2x14 - Crime na Rua da Paz
de Dom Brasil
1
“Eu não sou masoquista, mas gosto de uns tapinhas,” ela me disse.
Você pode achar estranho
ouvir este tipo de frase de uma mulher que você acabou de conhecer mas,
acredite, é ótimo após três de meses de seca e doido para ter um relacionamento
normal com alguém.
Tudo começou quando meu
amigo Jonas me ligou dizendo que queria me apresentar uma amiga. Eu fiquei
empolgado, pois ele conhecia meus gostos e eu tinha certeza de que ela seria
uma gata. A única coisa que me incomodava era a diferença de idade. Eu era 14
anos mais velho. Mas, calma, isso não quer dizer que eu tinha 20 e ela 6, claro
que não. Eu não sou um doente que gosta de criancinhas. Tenho nojo deste tipo
de animal. Após uns dias, achei que ter 40 não me fazia um velho diante de uma
garota de 26. Então, topei o encontro.
Combinamos dela ir em
minha casa, na Rua da Paz em Curitiba,
numa sexta-feira às 20 horas. Tudo era para ser perfeito, pois o prédio é
tranquilo, com poucos moradores formados apenas por homens, imaginei que eu
teria um pouco de paz e privacidade. Pois, acredite, nas sextas-feiras, um
prédio onde só tem homens, normalmente fica vazio entre 19 horas e meia noite.
Isso é normal e todos sabem onde eles estão: caçando.
Quando ela chegou e
apertou o interfone, meu coração disparou. É engraçado como alguém, mesmo na
minha idade, ainda sente aquele calafrio da emoção correndo gelado pelo corpo.
Faz você sentir-se jovem novamente. Chegar aos 40 é meio emblemático. Você é
muito jovem para morrer, mas muito velho para renascer. Então, eu estava
sentindo uma montanha de sentimentos que já nem me lembrava a sensação.
Fui até a portaria
recebê-la pessoalmente. Ela estava linda, usava um vestido preto, colado ao
corpo e eu pude ver sua perfeição. Era muito mais linda do que eu esperava.
“Oi. Entre.” disse pra
ela. O sorriso que ela me deu foi arrebatador. Lindos dentes brancos e
brilhantes que se destacavam naquele lábio negro.
“Obrigada.”
Enquanto entrávamos, eu
sabia que estaria com uma dívida perpétua com meu amigo Jonas. Ele acertou em
cheio e eu seria eternamente grato. Que
gata, pensei. E acredito que ela tenha ouvido meu pensamento, pois me olhou
e deu um sorriso que me deixou vermelho. Empolgação do momento, acredito.
Não preciso dizer que
nos entendemos muito bem naquela noite. E ainda, poderia até dizer que teria
sido fantástico, se os acontecimentos finais não tivessem sido tenebrosos,
violentos e macabros. Ainda chego a arrepiar quando começo contar esta história.
Fui do céu ao inferno em apenas 3 horas, literalmente. Algumas coisas são
confusas ainda, mas o que aconteceu naquela noite eu nem desejo tentar
entender, apenas esquecer.
Após satisfazermos
nossas necessidades carnais e pecadoras, conversamos por uns instantes e decidi
tomar um banho. A noite seria longa e eu queria renovar minhas energias, aliás,
eu não tinha nenhum interesse de deixá-la ir embora tão cedo, se chegasse a ir.
Liguei o chuveiro. Ele
fazia muito barulho como se tivesse uma colmeia furiosa dentro dele. Zunia e
tremia enquanto a água quente caía sobre meu corpo. Me sentia relaxado naquele
momento, e não era por menos, a garota, Sheila, havia me extraído toda a
energia acumulada ao longo dos três meses de solidão. Eu estava radiante.
Durante o banho,
enquanto a água caía e aquecia minhas costas, eu ouvi um grito, mas achei que
era no apartamento acima do meu. O vizinho era barulhento e não media muito
suas atitudes quando chegava em casa. Eu estava acostumado com isso. Então, não
levei muito a sério aquela algazarra. Mas tudo mudou quando alguém deu um chute
na porta do banheiro e a fez bater com força na parede. Eu levei um susto e
quase caí dentro do box. Quando olhei para a porta, um policial enorme me
apontava uma arma e me mandou deitar.
“Deita, vagabundo! Deita aí, agora!” - Ele gritava. Eu
deitei com aquela arma apontada pra mim. Pelado e exposto como um feto naquele
estreito espaço. O policial jogou a toalha e mandou eu me cobrir. Lá fora eu
ouvi uma mulher gritar. “Meu Deus, que desgraça.”
Logo em seguida, outro policial apareceu na porta. Ele
também carregava uma arma na altura do peito, preparado para apontar e atirar.
“Quem mais está na casa?” um deles perguntou.
“Ninguém. Só eu e a Sheila.” respondi com a voz
trêmula.
“Vá verificar.” disse o policial que me apontava a
arma para o outro. Vi que ele seguiu em direção ao corredor e, em poucos
segundos, retornou. “Nada.”
