Cine Virtual: Solo Infértil - WebTV - Compartilhar leitura está em nosso DNA

O que Procura?

HOT 3!

Cine Virtual: Solo Infértil

Conto de Selva
Compartilhe:








Sinopse: Dinah é uma pobre mulher negra residente no Morro das Pedras. Sua vida é repleta de desafios. A cor de sua pele torna-se o carimbo para as pedras que tem que remover no cotidiano. Entre chicote e nomes, Dinah representa aquilo que o Brasil república mais reproduziu: o racismo a céu aberto.



Solo Infértil
de Selva

O crioulo pode ser bom, há de ser bom amamentado, educado, regenerado pela liberdade. O escravo é necessariamente mau e inimigo de seu senhor. (Manoel de Macedo)


        O negro tem qualquer coisa de mistura. Quando não na comida, aparece na religião. Faz do sincretismo, mal entendido, uma espécie de bússola da vida. No costumeiro Morro das Pedras, Dinah – esta que será mais um experimento fracassado dos negreiros – importou para si o diploma das crendices dos antigos. Todo tipo de charlatanismo e misticismo que o homem pode encontrar, ou na melhor das hipóteses, desenhar. O triste é que para essa pobre, alimentada pelos chicotes e tapas, creu nos bem dizeres e nos santos aquilo que não os imputava: curar o mal do homem. Bem se sabe que entre o animal e o homem estão as linhas retas dos jesuítas. Não houvesse isso, restaria à barbárie. Esta se faz presente no Morro dos Pedras.

Os cães não trariam tanta repulsa aos judeus quanto os residentes do Morro. Há nas ruas o traço da desapropriação. Vê-se nos rostos gestos dos que não desdenham o vômito dos cães. O céu coberto por urubus dá um tom de destaque. O cheiro do lixo tomava o ar. A lama disputava com o massará a firmeza dos pés daquela gente. Os porcos fuçavam os tambores de lixo. A calçada parecia ser o mais firme traço de civilidade. Mas não demorava muito. Essa estava comprometida. A merda vazava pela tampa da foça. Os meninos pisavam. A mãe gritara – Tira os pé da merda, satanás! – Ali, na imundícia da bosta, os pés do menino sumiam em meio à merda. Para qualquer um, o local seria nauseabundo. O menino com os pés em meio à merda, com o nariz sujo e a barriga alta seria o alerta para distância.

Mas cabe falar de Dinah, a crioula. Não possuía cabelo crespo. Não tinha os santos das macumbas, mas os visitava. Não rodava a baiana. Ora rodava. A negra era desequilibrada do juízo. Os alelos não foram favoráveis. Marx também não. Muito menos Rousseau. O homem é mau, independente do meio. Dinah trocara a boneca pela panela. Os olhos carregam aquela criança mal vivida. Trocou os pés pelas mãos. O vestido de jardineira que  carregara no corpo mostrava o poucos momentos de vaidade. O batom desenhava a boca. Fizera o homem tal estrago. Açoitaram a negra. Não com chicotes de mula, mas com os chicotes do tempo. Esquartejaram-na. A menina não vivera. A jovem, que sonhara com o namorado, fora enterrada com sete sacas de mandioca e uma panela cheia d’água. A fome interrompera. A farinha cobria o prato. A casa de pau a pique não sustentava as redes. A poeira do chão levantava.  A caranguejeira subia. Escondera-se nas palhas. Essas passagens surgiam na crioula. Vultos. Assombros. Despertara ali, em meio à porta. Escutara o caminhão. Este interrompera seus devaneios. Estacionado. O portão que ficara na garagem estava a dez passos da porta que dava entrada para a sala.  O suor descia pelo rosto. Empalidecia. Fizera força com o corpo! Trancara os ferrolhos. Aguentava os socos na porta. Gritava por socorro. Nem os porcos se mexiam. Os vizinhos, agarrados ao muro, viam o velho Francisco chutando a porta. Socara. Mais socos surgiam. O ferrolho rompera. Com a mão erguida, a negra à sua frente era o repouso da mão. Atordoada. Gritos. Choro. Soluços. Os homens agarrados ao muro pulavam. Sustentaram o velho. Dinah corria! Entrara pela cozinha. Fugia pelo quintal. Subia no muro. Chica, a vizinha, estendera o braço para agarrá-la. Sustentara o peso com o ombro. O rosto de Dinah tinha o relevo dos dedos. A assinatura da barbárie.

Barbárie. Essa fiel companheira do dia a dia do homem. Das noites e sonhos; do banho; do casamento; do sogro. Fosse o charlatanismo o mal e o peso sobre o negro... Não... O crioulo. Esse adesivo: a pele. Nela tem qualquer coisa de mistura. Nela repousa o chicote. A história. O lamento. A compra e a venda. A caça e o caçador.  Um pouco do Sexta-feira;  Porto dos navios; dos negreiros, das Senzalas. A pele carrega qualquer mistura. Não basta ser negra. Tem que ser preto. Preto Velho. Preto safado. Preto ladrão. Preto vadio. A pele se tornou um solo. O repouso. O preconceito. Não apenas a natureza, a bruta melanina viva que faz o negro brilhar. O jambo. Tem que haver a barbárie. A pele carrega o Brasil dos coronéis. O Brasil república. Isabel procurou seu exílio com uma pena áurea.

Fosse o charlatanismo o mal sobre o negro... Não era.  

Conto escrito por
Selva

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



Copyright 
© 2021 - WebTV
www.redewtv.com
Todos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução





Compartilhe:

Cine Virtual

Contos Literários

Episódios do Cine Virtual

Livre

Comentários:

0 comentários: