O Baile
de Nani Oliveiras
- THIAGO! Quantas vezes tenho que falar pra não andar de meia pela casa? Você faz isso porque não é você quem lava, né? E olha pra mim quando eu estiver falando!
- Tá bom...
- Largue esse celular! TÁ ME OUVINDO?
- Tô, tá bom mãe – Revira os olhos, e torna para
o aparelho.
Pra não pecar, Lúcia
saí, arrastando os chinelos pelos azulejos descombinados, como se cada Havainas
pesasse pelo menos uns 10 quilos.
Thiago se prepara
paro o baile caprichou na colônia, fez a barba que acredita que tem e “emprestou
escondida” a camiseta do irmão mais velho com a promessa que a devolveria antes
que desse falta. Confere o visual pela ultima vez, julga-se sedutor com corte inspirado
no Mc da moda, emoldura a corrente que comprou no camelô e vibra ao lembrar que
Letícia confirmou presença, sai confiante que terá uma noite memorável. E terá.
No ponto de digita:
Mãe, tô ino
Tirou o lixo?
Isqueci
Chega q hs?
Ah, sei lá
Toma cuidado
OK
Quando chega, movimentação.
Meninos observam novinhas nutridas de vida rebolando até o chão, reflexos de
óculos espelhados iluminam os pontos mais escuros, copos coloridos com bebida
barata, umbigo e polpa da bunda de fora. Com narguile na mão alguém enuncia: “Gente!
Selfie!“. Filhos da faxineira e do seu Zé da portaria estampam sorridentes a
fotografia. Foto feita sinaliza os amigos: “Pico cheio! 17 tá foda!”.
Desbravando
caminho entre a multidão Thiago circula. “Ela não pode ter ido embora” - Apanha
o celular.
E aí, tá onde?
Letícia solta um
sorriso tímido - É o Thiago! - “Hmmmm” Amigas urram em coro.
Em frente ao poste
amarelo, e você?
Tô indo aí, blz?
Suave
Ela ajeita o
cabelo, ele caminha enxugando as mãos suadas na calça. Ela endireita a postura,
ele visualiza o tal poste amarelo. Ela finge mexer no celular, ele finge não
ter pressa. Suas retinas se fundem. Thiago e Letícia moram sozinhos aquela
noite. O mundo desacelera numa escala de cinza; a batida sucumbe invadindo suas
almas. Hipnotizado e ao som do pancadão Thiago caminha como se levitasse entre
os corpos dançantes. Eles vão se beijar, claro que vão.
No fundo de seu
consciente Thiago parece ouvir gritos...
- CORRE! É TIRO! – Despertam-no.
Sem ser convidado
o efeito moral invade a festa. Vestido a caráter com seu acessório sádico - “ACABOU
A FESTA NEGADA! ”.
Na entrada para a
viela pessoas amontoam-se. Thiago recebe uma cotovelada no nariz, o caldo jorra
e lava a camiseta do irmão; que a essa altura esqueceu ser emprestada. Encurralado,
sem ter onde sobreviver, ele experimenta a ânsia da morte escorrer pelas suas
cordas vocais ainda em formação e traz de seu âmago um choro que lhe rasga o
peito.
Em pranto, uivando
pela vida, suplicando por Deus, Thiago caí, sem poder se levantar é atropelado
por dezenas, por centenas de jovens comprimidos, deslizando seus corpos no
beco. Carnes moídas de segunda em um moedor.
Ele grita, inutilmente
tenta se levantar más logo é contido pela multidão. Com a cara no asfalto Thiago
vê outros corpos pisoteados. Até acredita ter visto Letícia correndo, más não têm
certeza.
O golpe de um
Mizuno 1000 finda sua vida. Em seu bolso o celular chama, é Lúcia, que escreve
para seu caçula:
Filho, cadê você?
No chão a esmo,
com a sola do tênis que sempre desejou estampada no rosto, Thiago quita o preço
por estar do lado errado do muro.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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