2x13 - Champanhe com Manga e Pipoca com Diamantes
de Paulo Luís Ferreira
É, estava na hora. Após dias de análises e cálculos logísticos, mais uma vez estava pronta para o trabalho. Às dez horas da manhã de uma quinta-feira estava eu diante do espelho, dando os últimos retoques no visual para execução da tarefa para qual estava destinada. Após uma deliciosa noite de amor com um amante provisório que conquistara na noite anterior no bar do hotel, depois de dois dias de caça. Estava exaurida de tanto sexo vigoroso. Mais que necessário para o bom andamento e perfeito desempenho do projeto para qual me programara. Pois, para tal empreitada, é preciso estar serena. Sem ansiedades. Muito menos transpirar luxúria, vestígios da libido. Enfim, com os desejos carnais saciados. Conhecendo-me como me conheço, posso me deparar com algum sex appeal durante a operação e ponha tudo a perder. Daí a importância e a necessidade de sexo as vésperas da empresa pela qual estava determinada. É providencial para evitar a manifestação do cio. Nessas horas a concentração é tudo, nada deve desvirtuar do objetivo.
Para tanto
me vestira com rigor e requinte. Destarte, sem exageros. Botei um vestido um
palmo acima dos joelhos, de faille prêt-à-porter azul turquesa, sapato salto tamanho seis, combinando em
azul da Prússia com relevos de fita branca cristal e bolsa prata. Adornada por joias
de pedras preciosas, porém discretas. Para evitar transtornos desnecessários, –
assalto, por exemplo – a que me propunha.
Assim, nessa composição, e ciente do
aspecto louçã que carregava no semblante, armada do roteiro e da interpretação
exaustivamente ensaiada, adentrei ao palco para ação. Abriam-se as cortinas do
primeiro ato.
Impactei minha entrada com passo firme,
como se numa passarela estivesse. Deslumbrando sobre o brilhante assoalho azul
de mármore turquina. Sob uma iluminação diáfana, translúcida e tênue, compunha
a perfeita e simbiótica harmonia da cenografia.
Somando-se a tudo isso, a excelência do elenco satélite, entre tantos:
os clientes eventuais e as recepcionistas demonstradoras e seus ávidos olhares
de cobiça, perfiladas pôr trás dos seus respectivos balcões. Piso na ribalta
sutil, não obstante, altiva, da famosa e sofisticada joalheria, no também
elegante bairro paulistano dos Jardins.
Encaminho-me direto para o fundo da loja
de encontro ao gerente, o qual me aguardava com hora marcada. Já de pé,
tamborilava com as pontas dos finos e delicados dedos das duas mãos o tampo do
pequeno bureau. Enquanto ele, ágil e
serelepe, num gesto de fina educação, finesse
própria dos profissionais das relações públicas, dava a volta à mesa e
acudia a afastar a cadeira de meio espaldar, laqueada em branco marfim; designer do mais fino bom gosto dos
estetas da indústria “art-décor”, a
me fazer sentar. Eu, esteticamente, inspecionava tudo aquilo que já havia
circunspecionado com esmero. Dei-me ao deleite de ser usufruída pelo insigne
cidadão e suntuoso ambiente. Porquanto, sem óbice.
— Madame...
—
Tália Melpômene...
Observei
claramente seus sentidos. Pressenti o embaralhamento de suas reminiscências.
D’algum melodrama teatral provavelmente. Seus olhos brilhavam de incertezas.
Debalde. Desistiu. Disse-me estar encantado com meu belo nome. E perguntou de
que linhagem eu provinha. É incognoscível. – eu disse. – Em seu semblante
estampou-se um enorme ponto de interrogação. Em ato contínuo de intelecção me
imbui ao que já estava acertado. Determinado. E indaguei para o recepcionista
sobre o motivo de minha visita. Ele prontamente se dispôs ao atendimento,
retirando-se por uns instantes e retornando em seguida com uma cartela de joias
com variadas peças: anéis, colares, tiaras, brincos, broches e pulseiras em
ouro quilate 18/75% e pedras semipreciosas. – era o que parecia à primeira
vista – E com polido esmero declarou ser aquelas as de melhor qualidade que
dispunha. E eu com ar de fria indignação após um simples relance de vista e
perceber tratar-se de mixaria, obstei. E incisiva afastei com as pontas dos
dedos, o mostruário. Deixando um gosto de desonra na fisionomia estupefata do
joalheiro.
