mudar de vida. Recebi autorização de
Matilde e me instalei, com a trouxa, em seu quarto – livre do aluguel. Primeiro
passo do plano.
Um personagem da vida boêmia da Lapa era
notícia recorrente. Suas peripécias, que invariavelmente terminavam nas páginas
policiais, me fascinavam. Passei a construir um imaginário distorcido sobre a
realidade daquela figura. José Francisco dos Santos era seu nome – na boca do
povo e na tipografia dos jornais Madame Satã – para mim uma referência de
sobrevivência na selva da cidade grande.
Cruzei com ele perambulando, já velho, pelas ruas da Cinelândia – mas
ainda imponente como Seu Zé Pilintra – com terno branco e chapéu Panamá. Ele
achava a Lapa decadente demais e com muito milico para o seu gosto. Voltou para
a Ilha Grande – prisão onde passou a maior parte da sua vida. Era referência
para os aprendizes de malandro, que se juntavam nos botequins para cultuar e
idolatrar a figura – com um olho no copo de cachaça e outro na rua – para
correr, caso os milicos dessem batida.
Passei a ler e colecionar matérias sobre esse personagem, que além de
pobre, negro, nordestino, analfabeto e malandro era também homossexual e
transformista. Era querido e odiado pela sociedade – mas alvo fácil para a
polícia. Dava nó em pingo d’água. Batia e apanhava – mais apanhava do que
batia. Bom de soco – com a canhota – e de navalha – que aprendeu com Sete
Coroas. Matou, mas disse que não matou – legítima defesa!
“Eu gosto de homem, mas sou macho” – A Madame do Balacochê acabou
casando – com uma mulher! “Eu sou filho de Iansã e Ogum. E de Josephine
Baker, sou devoto” – dizia!
Eu nasci na classe média, branco, carioca,
alfabetizado, pretendendo ser malandro, mas não sou bicha – não nasci para dar
o rabo. Pouco ou nada me compara a ele. Desisto, deixo para que outros – mais
corajosos ou masoquistas – sigam seu caminho. Além do mais, a malandragem não
combina com o Exército Brasileiro que, aliás, está recrutando – está na crista
da onda – sobe o morro, prende e mata. Uma vez lá, emprego garantido até a
aposentadoria – como meu pai – mas, a última coisa que quero – é ser como meu
pai.
Os milicos batiam e enquadravam os paisanos
que não tivessem carteira assinada. Como eu ainda não tinha carteira, decidi
que não queria morrer como, malandro, bandido ou comunista. Vou ser policial.
Vou ter “autorização para matar”! E, porque não ganhar uns extras dando,
proteção para malandro e bandido – menos comunista.
O Jacinto, policial que dava proteção às
putas da Praça Floriano, tinha ido com minha cara. Procurei por ele. Ajudou-me.
Não foi difícil. Recebi uniforme completo, um revólver 38 e carteira assinada.
Matilde ficou feliz. Comemoramos com champanhe,
droga e muito sexo. Tendo um policial ao lado, Matilde ganhava “moral”.
Eu participava das incursões aos morros e
favelas, me ocultando atrás dos companheiros mais experientes, que atiravam e
matavam. O sangue e a visão de bandidos estrebuchando lhes davam prazer – como
num gozo. Eu vomitava e tinha pesadelos, até contabilizar minha primeira morte,
numa tocaia onde atirei e matei Zoião – traficante e matador. Não vomitei e não
tive mais pesadelos.
Passei a ter prazer em matar! Protegido pela
pseudo autoridade recebida como policial, eu já contabilizava uma dúzia de
presuntos e ansiava por mais, ao mesmo tempo em que ingressava pelo caminho da
“venda de proteção” – a traficantes, malandros e cafetões. Dos traficantes
extorquia dinheiro e droga, dos malandros dinheiro e dos cafetões dinheiro e
alguns encontros – tinha preferência por carne fresca. Matilde nem sonhava – eu
era o policial incorruptível.
A proteção aos traficantes me rendia uma
quantidade razoável de drogas. Passei a fazer concorrência. Não consumia,
Matilde continuava como sempre fez, a garantir para nosso uso próprio. Resolvi
ir até a Penha e propor parceria no negócio ao Bira – que aceitou – sentindo-se
orgulhoso por ter me iniciado como aviãozinho.
A vontade de matar ou mesmo de invadir favelas
e morros, atrás de bandido, já não me motivava, cumpria a obrigação e usava o
tempo ocioso aliciando compradores de droga. Para facilitar os encontros, Bira
e eu passamos a nos reunir na pensão – à noite. Empolgado com o sucesso do
negócio, apresentei Bira para Matilde – surpresa, mas empolgada – formávamos um
trio!
Com absoluta confiança deixei o controle do
negócio nas mãos de Bira. Matilde, que herdara do pai a habilidade com números,
fazia as planilhas financeiras. Precisávamos encontrar uma forma de aplicar o
dinheiro sem correr riscos. Optamos por comprar ouro e joias, no mercado negro,
e guardar em cofre alugado no Banco do Brasil – no Centro. A chave ficaria com
Matilde – escolha unânime.
Estávamos bem estruturados, diversificando e
compondo novas parcerias – no jogo do bicho e nas apostas de cavalos.
A pretexto de expandir os negócios, Bira propunha entrar em novos
mercados. Arrumou um potencial parceiro em São Paulo e marcou uma reunião.
Alegando que meu perfil e experiência como policial seriam úteis para
impressionar e negociar, me convenceu a ir – com o aval de Matilde.
Pedi licença de três dias e embarquei para
São Paulo – com nome, endereço, número de telefone, data e horário marcado para
a reunião.
Procurei – procurei e não encontrei – o
endereço. Liguei de um telefone público – não conheciam o nome! Fiz mais duas
ligações – para Matilde e para Bira – não atenderam! Tive um estranho
pressentimento. Me arrepiei, suei frio, senti raiva – tudo o que tinha direito
– na situação que me encontrava.
Voltei para casa. Casa! Que casa? Dei com a
cara na porta! Cadê Matilde – desgraçada. Porta trancada – da casa herdada dos
pais. Os vizinhos não viram – não sabiam de nada. Vou até a Penha procurar pelo
Bira – traidor – mau caráter. Ninguém sabe – ninguém viu – sumiu. Sem deixar
rastro – como Matilde – ou com Matilde? Meu cérebro não processava. Conhecia
Matilde há dez anos – Bira desde os quatorze – não acreditava.
Da Penha fui ao Centro – no Banco do Brasil –
falar com o gerente. A chave ficou com a Matilde – bandida FDP – confiava nela!
O gerente me diz que um casal veio ao banco, foi ao cofre e na saída devolveu a
chave agradecendo. Estavam felizes – abraçados e sorrindo – alegres. Carregavam
malas – acho que iam viajar.
Antecipei a licença. Voltei ao batalhão e
juntei dois colegas do peito para ajudar na caça aos dois FDP. Vasculhamos
morros e favelas – sem sinal. Com o dinheiro das joias e do ouro devem estar
numa praia do nordeste ou, espertos – como são – em Miami. O salário da
carteira assinada não vai dar para eu procurar por lá. Só se começar do zero – com
tráfico e propina. Sem chance – a concorrência está braba e perdi a moral.
Pirei. Meu superior recomendou encaminhamento
para consulta com o psiquiatra da Corporação. Recusei-me a dar detalhes – tive
vergonha. Ele sugeriu internamento no Instituto Pinel. Fugi – sem dar baixa na
carteira.
O instinto dizia para passar na casa de
Matilde e me livrar de qualquer evidência que me comprometesse. Não tinha a
chave – mas tinha uma micha. Abri, subi até o quarto e deparei com uma cena
macabra. Matilde nua na cama ensanguentada – morta – com vários golpes de faca.
Pobre Matilde – minha Matilde não tinha culpa. Maldito Bira. Quem seria a outra
mulher? Bandido traidor – FDP. Corri – antes que sobrasse para mim.
Deitado na cama imunda de um barraco, numa
viela qualquer, de uma favela qualquer, me sinto só – abandonado – como um cão
sarnento – na esperança de receber compaixão de uma alma bondosa que me leve ao
juízo final – se é que existe juízo! Pelo menos não vendi a alma para o diabo –
aposto na alma eterna.
Sou sobrevivente da guerra que eu mesmo
criei. Contra inimigos aleatórios, ou criados para alimentar a minha insana
insistência em sonhar com a independência e a glória.
Sou fruto das atitudes idiotas típicas do jovem rebelde de subúrbio que
fui – agora prostrado pelas sequelas.
Não fiquei famoso, não serei lembrado em filme ou livro de biografia – talvez
no obituário.
Devia ter me alistado no glorioso Exército
Brasileiro – com carteira assinada – como meu pai!
Conto escrito por
Math Soraji
ProduçãoBruno Olsen
Cristina Ravela
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