2x04 - Batida Policial
de Pedro Franco
Vinham os três no Mercedes esporte, cinza metálico, último tipo. Queimados pelo sol da montanha e alegres. Ele, ela e o menino.. Voltavam para o Rio segunda-feira de manhã. Ele vinha atento ao velocímetro, pois a velocidade máxima naquele trecho da estrada era de noventa quilômetros por hora e não queria ultrapassá-la. O som tocava o último disco do Paralamas do Sucesso, conforme o gosto do menino. Fabinho andava pelos doze anos e estava de bermudas, camisa polo de mangas compridas e botinas pesadas. A capota arriada, o sol leve das dez horas, na manhã de um inverno de pouco frio. Ele estava com trinta e cinco anos e parecia menos, com seu cabelo castanho claro, cortado como a moda mandava, calça de “tactel” azul claro com lista lateral escura, tênis sem meias e um casaco leve. Ela vestia um elegante “jogging” azul claro, folgado e tênis da mesma cor..Tinha cabelos louros, curtos, muito bem cortados, espertos olhos azuis. E todos cantarolavam, acompanhando Herbert Viana. Ao iniciarem uma reta, são mandados parar por guarda, que se destacava do automóvel da polícia parado no acostamento. Ele suspirou e encostou pouco adiante. Enquanto o guarda se encaminhava para o Mercedes, foi apanhando os documentos no porta-luvas.
_ O Senhor estava a cento e dez por hora. Seus documentos.
Ele os deu sem nada dizer, apesar
de ter certeza de que estava a noventa. A mulher ia falar. Fez sinal para ficar
calada. Outro policial de ar truculento veio se aproximando. O primeiro
policial, que devia andar pelos trinta anos, tentando falar delicadamente,
pediu para que todos saíssem do automóvel. Os três saíram e foram convidados a
ficar afastados do Mercedes. O segundo policial, de ar enfezado, aparentando
estar na casa dos quarenta, foi apertando o botão que abria o capô e começou a
examinar o motor, enquanto o outro examinava a mala do Mercedes.
_ Venham cá todos, inclusive você, Euclides, pois os passageiros trazem
um bom estoque no pneu sobressalente. E foi tirando saquinhos, que continham um
pó.
_ Doutor, o que tem a dizer. Perguntou o que fora chamado de Euclides.
_ Nada, isto não estava aí.
_ Quer dizer que nós dois, eu e o guarda Velônio, plantamos estas
trouxinhas no seu pneu?
_ Eu não disse isto.
_ O carro é seu? Perguntou o guarda Velônio.
_ É.
_ Portanto?
_ Não adianta conversarmos aqui, vamos para a Delegacia lavrar o
flagrante e de lá o Doutor chama o seu advogado.
_ Não sou Doutor.
_ Profissão?
_ Executivo.
_ Devia ser Dr. Mercedes, madame, filho, roupas finas. Não pode dirigir
em velocidade acima da estabelecida e carregar pó. Velônio dirige sua máquina e
vocês três vão comigo na viatura da polícia. O garoto vai ter o que contar na
escola.
E Euclides se dirigiu para o carro patrulha. Outros automóveis passavam.
Os ocupantes olhavam e seguiam. Mais um que foi apanhado correndo, pensavam e
tiravam um pouco o pé do acelerador. A mulher e o menino estavam com ares
amolados e parecia haver um pouco de medo nos olhos do menino. O rapaz estava se
controlando com dificuldade, percebia-se. Velônio o chamou então e disse.
_ Uma amolação sei, é a lei. O Euclides tem aquele ar zangado, mas não é
mal. O Senhor, sua esposa, seu filho metidos nesta e isto para uma criança é
péssimo...
_ O Senhor sabe que aquele pó não é meu.
_ Está bem, está bem, só que estava no seu automóvel. Processo, seu
filho na Delegacia, sua esposa perdendo a manhã. E tudo pode se ajeitar. O
Euclides no fundo é sangue bom. É assim porque sofreu muito em criança.
_ Quanto?
_ Calma, quem falou em dinheiro.
Ele sorriu e o guarda Velônio sorriu.
_ Temos uma obra de caridade, asilo de velhinhos. Por um donativo para
os velhinhos, nem vimos sua velocidade, só não podemos devolver o pó. Em seu
benefício.
_ Quanto?
_ Cinco mil reais e os velhinhos terão um mês de comida.
_ Cheque serve?
_ Cheque pode ser sustado e a caridade não seria feita. Reais, dólares e
isto não vai fazer falta ao Doutor.
_ Não tenho esta importância aqui.
_ Temos que ir para a
Delegacia então, não há outro jeito e não tivemos esta conversa.
_ Vamos até um banco vinte e quatro horas perto e saco o dinheiro.
_ Para ir até lá são sete mil reais. Trabalho interrompido, passa um chefe,
não nos vê aqui e nós estamos ferrados.
_ Deixa-me ver quanto minha mulher tem.
Ela e o menino tinham parado
adiante e esperavam, já suando com o sol. Os três voltaram para o Mercedes. O
guarda Euclides os chamava de longe, acenando e buzinando. O ato era bem
ensaiado. Ele e a mulher abriram bolsas, confabularam e o Guarda Velônio ficou
olhando. Os dois falavam baixo. O rapaz voltou.
_ Temos mil dólares e três mil reais.
_ É pouco, não dá cinco mil. Só se você completar com seu Rolex.
Lembre-se que fomos cavalheiros, não gritamos, não dissemos palavrões, tudo
civilizado. Na Delegacia ainda podem achar que o pó é de seu filho. E
infelizmente na Delegacia o pessoal não é educado e uma esposa como a sua ficar
lá me parece ruim. Pense bem.
_ Tudo bem, vai o Rolex. Só dou o donativo aos dois juntos, se não
depois o outro guarda diz que não combinou nada e nos leva mesmo.
_ Doutor o Euclides é o tesoureiro do asilo. ‘Ta bem, vamos quebrar uma
tradição, que o sol está esquentado. Me dá o Rolex e não fala nada, ouviu. Vou
confessar ao Doutor que um dos velhinhos sempre teve muita vontade de ter um
Rolex e se o Euclides souber da sua doação, vai querer vender o relógio, para
comprar verduras para o asilo. Depois que se esquecer desta nossa conversa, dou
o Rolex ao velhinho e ele vai morrer feliz.
O guarda Velônio guardou o relógio no bolso do casaco e chamou o guarda
Euclides. Ajeitando o cinturão com a pistola, o guarda Euclides veio andando
duro.
_ Qual é a história, Vel?
_ Ele dá o donativo e quer ter certeza que você aceita e esquece a
velocidade e o pó no pneu.
_ Vamos logo que está quente. Cinco mil?
_ Quase. Mil dólares e três mil reais. No câmbio atual dá uns quatro mil
e setecentos.
_ Estamos fazendo abatimento? Assim o Brasil não vai para frente. Tudo
bem. Vamos logo. Passa a maquia. Foram passadas trinta notas de cem reais e os
mil dólares em notas de valores variados. Velônio foi contado. A mulher foi se
chegando. E então o rapaz disse.
_ Guardas Velônio e Euclides vocês estão ferrados. Eu sou policial, ela
é policial, aquele helicóptero, que vem vindo, está ouvindo toda nossa conversa
e gravando. Vocês estão dando este golpe há mais de um ano e a Corregedoria
soube. E não tentem fazer nenhuma besteira. Acima e abaixo da estrada há
viaturas, além do helicóptero, que comanda tudo. Vejam o que tem escrito no
helicóptero. Matilde mostre nossos documentos a eles. Matilde tirou do agasalho
do “jogging” os documentos e uma pequena pistola. Riu e a guardou. Os dois se certificaram
que os documentos eram verdadeiros.
_ Colegas, vocês compreendem.
_ Vel não adianta. Os homens lá
de cima estão ouvindo tudo e tem chefão no meio.
O garoto riu do ar agora apavorado dos dois policias. Euclides suava
muito e Velônio estava branco. O rapaz riu e disse.
_ Calma, calma, não vão ter um enfarto. Na vida tudo se resolve. E se
for muito...
Velônio tomou a iniciativa.
_ Damos vinte mil.
_ Vel, vou dar a solução rápida. Você fica aqui e o Euclides vai tirar
cento e vinte mil reais, que estão no banco em nome dos dois. Você tem meia
hora para resolver e vou colocar o Mercedes naquela sombra, que o sol está
forte. E me devolva o Rolex. Olho vivo, Euclides, que o Vel é esperto. Ainda
ficam três mil para vocês dois, pois nós só vamos levar os cento e vinte mil
para o nosso orfanato. E vocês desfazem aquela compra da loja, onde iam ser
sócios. Loja para aluguel de vídeos, onde iam trabalhar as namoradas dos dois,
podia até dar prejuízo. E nesta vida de policial não há mesmo segurança. O
único risco que vocês vão correr, é que, de quando em quando, pode voltar
alguém querendo de novo uma contribuição para o orfanato. Nossa profissão é
mesmo arriscada, vocês sabem.
Meia hora depois ele, a detetive Matilde e o sobrinho dela seguiam
viagem e com mais uma valise. O helicóptero nada tinha com eles e fora sacada
de momento..
_ Fabinho, espero que você tenha aprendido que o crime não compensa.
Gargalhou e pisou no acelerador do Mercedes, que rapidamente atingiu cento e trinta quilômetros por hora. Era automóvel alugado para aquela batida policial.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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