—
Acredito que o mister...
—
Alonso Maximiliano. – adiantou-se à minha indagação o vendedor embaraçado.
—
Pois lhe adianto mister Maximiliano que não entendeu o propósito de minha
requisição, ao marcar esta consulta. Fui
clara que desejava adquirir uma joia de valor magnificente. Se não é da
competência da joalheria, poupe-me o tempo...
—
Ó milady pardon! Só mais um
instante... Serei breve. – desculpou-se Maximiliano ressabiado.
E
seguiu para um escritório pôr trás de outras portas. Demorou alguns minutos e
outro tantos segundos. Quando retornou estava visivelmente alterado dos nervos.
Um fio de suor frio escorria-lhe pela rósea maçã do rosto, proveniente da testa
enrugada de tensão. As mãos trêmulas ostentavam um busto de cerâmica marajoara
de cor bordô, que pousou com muito cuidado e cautela sobre o balcão. Lá estava
o objeto de tão cobiçoso desejo e tanto empenho. Um colar esplendoroso. Sobre
minúsculas placas de ouro 24; cravejadas com centenas de diamantes que
fulgurava a visão.
—
Admirável! Sublime! Extraordinário!
Foram
essas minhas expressões de júbilo e regozijo. Foi-me impossível conter-me
diante magnífica obra. Alonso Maximiliano estava compenetrado e feliz com a
grandeza de meu ostensivo arroubo. Adrede. Logo tentou balbuciar algumas
palavras, que saíam tropeçadas, como:
—
Realmente fantástico... Milady... Faz
jus ao colo que lhe assenta, ficará encantadora...
—
Oh não! Digno a quem se destina minha filha que debuta sábado. – disse- lhe eu,
ainda extasiada.
—
Faz gosto, Milady Melpômene. Meus
parabéns. A senhorinha viverá imenso contentamento, tenha a certeza. – disse-me
Alonso cheio de mesuras.
—
Traga-me a cartela dos simples. Também vou me fazer um afago, dar-me-ei um
mino. – disse-lhe cheia de dengo. – Ficarei com o broche morango em rubis e
esmeraldas.
—
Pois sim madame, também faz-se gosto. – repetiu-me a mesmice, o vendedor.
Restabeleci-me
e ordenei que voltasse às joias ao cofre, sacando de três mil dólares em cash. Exigi recibo sobre caução, com as
devidas descriminações das jóias. Acrescentando que no dia seguinte, às treze
horas e dez minutos, estaria presente para a aquisição e posse definitiva das
peças. E que deixasse prontos os documentos de legítima originalidade.
—
Com precisão Milady, prazer e muito
gosto. Até mais ver, passe bem. – despediu-se o joalheiro.
Na
mesma galeria lateral à loja começava o segundo ato da intrínseca trama. Da
teia, apenas soltara o primeiro fio do novelo. Postei-me de frente à porta de
aço escovado. Com o suave vento e o calor dos dedos toquei o número sete
digital a chamar o elevador automático verde-gaio de tom lusco-fusco. No fim do
corredor uma magnífica porta em madeira firme, larga e imponente em brilho de
verniz. Entre os entalhes do conjunto 701, estampava as letras em metal: "Dr.
Fábio Mancuso Psiquiatra". “Plin,
plon...” – toquei o interfone.
—
Boa tarde. A quem devo anunciar? – fala uma voz metálica.
—
Electra. Quero confirmar uma consulta.
—
Pois não, um instante por gentileza. – respondeu a voz de lata. E abre-se a
porta.
Eis
um digno ambiente para loucos. Exalava por todos os poros da sala, cheiros de
jasmim, açucena, mirra e o enjoativo almíscar; cores, quadros, nenúfares,
flores, números, bonecos, palavras, poesias arabescadas e música quadrifônica.
Fundindo e confundindo o ser e o não ser.
