Sinopse: As travessuras de Lucina, uma adolescente de 16 anos que encontra na casa do lago o local para viver um sentimento incontrolável.
A Menina do Lago
de Millo Ribeiro
Lucinha contava então com dezessete
anos, aliás, quase dezessete, faltavam três dias para completar os dezessete.
Vinte e um de julho, esse era o dia marcado com uma grande flor de papel colada
no calendário. Contava também os dias, horas e minutos, naquele fim de mundo
sem nada para fazer. Odiava as férias, não podia ir à cidade, não via ninguém a
não ser o seu irmão mais novo, chato, e vigiando, tudo o que ela fazia. Contava
também na lembrança, ali, no chão do seu quarto, sentada; quantas cintadas seu pai
lhe dera nas pernas, por ter desobedecido, indo até a casa do lago, a única
coisa vizinha por ali. Infelizmente seu irmão, seguindo-a de bicicleta, contou
que ela falava com uma pessoa de dentro da casa. Ela no portão acenava e
sorria. Bastou isso para o pai aplicar-lhe tremenda surra. A casa do lago
ficava vazia a maior parte do ano. Um pouco antes de julho e novembro vinham
dois empregados para a limpeza. Nicola passava ali as suas férias. Era
professor e pintor, então, aproveitava para um merecido descanso, naquele
pequeno paraíso.
Lucinha via-o passar quando ia para
a cidade de motocicleta, alto, forte, provocava toda sorte de porquês na cabeça
transbordada de sonhos da intrigada moleca. Isso porque ela não tinha sossego.
Parecia um serelepe. Sempre era assim. Em tudo era precoce. Era esguia, alta
demais para sua idade, cabelos longos, lisos e dourado que brilhava. Tinha as
costas e o peito cheio de sardas pequenas que ela cobria com gola alta como se
tivesse vergonha. Vergonha tinha mesmo era dos seios, que desde os dez anos
tinham apontado de um tamanho e forma ousados. Todo seu corpo denunciava
sensualidade. Tivera um grande susto quando brincava, ainda com nove anos, de
gangorra, no galho da goiabeira e vira uma grande mancha de sangue nas pernas.
Pensou que tinha se machucado e correu chorando para a mãe.
- Calma filha, isso acontece com
toda mulher. Uma vez por mês sangramos assim.
Depois de uma explicação muito
superficial, Lucinha aprendeu a usar as toalhinhas e a partir dali lavava-as e
as pendurava no varal toda satisfeita para dizer que já era moça. Não sentia
nada diferente, mas se fazia de melindres para ganhar um pouco de carinho e
atenção dos pais quando ficava assim. Funcionava, era o que importava.
Descobriu com o tempo que ela era desregulada, ficava às vezes até dois meses
sem regras, só que repetia o ritual como se tudo estivesse normal. Lavava as
toalhinhas, pendurava-as e amolecia-se nos cantos da casa para ganhar mimos.
Estava feliz porque seu aniversário chegava, mas triste com a lembrança da
surra. Queria um presente diferente, mas estava com raiva do pai para pedir-lhe
o que fosse.
Então, pensou em uma vingança
contra o pai e segredou à mãe que gostaria de comer peixe no dia de seu
aniversário. Sabia que seu pai não iria pescar no lago porque o dono da casa
estava lá. Teria que ir até o rio, pelo menos uma hora de bicicleta e ainda
levaria o chato do irmão junto. Perfeito, tinha funcionado, arrumaram varas,
pegaram minhocas no fundo do quintal, sua mãe fez o lanche e no dia seguinte
eles saíram antes do almoço rumo ao rio.
Lucinha foi até o portão acenar,
sorriso maroto nos lábios e ideias proibidas na cabeça. Almoçaram, ela e a mãe,
em seguida ajudou a lavar a louça e sentaram-se no sofá. Começou a mexer nos cabelos
da mãe, sabendo que aquilo provocava sono. Não demorou muito e ela estava livre
para o planejado. Pegou a bicicleta e sem fazer barulho esgueirou-se no caminho
do lago. Parou em frente ao portão, sua respiração estava incontrolável,
suavam-lhe as mãos, têmporas e entre as pernas. Tocou a campainha da bicicleta
e esperou ansiosa pela resposta.
Nicola surgiu com um livro nas
mãos, olhou-a e veio até o portão.
- Que foi menina?
- É verdade que você é pintor?
- Sim. Quem lhe disse?
- Lá na escola. Uma professora
disse que tem quadros seus no mundo inteiro.
- É um pouco de exagero. Mas vendi
alguns por aí sim.
- E você já viajou pra muito lugar?
- Uma dezena de países.
- Deve ser legal, não é?
- Muito bom, mas prefiro meu canto
aqui.
- Não sei como você aguenta. Aqui
não tem nada pra se fazer.
- Você não sabe que eu pinto aqui,
só quando estou aqui?
- Não sabia. Se eu pedir uma coisa,
você faz?
- O que é?
- Amanhã é o meu aniversário e eu queria
um quadro meu.
- E o que seus pais pensam disso?
- Eles não precisam saber. Eu
escondo. Depois meu pai foi pescar e só vem no final do dia e minha mãe está
dormindo.
- Quantos anos você tem?
- Dezessete.
- Tudo bem, entre e deixe a
bicicleta na varanda.
Lucinha parecia flutuar em
sentimentos ao invadir a casa, olhando tudo, curiosa como sempre, nenhum
detalhe lhe escapava.
Chamou-lhe a atenção uma caixinha
de música com uma bailarina.
- O que é isto?
- É uma caixinha de música. Era de
minha esposa.
- Onde ela está?
- Faleceu.
- Puxa vida, desculpe.
- Tudo bem, já tem algum tempo.
- E você não quis casar de novo?
- Por enquanto não. Estou bem
assim.
Pegou-a pela mão e abrindo uma
porta toda colorida conduziu-a para um lugar de sonhos.
Véus, de todas as cores,
pendurados, desciam do teto. Dois grandes vasos pintados, um tapete tomando
todo o quarto e pesadas poltronas de tecido felpudo aninhavam-se nos cantos.
Uma tela coberta com pano branco,
outras tantas espalhadas e Lucinha no meio daquilo tudo.
Parou em frente ao quadro de um
arlequim em um circo com um cachorro branco sobre as duas patas traseiras. O
quadro parecia ter movimento ao ponto dela ouvir as vozes e aplausos do
público.
Ficou zonza e começou a rodopiar
levemente que só se deu conta quando estava sentada, estirada, afundada no
macio da poltrona.
- Está tudo bem?
- Foi só uma ligeira tontura, é
tudo muito lindo.
Nicola foi até a vitrola e colocou
uma música suave que Lucinha nunca tinha ouvido. Era piano, isso ela sabia.
Então ela esticou mais as pernas e deixou o vestido subir deixando as coxas
mais à mostra. Tirou os sapatos e sentiu-se longe, em lugar desconhecido, com
vontade nunca sentida.
Nicola pegou uma tela em branco e
começou a riscar com movimentos rápidos. Vez ou outra vinha até ela para
corrigir a cabeça ou ombros que se abandonavam na música.
- Não quer abrir essa gola e
mostrar um pouco os ombros?
- Eu tenho muitas sardas.
- Que devem ser lindas.
Um elogio para aquilo que ela mais
odiava em si mesma era tudo o que precisava naquele instante. Desabotoou a gola
e soltou a blusa deixando os ombros à mostra. Não se contentando abriu mais
dois botões da frente e uma ponta de um dos seios mostravam a sua respiração
ofegante. Não usava sutiã. Queria tudo solto e livre.
Nicola se esforçava para não perder
a concentração. Aquele corpo juvenil, o calor, o abafado da tarde seca e
aqueles olhos verdes que não se desviavam dos dele.
A música acabou e Nicola foi trocar
o disco. Lucinha aproveitou para subir um pouco mais o vestido com as mãos e
deixou-se afundar um pouco mais no sofá. Era evidente que ele viria arrumá-la.
Foi o que fez. Pegou-a pelos ombros endireitou-a e colocou a cabeça de lado.
Lucinha não tirava os olhos dos
dele para nada. Incomodava-o. Sorria-lhe.
- Está com calor?
- Um pouco, não tem nada para
beber?
- Limonada quer um copo?
- Quero.
Nicola veio com a jarra e dois
copos; encheu-os; e quando estendeu o copo para Lucinha ela não pegou, apenas
abriu a boca. Então ele colocou seu copo sobre a mesa, ajoelhou-se em frente a
ela, e deu-lhe a limonada na boca, devagar e em goles pensados.
Ela bebia e olhava atentamente cada
detalhe daquele lugar mágico, exatamente como ela sonhara. Quando ele afastava
o copo, Lucinha passava a língua pelos lábios e engolia satisfeita. Olhando-o
nos olhos pegou a mão dele que estava apoiada no braço do sofá e colocou-a na
sua perna. Enquanto terminava a limonada, deslizava a sua mão com a dele pela
perna. Aquilo lhe provocava um gemido baixo, quase um suspiro, um não sei o que
de medo e paz ao mesmo tempo. Nicola abandonou o copo e com os dedos tocou-lhe
os lábios, contornando-os como se os desenhasse, subiu pelo pequeno nariz,
acariciou os olhos, testa, brincou com os cabelos, desceu ao pescoço,
provocando tremor pelo corpo todo de Lucinha que fechando os olhos deixou sua
cabeça cair no braço do sofá. Então ele a beijou, devagar, suavemente, mordendo
aos poucos o queixo, orelhas, e foi descendo até tocar os seios. Lucinha não
sabia o que era aquilo, mas queria, queria ir até o fim. A mão dele que estava
nas pernas ela puxou até a sua calcinha e fez com que a tirasse. Abraçou então
aquele homem contra o seu corpo e foi sentindo o seu calor, aos poucos, ao
mesmo tempo em que ele tirava a camiseta e as calças. Abandonou-se no sofá e
ele a teve, calmamente, como se adivinhasse a sua virgindade. Eram movimentos e
estranhos ruídos, que provocavam em Lucinha uma coisa de abandono, como quando
descia a ladeira de bicicleta e fechava os olhos, era melhor que brincar de
gangorra no galho da goiabeira. Doía-lhe um pouco, mas as dores das cintadas do
pai eram piores, e não tinham esse prazer junto. Então cruzou as pernas nas
costas de Nicola e o puxou para si entregando-se como mulher madura. Mordeu
algumas vezes as orelhas, o pescoço e o arranhou no peito para sufocar a
estranheza do que sentia, por fim, veio-lhe um calor maior e um tremor seguido
de desmaio. Nicola cobriu-lhe o corpo com uma toalha e sentou-se ali ao seu
lado, esperando que voltasse a si. O tempo parecia ter se perdido, ele não
acreditava que tinha feito aquilo, mas era incrível.
Era como se um anjo o tivesse
invadido e dominado.
Aos poucos Lucinha foi recobrando
os sentidos, abriu os olhos bem devagar e sorriu.
Sorriu e pensou, era mulher, era
isso ser mulher de verdade. Puxou a mão de Nicola até os lábios e beijou-lhe as
pontas dos dedos, depois a mão toda, olhou bem nos olhos dele, como se quisesse
agradecer, colocando sua mão em seu peito para que ele sentisse o coração ainda
pulando.
- Não se preocupe, eu estou bem.
- Como isso foi acontecer, eu não
devia...
- Calma. Fui eu a culpada. Eu
queria demais isso.
Lucinha levantou-se, arrumou o
vestido, limpou-se com a toalha, procurou pela calcinha, encontrou-a no canto,
vestiu-a, caminhou até Nicola e sentou-se no seu colo.
- Eu já vou. Queria que você me
desse uma coisa.
- Pode pedir. Peça o que quiser.
- A caixinha de música, só que você
me ensina como se faz para ela tocar.
Pacientemente ele a ensinou a dar
corda, depois, colocou-a na caixa de madeira, amarrou um laço de fita e
entregou-lhe como se fosse um presente de aniversário.
Lucinha segurou a caixa, ficou nas
pontas dos pés e deu-lhe um beijo demorado na boca, depois sem olhar para trás
pegou a bicicleta e saiu pelo portão. No dia seguinte, enquanto almoçavam,
Lucinha ouviu um barulho de motocicleta e veio-lhe um sobressalto, um
sentimento de perda e de saudade.
Ela estava certa. Nicola partiu.
Agora só o veria em novembro, quando novamente viessem as férias. Agosto
passou, quando setembro estava pelo meio, sentiu umas dores nunca sentidas. Uma
noite suando frio correu até o banheiro para vomitar. Sua mãe acordou assustada
e veio-lhe em socorro.
- Que foi filha?
- Deve ter sido a carne, comi muita
carne mãe.
- Você também exagerou. Nunca a vi
comer desse jeito.
- Já passou mamãe, pode ir dormir.
Depois desse dia, Lucinha teve
outros enjoos, mas escondia-os, procurou sujar as toalhinhas com amoras para
dar mais realidade à farsa. Esperou angustiadamente por novembro. Infelizmente
Nicola não veio e Lucinha não teve alternativa a não ser contar para a mãe o
que tinha acontecido. Sabendo como era o marido, sua mãe programou uma visita a
uma irmã que morava em outro estado. Depois que estavam instaladas escreveu uma
carta contando tudo, inclusive que nunca mais voltariam para casa. Nunca teve
resposta.
Nicola nunca mais voltou para a
casa do lago. Soube-se que três anos depois ele falecera em um naufrágio.
Cinco anos se passaram, Lucinha
mudou-se com a mãe para a capital para poder fazer uma faculdade. Um dia viu um
anuncio sobre uma exposição de Nicola no museu da cidade. Pegou o filho e foi
para lá com o coração aos pulos.
Quando adentrou a sala principal a
aglomeração era em torno de um quadro bem ao centro. Aproximou-se e teve um
grande susto. A obra chamava-se: “A menina do lago”.
Ficou feliz por ver que ele a
pintara de memória, era ela, sentada em uma cadeira de vime, coberta com véus
coloridos, daquele quarto que ela conhecia bem, o corpo esticado como se
convidasse alguém para a paixão, pernas entreabertas, dedo na boca e na outra
mão uma caixinha de música. Sua felicidade foi maior quando ela viu que ele a
tinha pintado grávida, então ele sabia, e isso fez uma lágrima correr pelo seu
rosto.
Ergueu o filho para que pudesse ver
o quadro de perto.
- Parece com você mamãe.
- Sim filho, sou eu. Eu e você.
Apertou o menino contra o peito,
saiu sem se preocupar em ver o resto das pinturas, queria unicamente chegar à
sua casa, dar corda em sua caixinha de música para que a lembrança daquele puro
amor fosse fiel.
Conto escrito por
Millo Ribeiro
ProduçãoBruno Olsen
Carlos Mota
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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