3x06 - Paz na Terra
de Nilton Silveira
Aproxima-se
o tempo de celebrar o Natal na Favela dos Anjos. Por conseguinte, orientada por
Ana (uma líder comunitária), a equipe responsável pela organização da festa, a
ser realizada em homenagem a Jesus, empenha-se nos preparativos. Tal evento
terá lugar num barracão, reunindo como convivas os integrantes da comunidade
cujas habitações se alastram, vertiginosamente, na escarpa de um morro chamado
Céu.
Inúmeros
são os obstáculos defrontados por todos, No entanto, onde quer que se encontre,
Ana faz questão de enfatizar: “No nosso espaço também desfrutamos extraordinários
momentos de felicidade! E eu amo fazer parte do mesmo contexto geográfico, da
mesma cultura, do mesmo habitat, das mesmas tradições e dos mesmos interesses
da coletividade!”
Assim,
a pleitear, igualmente, a superação das próprias privações, Ana prossegue e, a
esbanjar otimismo, põe-se a trilhar os becos que levam ao topo do morro, onde, artisticamente
pintado com as cores do arco-íris, acha-se o barraco de Ari, um ancião que,
além de encarnar, oficialmente, a figura
do Papai Noel, também é afeito a praticar a arte e a ciência que, segundo ele,
podem produzir fenômenos considerados sobrenaturais; tudo isso por meio de fórmulas
e manipulações que, em rituais, evocam entidades fantásticas e também divinas,
com as quais garante manter estreitas relações.
A
subida foi árdua para Ana. Todavia, ao atingir a meta, ela espera, respira
fundo e, somente após recobrar o fôlego, bate à porta chamando pelo idoso, que,
pedindo calma, logo aparece. O Papai Noel da comunidade dá-lhe as boas-vindas
e, como o calor é intenso, convida-a a sentar-se num dos dois caixotes dispostos
defronte ao barraco, enquanto ele, abancado no outro, mostra-se predisposto ao
diálogo.
Nesse ínterim, Ana, que não o vê já há algum
tempo, mostra-se preocupada:
―
Nossa, seu Ari! Como o senhor está magrinho! Afinal, o que lhe aconteceu, meu amigo?
―
Ora, o que me aconteceu, Ana... – diz o Papai Noel da comunidade, um tanto desalentado.
– Acho que o nosso querido aniversariante não está satisfeito com o fato de ter
ultrapassado os dois mil anos!
―
Ah, Papai Noel, eu não acredito que isso seja motivo de insatisfação. Ele é um
ser magnânimo! E ocupa um lugar tão especial no coração da humanidade, que
seria difícil aceitar tal atitude da parte dele.
―
Eu também penso desse modo, minha cara Ana. Mas tenho a impressão de que anda
desiludido. Na última vez que falei com ele, pareceu-me bastante triste. Disse
que sabia dos preparativos de grandes festas em sua homenagem. Contudo, não me
pareceu nem um pouco empolgado. Afirmou, inclusive, que pensava em não
comparecer a nenhuma delas. Confesso-lhe, minha amiga, que não entendi. E lhe
digo mais: entre todos os eventos de comemoração pelos dois mil e vinte anos de
seu nascimento, dizem que um deles – ao contrário do nosso – será o maior que
já houve na face da Terra! Como está sendo noticiado, para essa festa foram
gastos milhões de dólares! A decoração é algo nunca visto! Os convites,
impressos em ouro, foram distribuídos a todos os potentados do planeta! O bufê
estará repleto de iguarias típicas de todos os países! A prataria reluzirá ao
lado das mais finas porcelanas, e muito mais! Imagine, Ana, tudo isso parece
não ser o suficiente para motivá-lo a aceitar tais homenagens! Ah, ele que me
desculpe, mas, sinceramente, eu não entendo o nosso Amigo!
―
Ah! Papai Noel! Quem sabe, o coitadinho quer que lhe façam tudo isso e algo
mais?
―
Mais do que isso, Ana? Impossível, minha cara! Bem, talvez essa reação dele se
justifique pelo fato de alguns entes – que se dizem seus discípulos – estarem
gastando pouco para homenageá-lo; isso, eu até entendo. Afinal, são apenas
monumentos confeccionados com pedras preciosas e metais nobres... Ah! Mas esse
megaevento, Ana!
―
Escute aqui, Papai Noel, desculpe a minha curiosidade: o que esses
acontecimentos têm a ver com a sua magreza?
―
Tem tudo a ver, minha amiga! Eu, simplesmente, estou cansado! Muito cansado!
―
Cansado? Como assim, Papai Noel? Não estou entendendo!
―
Pois preste atenção, Ana... Você está vendo o volume deste saco que trago nas
costas?
― Sim, estou.
― Pois
então, você não acha que está pesado demais para mim, que sou um pobre velho?
Ora, minha cara, eu simplesmente não estou suportando mais!
―
Ah, Papai Noel! Não me diga que está querendo desistir de sua importante
missão! Eu posso até estar enganada, mas confesso-lhe que acredito: quanto maior
o número de presentes distribuídos, melhor! O senhor não acha?
―
Tudo bem, Ana. Mas quem lhe disse que estou carregando presentes, minha amiga?
Fique sabendo, que neste saco trago somente problemas! Aqui só tem pranto de
crianças famintas e desilusões de pessoas desesperadas: sem educação, sem
emprego, sem lar, sem-terra, sem segurança.
A
pensar que o Papai Noel da comunidade, além de magro, está perdendo o uso da
razão, Ana o interrompe:
―
Espere aí, Papai Noel. Agora mesmo é que eu não estou entendendo mais nada!
―
Ah! Ai de mim, Ana... Infelizmente, não é somente você que não me compreende.
Estou sozinho nessa luta. E o pior: não tenho força suficiente para suportar a
prova. Mas não há de ser nada... Para que você entenda o que quero dizer, vou
tentar lhe explicar.
― Pois me explique, Papai Noel. Sou toda ouvidos!
― Pois
bem, tudo começou quando eu, preocupado com a miséria que assola a humanidade,
resolvi pôr fim ao consumismo escravizante que normalmente ocorre nesse período
do ano. E devo lhe dizer que eu mesmo me incluía nesse rol de leigos, visto que,
quando não podia dar brinquedos a alguma criança, eu incentivava os pais a
comprarem, custasse o que custasse, nem mesmo se tal atitude passasse a representar
meses e meses de dívidas.
― É, Papai Noel, tudo isso é uma lástima!...
― E tem mais, Ana: nas noites de Natal, eu também gostava
de incentivar todo mundo a comer e beber sem moderação; não me importava se
muitos dos nossos semelhantes estivessem passando fome. Mas creia, minha amiga,
tudo o que eu fazia era no intuito de homenagear a Jesus, embora eu saiba que ele,
o paradigma do Amor dificilmente é lembrado nas festanças do mês de dezembro.
Aí, pensando melhor, como eu também fui atingido pela crise econômica atual,
tentei reagir e, sem mais poder distribuir presentes, resolvi tentar reverter o
quadro de dor dos mais necessitados. Então, o que fiz: em vez de levar mimos natalinos, decidi trazer comigo as tristezas daqueles a
quem eu visitava.
―
O senhor é louco, Papai Noel! Como temos visto, ouvido e lido, não podemos
ignorar que a grande maioria da Humanidade considera que o Natal é sinônimo de
muitos presentes e nada mais, meu velho!
―
Não, Ana, você está totalmente equivocada, minha cara. Isso, inclusive, era o
que eu também pensava; até que, felizmente, encontrei alguém que, respeitando meu
livre-arbítrio, alertou-me que, em nossas releituras da Vida, enxerguemos,
escutemos e sintamos – com alma e coração – que o Natal de Jesus é momento de
magia que traduz a glória a Deus nas alturas. Mas saiba, Ana: ainda bem que eu
me dei conta de que isso é a mais pura verdade. Observe, por exemplo, lá vem um
menino. Ele, certamente, irá me pedir um presente. Ou, então, irá me entregar
um bilhetinho no qual diz o que deseja ganhar de Natal...
Ao
observar, porém, que, sem nada dizer, o menino se aproxima e põe-se apenas a
fitá-lo, Ari, percebendo que, por alguma razão, seu poder extrassensorial está
bloqueado, diz, quase a implorar:
―
Como é, menino, você não vai me dar um abraço? Eu sou o Papai Noel desta
comunidade! Não está me reconhecendo?
―
Papai Noel? – diz o menino, a sorrir. – Com todo respeito, o senhor mais parece
uma dessas pessoas que gostam de inventar boas histórias. Eu sei que esse
período de fantasia vivido na infância é muito lindo. Mas eu, meu amigo, apesar
da pouca idade, há muito tempo carrego o peso da dura realidade das criaturas.
―
Tudo bem que pense assim, meu menino. Mas você não deixa de ser uma criança.
Qual é a sua idade?
―
Estou com nove anos, senhor.
―
Então, é uma criança! Assim sendo,
diga-me: o que deseja ganhar de Natal?
―
Eu agradeço a sua gentileza, senhor. Mas não estou em busca de presentes. Só
preciso de uma informação; se puderem me prestar, eu agradeço. Estou à procura
de pessoas que saibam me dizer quem, realmente, é Jesus. Por acaso, o senhor e
a senhora o conhecem? Sabem onde ele está, e o que fez e segue a fazer em prol
da humanidade?
Ante
a pergunta do garoto, Ana e o Papai Noel sentem que algo inexplicável dá origem
a sentimentos inusitados.
Ana
mantém-se calada, ao passo que Ari indaga:
―
Sem querer me intrometer em sua vida, garoto, você pode me dizer o porquê desse
seu desejo de encontrar Jesus?
―
Nada de mais, senhor; eu estou apenas fazendo uma busca! É que meu pai sempre afirma
que poucos são aqueles que o reconhecem ou estão verdadeiramente interessados
em cooperar com ele... Bom, agora, como sinto que o senhor e a senhora trilham
um lindo caminho, peço que me deem licença para ir em frente. Antes, porém,
permitam que, com todo carinho, eu os abrace e lhes dê estes dois lírios.
Em
êxtase, com as flores achegadas ao peito, o Papai Noel e Ana, após terem um insight, passam a reverenciar o menino, que,
sem exigência alguma, leva-os a concluírem que ele apenas sugere uma reflexão
sobre a relevância da máxima: “Ama ao teu próximo como a ti mesmo.”
E
nesse clima, vai-se o saltitante garoto. De costas, ele é visto como um anjo
reluzente, que, descendo a ladeira, volta-se para o alto, como que a saudar o
sol prenunciador de um novo amanhã.
Por fim, em sintonia com a resplandecência do astro-rei, Ana e o Papai Noel da comunidade sentem que a paz reina na Terra. É então que, preparados para a lida prazenteira, contemplam a silhueta do menino de braços abertos e, no solo, sua sombra a imprimir o formato de uma cruz.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
Copyright © 2020 - WebTV
www.redewtv.com
Sinopse: Uma menina de 8 anos que troca cartas com o papai Noel achando que ele é um velhinho distante, quando na verdade está bem próximo dela.
Comentários:
0 comentários: