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Cine Virtual: Desmagia

Conto de João Rodrigues
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Sinopse: Chiquinho da Dona Marieta, um menino do interior do Ceará, conta a desventura que aconteceu com seu irmão Zeca, quando foram pescar em uma cachoeira, na véspera do Natal, com um anzol que ganhou do pai.



Desmagia
de João Rodrigues


Sou o Chiquinho da Dona Marieta e moro nas brenhas do sertão nordestino, num interiorzinho muito agradável do Ceará. Minha casinha fica fincada no pé da serra da Ibiapaba, que acorda com os beijos do sol e uma sinfonia de passarinhos de todo tipo que tem por aqui. Do lado de casa, tem uma cachoeira, que agora não tem água porque é verão, mas quando chove, pense numa coisa que ninguém quer deixar de ver!

            Meu pai, que Deus o tenha, me levava pra tomar banho nela. Agora quase não vou mais. Ainda tenho dentes de leite, e por isso minha mãe me proibiu de eu ir sozinho pra lá, que fica a umas duzentas braças daqui. Só posso ir até ela desacompanhado quando tá seca. Mamãe tem medo de acontecer comigo o que ocorreu com meu irmão mais velho: o Zeca.

            Papai tinha trazido da rua um anzol pra pescar cará no riachinho aqui perto. Era dezembro, pertinho da data de nascimento do menino Jesus. Nesse mês não é muito de ter chuva por aqui, mas choveu, e muito! A cachoeira chegou a escorrer de arrombar açude. Coisa da vontade de Deus! Em todos os meus anos de criança nunca tinha visto uma coisa daquela.

            Como por aqui é muito seco e não tem neve, Papai Noel nunca passou em nossa casa. Papai dizia que não tinha como os bichinhos deles puxarem o trenó até aqui. Além do mais, tem muita poeira, as estradas são esburacadas e cheias de pedras e os riachos são secos nessa época, e com certeza as renas iam morrer de sede no caminho só com o calor. Por isso não fico zangado quando chega o natal e não recebo presente. Só não entendo por que o Neco, filho do vereador Chico da Tonha, ganha um brinquedo nessa época. E ele me disse que o Papai Noel deixa pendurado dentro duma cumbuca, na janela do quarto dele. Mas acho que fala isso só pra tentar me fazer inveja. Meu pai jamais ia mentir pra mim.

Pois bem, como nada aparece na nossa cumbuca, papai resolveu dar o anzol pro Zeca, que já era maiorzinho. Estava beirando natal, e Zeca foi pescar na enchente que tinha dado na cachoeira, e fui com ele. Mamãe deixou. Tava uma coisa de admirar! Os peixes pulavam nas alturas! Era cada cará! Cada piaba!...

Até que enfim a felicidade visitou a gente! Se eu não tivesse visto papai entregando o presente ao Zeca, eu ia achar que era o Papai Noel que tinha mandado. Pense como era bonito! Bem que eu queria que ele tivesse botado um debaixo de minha rede, só pra eu esfregar na cara do Neco. Mas aquilo era muito melhor do que o carrinho de polícia do meu “amigo. E chuva em dezembro de dar enchente, tinha lá coisa melhor pra se ganhar! Mas tem um ditado por aqui que diz: “Quando Deus dá uma esmola ao pobre, o Diabo vem e rasga o saco”.

Pois é. A coisa até ia bem, a gente pegando uns carás, umas piabas... mas lá pras tantas, o anzol enganchou e Zeca, que não queria perder o presente por nada, resolveu mergulhar pra desenganchar o bicho. Acabou que não voltou nem anzol nem meu irmão. Corri gritando, chamando papai. Mas quando ele chegou e tirou meu irmão de lá, já era.

Papai se culpou por ter comprado o tal anzol, amaldiçoou Deus por ter mandado chuva em dezembro, culpou Papai Noel por nunca ter levado nada pra nenhum dos filhos – nem pra ele –, gritou, chorou, até que Zeca foi enterrado, e papai ficou lá, capiongo, pelos cantos, sem tirar conversa com os compadres e amigos que vinha lhe desejar os pêsames. O mais que dizia era um sim ou um não, pois é, talvez...

Foi só aquela chuvada mesmo de arromba. Depois, deu uma estiada pra mais de mês. Ficou à mostra, lá no meio da cachoeira seca, uma raiz de oiticica atravessada, onde o anzol do Zeca se enganchou. Parecia que eu via ele lá, pedindo ajuda, sufocando de água. Papai olhava de tal forma que fazia dó só ver os olhos dele.

Até que um dia de manhãzinha, quando olhei pra rede de papai, ela estava desarmada, faltando uma corda. Achei estranho. Procurei pela casa, olhei no quintal, e nada dele. Por que será que ele tinha tirado a corda de rede? Talvez tivesse ido buscar lenha.

Não demorou e mamãe se levantou pra fazer o café. Chamou o pai. E nada. E quando o sol já tava da altura do poleiro, lá se vinha Seu Antônio, das bandas da cachoeira, falou algo pra mãe, que ficou aos gritos com as mãos na cabeça.

Dezembro tá bem aí, despontando de novo. Já escuto as pessoas falando na “magia do natal”. O Neco, o filho do vereador Chico da Tonha, já tá com essa conversa também, de presente na cumbuca e tal. Aí fico pensando: se meu pai tivesse conhecido essa magia, Zeca talvez a tivesse conhecido e eu, provavelmente, saberia o que isso significa e não estaria aqui com esta história triste, tirando a magia do natal de vocês, que pra mim nunca existiu.

Conto escrito por
João Rodrigues

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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