Incerteza de uma Certeza
de Ricardo Jorge Cardoso da Silva
Estava em um treinamento: uma
capacitação para a função de atendente de telemarketing. Não era bem o que eu
queria, mas foi o que me apareceu para ocupar a mente, e talvez me servir para
ganhar algum dinheiro enquanto não surgia algo melhor. Estava desempregado — e
contínuo — desde Março deste mesmo ano, e sem perspectiva de conseguir algum.
O curso me orientava para um ramo
que eu não tinha interesse, tão pouco, tinha experiência, estava angustiado,
pois sabia que não duraria muito tempo nesse tipo de atividade. Uma sensação de
perda de tempo me afligia a todo momento.
Em meio a essa perturbação, enquanto
estava sentado no meu canto, no momento intervalo do curso, chegou aos meus
ouvidos atentos de bisbilhoteiro, uma estória escabrosa. Uma colega de curso
narrativa despreocupada algo ocorrido em um desses belos interiores de Alagoas.
Não costumo dar importância a esses crimes passionais que a mídia tanto adora,
mas esse caso em questão, se destacava pela desmedida brutalidade e impiedade.
Os detalhes do crime foram omitidos, mas mesmo com forma rasa como foi
relatado, a carga emocional do acontecido me fiz sentir-se triste, esgotado,
sinal de que deveria escrever sobre aquilo.
Segundo a minha amiga, o fato havia
ocorrido havia mais de uma década, e até hoje ninguém foi condenado ou preso.
Obviamente, tive que criar a maior parte dos detalhes, mas o crime em si, lamentavelmente ocorreu.
Um rapaz de boa família, daqueles
brancos, roliços, de mãos macias, e que ficam vermelhos quando estão
diretamente ao sol. Sua vida consistia em ir para a faculdade, visitar a noiva,
e participar de festas de interior: vaquejadas e shows. Nada se tinha o que
falar dele, afinal, era de boa índole, tratando mais da sua diversão e da boa
relação com todos aqueles que frequentavam os mesmos lugares que ele próprio:
políticos, fazendeiros, policiais e toda sua parentela. Com isso, o rapaz era
bem-visto pela sociedade, de presença disputada.
Sua mãe, mesmo com a idade, ainda
era uma senhora bonita, e que dos seus muitos casamentos e divórcios recebera
boas terras e uma pensão. Mudara-se de estado, vinda de Sergipe para Alagoas, a
fim de criar seu filho em paz, sem a interferência de qualquer um da família de
um dos seus ex-maridos, afinal era uma mulher forte, independente e audaciosa.
Seu filho tinha um relacionamento
desde a adolescência com uma jovem também de boa família, inclusive haviam
noivado fazia pelos menos dois anos.
O rapaz, como homem que era, e pelos
lugares que andava, não resistia a tentação de outras jovens que eventualmente
cruzavam seu caminho nos inúmeros eventos dos quais ele participava. Quem o
conhecia sabia que ele não rejeitava nada. E foi em um desses incontáveis
relacionamentos que ele conheceu uma certa jovem. Bonita, inteligente, mas era
pobre.
A química entre ele foi tão forte,
que os dois se encontravam escondidos durante a semana, onde ele matava as
aulas do curso de Direito que cursava em Maceió. Meses depois dessa relação
proibida, a jovem surgiu com um teste de gravidez positivo. O rapaz, embora
muito preocupado, dizia assumir a responsabilidade pela gravidez, acalmando a
amante com essa afirmação convicta e empolgada, pois ele era um homem de
palavra.
Depois daquele encontro intenso, não
pelo sexo, mas pelas revelações que ocorreram entre os amantes, o rapaz de
família voltava para casa, e refletia sobre as consequências das suas escolhas.
Chegou a conclusão de que nada seria tão simples quanto parecia, pois sua noiva
não aceitaria as coisas de forma tão pacífica quanto ele imaginava. Melhor
seria recorrer a ajuda de uma pessoa mais experiente: sua mãe.
Durante a madrugada daquele mesmo
dia, o jovem muito aflito acabou relatando a sua mãe a encruzilhada na qual se
encontrava; tratava aquilo tudo como um dilema moral. Mas para sua mãe, o
problema no qual seu único e querido filho havia caído era o antigo golpe da
barriga, aplicado por uma criatura oportunista.
A mãe zelosa e protetora jurou que naquela mesma semana tudo estaria resolvido. Com nada seu filho teria que se preocupar.
Descoberta a jovem golpista que havia enredado o herdeiro, tratou de abordá-la
em ocasião oportuna, onde pôde explicar seu ponto de vista da situação. De imediato,
a garota negou-se a abortar o filho, chegando a jurar que o criaria sem pai, se
necessário.
A dama experiente, vivida,
conhecedora das coisas, não acreditou na fala bonita e acompanhada de lágrimas
da moça. Sabia que o que ela gostaria era de uma pensão, como amantes de
jogadores de futebol que ela vê constantemente na mídia.
O diálogo acabou por aí.
Passada a semana, nada havia se
resolvido como o esperado.
A mãe sabia que em breve acabaria
por aparecer uma indesejada barriga na golpista. E que logo, a jovem estaria à
sua porta exigindo isso ou aquilo deles.
O descontrole da mãe com a situação acabou por atingir em cheio o frágil rapaz. Ela explicou-lhe o problema, apresentou os fatos de forma que ele acabou convicto da solução: um assassinato. Certamente, uma medida exagerada, mas a mãe, com a influência que tinha sobre o rapaz, acabou por responsabilizá-lo de que haveria de dar cabo da sua amante grávida.
Conversando com alguns dos seus amigos importantes, autoridades, que às vezes dividiam a mesa com ela durantes as madrugadas de festa depois das vaquejadas, acabaram por lhe indicar alguém ruim o suficiente que pudesse resolver seu problema. Depois disso, o assunto pareceu ter sido esquecido por causa da bebida.
Aproveitando-se da confiança que a
amante tinha nele, marcou com ela um encontro, onde o rapaz a buscou em uma
esquina, levando-a para conversar em um local mais reservado: levou-a para uma
cilada.
O bandido os aguardava em um sítio
bem afastado da cidade, tão distante e remoto que a maioria dos amigos mais
próximos da família sequer sabia que lhes pertencia.
Assim que desceram da caminhonete,
quando a jovem menos esperava, o assassino surgiu, apanhando-a pelo pescoço e a
jogando no chão. Sacou um revólver, disparando todo seu conteúdo sobre a pobre
mulher. Contudo, nenhuma das munições deflagrou, todas falharam, uma após
outra.
A mulher levantou-se e começou a
correr. O mandante gritou para que o bandido a apanhasse antes que ela se
metesse pela mata.
E assim ele fez.
Avançou para a indefesa mulher que
já corria entre as árvores enquanto gritava por socorro. Aplicou-lhe uma
tesoura nas pernas, esta caiu, perdendo todo o fôlego, batendo com o rosto no
chão. O bandido a manteve na posição em que estava enquanto procurava por algum
objeto que com o qual pudesse bater na vítima presa sob suas mãos e joelhos.
Mas então, o rapaz surgiu,
prestativo, com um rolo de fio e uma chave de fenda: sugeriu um torniquete a
fim de matar a sua amante sem mais demora, em substituição à munição que havia
falhado.
Arrastaram-na, ainda viva e clamando
pela própria vida, para as margens de um riacho que cortava a propriedade. Era
uma área onde se formava uma lagoa repleta de sapos, e se dizia haver até mesmo
jacarés. Ninguém passa perto do lugar.
Nesse mesmo lugar, enrolaram seu
pescoço com um fio elétrico vermelho, prendendo-o na chave de fenda junto da
nuca da vítima que chorava em pânico. Feito isso, o carrasco, assistido pelo
mandante, girou a ferramente de modo a apertar a garganta até a morte.
Não foi rápido, nem preciso e nem
limpo como ensinavam nos filmes. A pequena mulher resignou-se a arranhar,
espernear e estrebuchar. O rapaz, angustiado, por vezes pensava em cancelar o
seu intento, dado o sofrimento da jovem. Mas, após muitas tentativas e erros,
finalmente os movimentos da vítima cessaram enquanto ela cuspiu para fora sua
língua, vermelha como um jambo.
Com aquela tarefa terrível concluída, trataram de amarrar o corpo da pobre em uma barra de ferro e afundá-la na lagoa. Dera meia-noite quando todo o trabalho estava terminado.
O jovem passou a noite acordado,
pensando se tinha falhado em algum ponto na execução do seu plano maléfico.
Esperou até o amanhecer, para revelar a sua mãe o que tinha feito. De imediato,
ela discordou, pois ele, seu único filho, não devia ter participado, em
hipótese alguma daquele homicídio. Porém, o fato já estava consumado, não havia
como mudar nada do que tinha ocorrido na noite anterior. Entretanto, deveria
seu estúpido herdeiro garantir que o corpo nunca aparecesse, e se aparecesse,
que nunca fosse identificado.
Se tratando de identificação, isso
ele não podia garantir. Pois então, buscou por ajuda de um dos seus amigos
“autoridades” que pudesse lhe orientar. O rapaz alegara que havia acabado de
matar um desafeto, e escondera seu cadáver em um lugar isolado. O amigo, de
imediato, quis saber se ele, o assassino, havia descaracterizado o corpo: se
havia retirado digitais e dentes. O criminoso de primeira viagem negou.
Pois então, acabou alertado de que deveria voltar ao local do crime para terminar o trabalho. Além do mais, soube que deveria destruir o corpo, pois sedo ou tarde ele acabaria descoberto, trazendo consigo incalculáveis problemas.
Tentou contato com seu comparsa, mas
o homem havia desaparecido como fumaça. Não podia pedir ajuda a ninguém, a fim
de evitar envolvimento de mais pessoas. Então, esvaziou sua propriedade, dando
folga a todos os empregados. E desesperado, nadou na lagoa por horas até
encontrar a haste de ferro que segurava a morta nas profundezas turvas e
lamacentas da lagoa. O rapaz tentou em vão trazer o enorme volume para as
margens, impossível. Usou sua potente caminhonete a dísel para tal.
O próprio miserável teve de cortar
os dedos gelatinosos do cadáver, tanto dos pés, quanto das mãos, um a um, sem
ajuda. Em seguida, lembrou-se de que deveria destruir o corpo. E depois de
muito refletir, teve uma ideia que julgou ser brilhante.
Transportou o produto do seu crime até um canavial e o queimou com gasolina. Com isso, acreditou que nunca seria ligado ao crime.
A família, livre do indesejado
herdeiro, tratou tão somente de acompanhar o caso de desaparecimento através
dos telejornais da região, e rumores dos curiosos e bisbilhoteiros. Mas então,
depois de exatos quatro dias, um corpo em tão mau estado que não se podia
confirmar seu sexo; tinha em torno do seu pescoço, dando várias voltas, um fio
elétrico; seus dedos foram arrancados, assim como os dentes; fora queimado com
gasolina. Irreconhecível, e mesmo se pudesse, pouco provável que alguém se
dispusesse a tão terrível tarefa.
Não se sabe se foi pela consciência
pesada, ou por medo de serem descobertos, que os culpados deixaram a cidade sem
serem percebidos para nunca mais serem vistos. A única certeza, depois de meses
de investigação foi que o corpo torturado e carbonizado era de uma mulher
grávida, mas impossível de ser identificado dado seu péssimo estado de
conservação.
Os parentes da vítima desaparecida
acabaram diante de um dilema, pois por falta de identificação do corpo, não
quiseram velar a pobre mulher, ainda havia esperança de encontrarem a jovem
desaparecida com vida. Entretanto, havia a possibilidade de permitir que sua
parente fosse enterrada como indigente.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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