A Catástrofe do Dia de Natal
de Jober Rocha
No dia de Natal daquele ano, isto é, em
uma quinta-feira, um asteroide vindo das profundezas do espaço sideral se
chocaria com a Terra. De acordo com o monitoramento do Centro de Estudos de
Objetos Próximos da Terra, entidade da NASA, o fenômeno deveria acontecer às
01h14 do dia 25 de dezembro, ou seja, ao se iniciar o dia de Natal.
A estimativa dos cientistas era a de que a
rocha espacial, conhecida como 320432 (2001 BH60), que teria até 800 metros de
diâmetro, cruzaria o espaço a uma velocidade de mais de 44 mil km/h.
O impacto com a Terra
seria devastador e o local previsto para a colisão seria, justamente, aquele
município, cujo nome era Sorte Grande, no interior do Estado.
A notícia havia chegado
alguns dias antes da data fatídica, trazida por um comerciante local que
retornara da capital e que trazia, além das mercadorias lá adquiridas para a
sua pequena loja, um exemplar do jornal A Voz da Verdade. Em uma página
interna, de curiosidades internacionais, o jornal publicou uma pequena nota
sobre o assunto, dando como fonte da mesma a agência Semsede, localizada em um
ponto qualquer das montanhas nevadas do Azerbaijão.
Assim, a trágica notícia caiu como uma
verdadeira bomba no pequeno município e espalhou-se rapidamente, como um
rastilho de pólvora, entre os pacatos moradores urbanos e a gente humilde e
trabalhadora do campo.
A nota do jornal, inicialmente, foi
mencionada em uma conversa informal no Bar do Landi (imigrante de origem
italiana, residente no local desde há muitos anos). Dali caminhou para a
igreja, onde, naquele exato momento, se realizava uma missa pela alma do
fazendeiro Juvêncio, falecido em queda do cavalo enquanto cavalgava bêbado, de
volta para a sua fazenda.
Da missa a notícia seguiu para o bordel local,
conhecido como Casa da Dolores, onde o assunto foi motivo de especulações entre
os frequentadores; bem como, de dúvidas por parte das moças que ali
trabalhavam.
Da Dolores a notícia seguiu célere para a Loja Maçônica da cidade, onde foi objeto de comentários, por parte do Mestre de Cerimônias, durante o Tempo de Estudos e, em razão de haver se tornado motivo de inúmeras discussões acirradas entre os aprendizes, companheiros e mestres, o Venerável viu-se obrigado a encerrar a sessão daquela noite de segunda-feira com um único e rápido golpe do malhete (os leitores maçons, evidentemente, entenderão melhor todo este processo).
Como a maioria dos homens
influentes da cidade fazia parte da Maçonaria, a notícia logo estava em todas
as casas; dali se espalhando, rapidamente, para os cortiços e para os casebres
da periferia.
O Conselho Municipal, imediatamente, se
reuniu para traçar uma estratégia de como fazer para minimizar os estragos
causados pelo impacto do bólido nas terras do município.
A primeira medida foi selecionar a Comissão de
Recepção, que seria constituída pelas famílias do prefeito, do juiz, do
promotor, do delegado e pelo padre da igreja matriz. Alguns abastados
fazendeiros se ofereceram para adquirir, por alto valor, alguma vaga ou
desistência de última hora na referida comissão.
A segunda medida foi
elaborar um programa de obras emergenciais, evidentemente dispensadas de
licitação, para resistir ao impacto de tão enorme projétil vindo do espaço
sideral.
A terceira foi de definir um local onde seria
construído um pequeno mirante de onde as altas autoridades locais e os
viajantes pudessem observar a catástrofe e, antes do desfecho final, em uma
derradeira confraternização, beber da aguardente local, trocar presentes e
saborear alguns quitutes preparados por Dona Cotinha, baiana e viúva do antigo
médico da cidade.
Os habitantes locais, no entanto, não
contavam com o fato de aquela nota do jornal haver extrapolado as fronteiras do
município e ter atingido outras cidades vizinhas.
Pouco tempo depois de a
notícia ter se espalhado, inúmeros veículos a motor, carroças puxadas por bois
e burros, viajantes a pé e a cavalo, começaram a chegar à sede do município,
lotando os dois pequenos hotéis e o galpão nos fundos da igreja matriz.
O prefeito, rapidamente, já havia mandado
fazer uma placa de bronze a ser colocada em local de destaque, com os seguintes
dizeres:
“Em reconhecimento à excelente administração
do prefeito Zequinha na Prefeitura de Sorte Grande, a população local, antes de
sua completa extinção pela queda do inesperado asteroide, resolveu deixar
registrado para a posteridade os enormes agradecimentos que lhe devem por tudo
aquilo que de bom e útil ele fez em prol do município e de sua gente”.
O padre, baseando-se na iniciativa do
prefeito, também havia mandado fazer placa para colocar nas proximidades do
altar-mor da igreja matriz, nos seguintes termos:
“Neste ano da graça, o Criador de todas as
coisas tendo tomado ciência das palavras proferidas pelo padre Josias no
púlpito da Igreja Matriz de Sorte Grande (quando este falava sobre a existência
de um messias, na antiga cidade de Jerusalém, que pregava a existência de um
Reino dos Céus e a necessidade de todas as criaturas serem virtuosas), ao
constatar a grande quantidade de pecadores viciosos neste nosso município,
resolveu riscá-lo da face do planeta enviando do céu uma vingança terrível, que
chegará, justamente, no dia do Natal sob a forma de um trágico presente que
levará todos os cidadãos para padecer eternamente no fogo do inferno”.
A Associação dos Estudantes de São João Marcos
(de tendência marxista), capitaneada por Dona Dorinha, diretora do grupo
escolar local e ativista de esquerda, iniciou a confecção de diversas faixas e
cartazes, de natureza política e reivindicatória, a serem colocadas nas
proximidades do local de impacto. As faixas, dentre outras coisas, diziam:
“Estudantes de Sorte Grande pedem o fim da
discriminação planetária”! “Queremos fazer intercâmbio cultural e participar de
estagio nos diversos planetas do Sistema Solar”! “Pela gratuidade no transporte
intergaláctico”! “Pelo fim do lixo espacial”!
Alguns dos bares da cidade lançaram novos
pratos e diferentes drinques, apelando para a inusitada notícia que atraía
turistas até aquele distante município. Assim, anunciavam:
Filé à Extraterrestre (filé com arroz, fritas
e um tempero secreto de origem extraterrestre); Sopa de Poeira Espacial (grãos
de poeira espacial, ervilhas e torradas produzidas pelo atrito na atmosfera
terrestre); Batida Estelar (cachaça, suco de meteoro e gotas de orvalho,
batidos no vácuo).
Pelas ruas da cidade foram sendo instaladas
diversas barraquinhas, cujos proprietários pareciam orientais e os produtos que
vendiam assemelhavam-se àqueles originários da China. Havia naves espaciais que
apitavam e acendiam luzes coloridas, foguetes que soltavam fumaça e disparavam
raios luminosos, máscaras de seres extraterrestres, etc.
O Governador do Estado, adiantando-se ao
prefeito do Município de Sorte Grande, enviou uma equipe da capital para montar
o sistema de som, o palanque e as arquibancadas, pois pretendia fazer um
discurso de saudação para fechar com “Chave de Ouro” o final do seu governo e,
quem sabe, da vida humana na Terra.
O Presidente da república, também alertado, só não iria ao histórico acontecimento em razão de compromissos internacionais inadiáveis, ademais de pane na aeronave presidencial.
Em poucos dias o município regurgitava de
gente. Os alojamentos e acomodações eram insuficientes para tantas pessoas.
Muitos dormiam nas calçadas, sob as marquises. Alguns trouxeram barracas e as
montavam próximo ao local onde seria o ponto de impacto.
O discurso que o prefeito faria acabou vazando
para a imprensa e, pelo que foi divulgado antecipadamente no jornal local,
começava assim: “Caríssimos, idolatrados e magnânimos concidadãos e nobres
autoridades visitantes. Nesta benfazeja ocasião em que pautado pelos mais
nobres sentimentos de fidalguia, de fraternidade, de cordialidade e de
admiração me dirijo a vossas excelências ...”
Em um derradeiro mutirão incessante, as ruas
eram varridas, as paredes caiadas, as árvores podadas, o lixo recolhido. O
delegado e alguns agentes faziam incursões na periferia, para deter os poucos e
conhecidos ‘ladrões de galinha’ que viviam pelas aforas da cidade.
Finalmente, chegou a véspera do grande dia,
previsto pela NASA, segundo a nota de jornal. O impacto se daria por volta da
uma hora da manhã, no local demarcado. Uma enorme multidão aguardava próximo da
hora aprazada, a chegada do asteroide. Algumas agências jornalísticas, embora
desconfiadas de charlatanice, haviam enviado seus observadores e as moças da
Casa da Dolores jamais tinham tido tantos clientes.
Minutos antes da meia noite, uma agitação
percorreu a multidão. Alguém afirmara haver visto uma luz se movendo no negro
céu. Alguns apontavam para o norte, outros para o sul. Fotógrafos e
cinegrafistas preparavam suas câmeras e flashes. Infelizmente, tinha sido
apenas um boato falso.
Chegou à meia noite e meia. Nada do objeto
extraterrestre aparecer no céu. Começou a ventar e a esfriar e, por volta de
uma hora da madrugada, caiu um forte aguaceiro, obrigando a maioria dos
presentes a se dispersar. Muitos voltaram para suas casas ou para seus quartos
nos hotéis. Os que estavam nas barracas, após consumirem diversas garrafas de
cachaça, dormiam a sono solto.
Alguns, mais religiosos, ajoelhados e
molhados pela chuva, oravam, tremendo de frio.
Em pouco tempo, já não restava mais ninguém
naquele local. Garrafas e latas vazias, sacos plásticos, jornais e revistas,
caixotes e restos de comida atirados ao solo, atestavam que a raça humana
naquele município, realmente, não havia evoluído muito e, como um projeto
malogrado do Criador, merecia ser prontamente exterminada.
Ao longe eram ouvidas
risadas e música sendo tocada na Casa da Dolores, onde as moças eram
insuficientes para atender a tantos clientes.
O sino da Igreja Matriz bateu uma hora da
madrugada, duas horas, três horas e nada.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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