Confirmei
a consulta pré-marcada por telefone para o dia seguinte às treze horas e trinta
minutos e deixei o histórico médico com as manias do meu marido, devidamente
catalogadas pelo psiquiatra anterior, onde, cuja cidade, havíamos residido.
Ainda pedi encarecidamente que a secretária transmitisse ao Doutor Mancuso que
tivesse uma paciência especial para com o meu marido, pois ele estava às
vésperas de uma nova crise.
—
Imagine que hoje, saindo do hotel, ele se encontrou com o gerente e
imediatamente passou a lhe cobrar o pagamento de um relógio de ouro 24
quilates, cravejado em brilhante que havia vendido para o gerente noturno;
chegando às raias da agressividade. O que nos vale é sermos hóspedes de longas
datas. Cliente conhecido por todos. Portanto, o gerente aceita a provocação com
generosa paciência, galhardia e bom humor.
—
Ora não se preocupe senhora Electra, Dr. Mancuso é expert nestes tipos de pacientes. A senhora não conhece sua fama? –
fez estas referências com orgulho e amabilidade. – eu só reafirmei com um:
— Oh, claro! Estou apenas pedindo um pouquinho
mais de atenção.
Mais
amável ainda, abraçou-me pelos ombros e me pediu tranquilidade, dizendo que eu
não me preocupasse de maneira nenhuma. Agradeci e adiantei o pagamento de um
mês de tratamento. E salientei mais um adendo, instruindo como se comportar nos
primeiros contatos com meu marido Alonso. Que o recebesse dizendo que o
pagamento estava sendo providenciado pelo banco, com cheque visado, que isso o
tranquilizaria. Loreta se sentiu altamente lisonjeada com o respeito e o valor
que lhe deleguei. E nos despedimos com flébeis beijos de sincera simpatia. E
ainda me fez ouvir, “Similia similibus
curantur”. – fazendo-me reverenciada.
*****
Sob o olhar de sôfrega cobiça na mulher do outro, a plateia
de funcionários e hóspedes assistia atônitos e atoleimados minha travessia
imponente e majestosa pelo saguão do grande hotel. Lotados de pacotes e
sacolas, eu e Macário – meu negrão, recentemente conquistado nas redondezas. –
Era um espadaúdo crioulo nariz de zulu e cabelo rastafári; rastafári por
circunstância e falta de zelo. Era um conhecido catador de papeis do
quarteirão. Por isso iria dá-lhe um trato e comê-lo. Garboso e incontinente
seguiu firme comigo para o elevador. Do elevador para a suíte, perante o olhar
vesgo e incrédulo do ascensorista. Aquela noite estaria livre da garimpagem de
homem. O peixe fora pescado. E dos bons. Então, cheia de blandícia, cortei-lhe
os cabelos com estilo, cortei-lhe as unhas, escovei-lhe os dentes. Tomamos
banho a dois. E fizemos a primeira sessão de sexo, após Macário observar as
curvas de minha pélvis nua. Que, com desejo e exuberante lascívia, me ergue
abrindo-me a libido. No que, logo me entrelaço ao seu corpo másculo, num
lúbrico frenesi devasso sentindo o portentoso, modulado e hiper-ativo
membro! Negra madeira de ébano, falo dos
deuses. Após exaurida de vários orgasmos, sentia-me consumida de morte, devorada,
aberta e esgotada. Ficamos assim, eu e Macário, numa pachorrenta e sonolenta
madorra.
Despertando, fui abrindo as caixas e sacolas, e passei a
cobri-lo com as novas roupas. Vesti-lhe uma calça linho S120 caramelo queimado,
camisa creme amarelinho para realçar a negritude da pele. Enlacei-o num cinto
de couro alemão e de igual quilate, o mocassim marrom. Adornando o pulso, que
pulsava com vivaz energia, um relógio Modaine analógico, pulseira em prata e
ouro. Prontos e engalanados descemos para jantar no bistrô do hotel. Quando se aproximou o garçom. E sem o cerimonial
costumeiro agachou-se ao meu ouvido e em tom confidencioso, disse-me:
— Madame Sherazade, cuidado com esse preto tição. Isto é um
desocupado, um vagabundo, um reles catador de papel. – falou, desmascarando sua
moral insípida, falseada pela infame cupidez. – Fitei-o zombeteira; e também em
tom segredado puxei-lhe pela manga do paletó e disse-lhe na ponta da orelha,
bem ao lóbulo:
— O
senhor sabia que os três mosqueteiros eram quatro?... Não!... Pois é, eu acho
que o vagabundo aqui é você, que vai ao cinema, dorme e não presta atenção no
que vê. Nos sirva pintado na brasa com arroz ao gratin, suflê de batatas e molho tártaro... Eu vou tomar champanhe
e você Macário?... Suco de manga?... Oquei, sirva-nos!
Desprezando
o garçom, voltei-me para Macário e com vivo entusiasmo disse-lhe:
—
Vou transfazer você. Vou torná-lo um
artista plástico, Macário!
Num
misto de susto e sobressalto, Macário respondeu:
—
Mas eu não entendo nada de arte, Joplin... Nada sei!
—
Sabe sim! Vamos conservar merda!
—
Merda!...
—
Só depende de “Savoir-faire eté
savoir-vivre”. Outros já fazem isso. A nossa diferença é que não vamos
deixar à mostra. Vamos enlatar e lacrar. E deixar que o mundo da arte valorize,
espontaneamente. “L’art pour l’art”.
Após
o fausto e saboroso jantar, mais uma noite de amor e êxtase. Orgasmos
múltiplos, exaurindo dores e odores. Sexo impróprio, demolindo tabus desse meu
corpo insano!... Sempre aberto, não há nele um só espaço que não tenha sido
visitado por amante ardente. Meu corpo, o canal que me enleva a alma.
Pela
manhã, se fazia necessária à dispensa do grande amante. O dia seria de outras
tantas emoções. O hotel me concedeu a limusine branco-gelo para meu traslado
pela cidade antes do embarque previsto para o início da tarde. Pois como é de
ciência, tenho dois compromissos inadiáveis. Um na joalheria e outro com o
psiquiatra de meu marido.
Ao
parar cinematograficamente à frente da joalheria com o motorista abrindo-me a
porta ao estilo hollywoodiano, fui
mais uma vez alvo de olhares argutos de uns, e embaçados de outros, ao me verem
adentrar com parcimônia de gestos a reluzente loja de cobiçadas preciosidades.
Contudo
acheguei-me ao gerente, já com aparente fisionomia de impaciência. Que a tempo,
equilibrou o semblante e se fez cortês, adquirindo um inesperado ar lírico. E
prontamente expôs os documentos e os estojos das respectivas jóias. E como é de
direito, conferidos com apurada atenção por ambas as partes, como assim fazia
necessário. Entregando-me o cobiçado fruto de minha cobiça em minhas mãos com
suave delicadeza.
Dando
seguimento, solicitei que o senhor Alonso Maximiliano me acompanhasse
devidamente guarnecido e aparelhado por seus seguranças até o consultório de
meu “esposo” Dr. Fábio Mancuso no sétimo andar do mesmo prédio para a devida
efetivação do pagamento. Sem muitas cerimônias dirigiu-se o cortejo rumo ao
silêncio do elevador verde. Eu, o Sr. Alonso e dois baitas seguranças com mais
ou menos dois metros de altura por um de largura, dois container em forma de
gente. Não obstante, fofos e doces como um tufo de algodão doce.
Mediante
as formalidades das apresentações, evitando os adjetivos: marido, mulher,
esposo etc., usando apenas o necessário para o simples entendimento das partes:
senhor, senhora, doutor, enfim tudo ajustado: o senhor, “meu marido” Alonso
Maximiliano entrou na sala de consulta para sua primeira avaliação médica com
meu “esposo” Dr. Fábio Mancuso. Passo seguinte informei para Loreta que
precisava ir até o banco visar e endossar um cheque. E que assim, passasse o
recado para o meu marido Alonso, caso ele saísse antes que eu voltasse. No
corredor os dois fofos brutamontes, em vão estavam atentos, mal sabendo que o
perigoso e ardiloso novelo desenrolava-se lá dentro.
Porém,
mudando o que deve ser mudado com a devida alteração dos pormenores, sem a
contaminação das pequenas mutretas. Enquanto aguardava o elevador confiei-lhes
minha gratidão enaltecendo o esmero da segurança. Então os agraciei com
duzentos dólares, cem para cada um. E para evitar falsos constrangimentos da
parte deles, fiz questão de enfiar com os meus dedos as notas no bolso das
calças de suas bundas com certo tato sensual. Eles não se fizeram de rogados,
viraram os olhos quase chegando ao orgasmo, visualizando a orgia. Fabricando a
fantasia, cada um a seu modo, com o meu corpo nu sendo o mote principal, claro.
Chegando ao térreo acordaram. Agradeceram com sorrisos e mesuras. E eu acenei
com as pontas dos dedos, um adeusinho para sempre. Os mesmos dedos que haviam
beliscado vossos glúteos.
No aeroporto também despachei limusine e
motorista com uma bela gorjeta. E logo tratei de vestir o figurino da vez:
boné, camiseta e jaleco do Projeto “Selva, Selva para Sempre Verde”.
O
maior inconveniente foi desvencilhar-me dos estrambóticos estojos. As joias,
dissimuladamente, estavam convivendo harmoniosamente com um gostoso saco de
pipocas bem quentinhas, embebida na manteiga. Da qual sem o menor sentido de
egoísmo deliciei-me e ofereci a todos sem restrição. A recepcionista do balcão
da empresa aérea aceitou, no entanto, ficou constrangida devido o encharcamento
da manteiga. Depois de escolher com os olhos catou uma e agradeceu disfarçando
contentamento.
No
portão de embarque, o fiscal, sem cerimônia, fez uma concha com as mãos, e eu
emborquei a seu gosto, fazendo uma melequeira de sal e manteiga, deixando-o com
cara de asco. Desculpei-me e segui pela esteira rolante saboreando minha pipoca
amanteigada até a aeronave com destino a Manaus. Na entrada da aeronave o
comissário conferiu o bilhete:
— Madame Ômega?...
— Alfa Ômega?... Quer pipoca?... Não?!... É com diamantes
lapidados.
— Mui gracias!... Boa viagem.
Respirei
fundo, quando instalada em minha poltrona e contemplei a ponta da asa do avião
que reverberava os intensos reflexos de minha mente. E admirei o grande palco
que é São Paulo. E agradeci visualizando a última cena a se desenrolar na
delegacia do Jardim Paulista onde o quiproquó estava armado sobre os ingênuos
coadjuvantes da trama: o joalheiro Alonso, o psiquiatra Mancuso, a secretária
Loreta e os dois fofos e tarados guardas de seguranças. Cuja teia ataria a
urdidura final, dando cabo e fechando o enredo. Com a protagonista noutro
palco, do outro lado da história e do Brasil. Na longínqua aldeia dos
Uaimiri-atroari às margens do Solimões entre os afluentes Jauaperi e Camanaú no
Alto Amazônia. Onde iria fumar o cachimbo da paz com o amigo e pajé Urandi.
Viverei um bom tempo reclusa de mim mesma até
desanuviar, fazer dissipar as negras nuvens que empretejam minha astuciosa,
irrequieta e buliçosa mente feminina e aproveitarei para desopilar o fígado e
limpar a vista desse mundão poluído. Enquanto ressono, imagino um hipotético
diálogo entre a intrépida trupe de cômicos personagens que, como tantos outros,
povoam minhas intricadas conspirações.
—
Pois não, qual a queixa? – pergunta o delegado passando um fio dental entre os
dentes da enorme queixada.
— A mulher dele... –
acusa o joalheiro Alonso, suando frio.
— Sua mulher!... –
defende-se o Dr. Mancuso.
—
Na verdade, Senhor Delegado, a mulher dos dois... – tenta apaziguar Loreta, a
secretária.
— Como? – quer saber, o
delegado.
—
O que nós temos a dizer Senhor, Doutor Delegado, é que... Falam os dois
seguranças em uníssono, tentando ajudar.
— É, doutor...
— Eu...
— ?...
— !...
— Nós...
— Fomos...
— Enganados...
— Vocês são cornos, é
isso?
— O senhor não
entendeu, doutor...
— É o seguinte...
— Como?
Bruno Olsen
Cristina Ravela
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