“Levante-se!” ordenou. “Devagar.” - Sua arma brilhava
e me encarava pronta pra cuspir bala. Eu levantei, minhas pernas tremiam, parte
por medo, parte pelo frio que entrava violento pela porta. Lá fora, algumas
pessoas murmuravam.
“Venha até a sala.” falou o policial enquanto abria
espaço para eu passar.
Quando saí, o que vi nunca mais sairá da minha cabeça.
Acredito que ninguém deveria passar por uma cena tenebrosa daquelas. Sheila
estava caída na porta. A metade do corpo pra fora do apartamento. Uma grande
poça de sangue espalhada em volta dela. Sua cabeça tinha sido esmagada. Um material muito pesado, disse um dos
policiais, tinha sido a arma do crime. O golpe (ou golpes) foi tão violento que
tinha sangue espalhado nas paredes e no teto, a 3 metros de altura.
Ela estava de bruço e seu vestido levantado até a
cintura, mostrando todas as suas partes íntimas nuas. Aquela menina linda, que
há pouco sorria pra mim e que eu pensei que repetiríamos aquele encontro muitas
vezes, estava no chão, esmagada e imóvel. Sheila estava morta e eu era o
principal e único suspeito.
Aqui começou minha jornada rumo ao inferno. Saí das
asas do anjo e caí no colo do capeta, como costumamos dizer. A viagem até o
inferno era lenta e dolorosa e eu pude sentir cada momento com extrema dor e
pesar.
2
Um dos policiais veio com um lençol e cobriu o corpo
dela e mandou os curiosos se afastarem. Tinha várias pessoas no corredor.
Alguns conversavam entre si e outros torciam o pescoço para me ver, tentando
vislumbrar o animal que havia feito aquela barbárie. Eu me senti acuado e,
apesar do medo e da vergonha, minha mente viajava durante as últimas horas,
quando vi aquele sorriso lindo entrar pela portaria. Era inacreditável que ele
aquilo tivesse acontecido. Eu estava em choque.
“Posso vestir alguma
coisa?” perguntei para o policial que apontava a arma. Ele me olhou com fúria
como seu eu fosse um verme a ser pisado e massacrado. Tenho quase certeza que
ele me espancaria se não tivessem tantos curiosos acompanhando os
acontecimentos.
“Fique quieto. Estamos
esperando a Civil.”
O clima era pesado. As pessoas murmuravam e o único
som que quebrava o silêncio vinha dos rádios dos policiais. Do outro lado do
rádio, uma voz calma dava instruções em código para eles.
“O que aconteceu? Meu Deus.” perguntei ao policial.
“Melhor ficar em
silêncio. O sr terá tempo para nos dizer o que houve.”
“Como assim? Eu quem quero saber o que houve.”
O povo dispersou e três policiais sem uniforme
entraram. Um deles velho e com um enorme bigode, me olhou com desprezo e
observou o corpo estendido. Os outros tiraram o lençol e começaram a tirar
fotos. Depois de um tempo, viraram o corpo dela e eu consegui ver uma das
piores cenas da minha vida. Seus dois olhos haviam estourados e estavam
grudados no piso. Um filete de sangue, já preto, escorria pelos buracos
deixados no rosto. Ela estava irreconhecível.
“O que houve aqui?” perguntou o bigodudo.
“Eu não sei.”
Ele foi até o policial que me apontava a arma e falou
alguma coisa em seu ouvido. Não consegui entender o que era, mas a verdade veio
logo em seguida. Ele foi até o quarto e pegou um par de roupas. Jogou sobre mim
e falou com ar tirânico.
“Vista-se! O sr está preso por suspeita de
assassinato. Tudo o que disser….”, não ouvi nada após isso. Desmaiei.
3
Acordei numa sala fria com grades. Eu não sou um
estúpido, e logo percebi que estava preso. Do outro lado do corredor, uma cela
lotada de presos me encarava. Nunca pensei que a faculdade me trouxesse algum
benefício especial, mas estava feliz por estar em uma cela particular. Somente
depois me disseram que me colocaram ali para evitar que os outros presos me
matassem. Não gostam muito de covardes, disseram.
A noite foi longa e não consegui pregar os olhos.
Sentia como se um mundo de curiosos me observasse prestes a me arrancar o
coração. Eles depois o comeriam e saudariam os seus deuses. Lugar tenebroso de
se estar.
Já havia amanhecido quando um policial veio me buscar.
Abriu a cela e me puxou pelo corredor. Minhas mãos algemadas para trás e meus
pés descalços me fizeram perambular como se estivesse bêbado. Me senti como se
fosse puxado por uma carroça.
Chegamos numa sala pequena, pouco iluminada, e no
centro dela tinha uma mesa com três cadeiras. O policial me jogou em uma delas
e pouco depois dois homens entraram. Um deles de terno e gravata. O outro, um
velho barrigudo com bigodes cobrindo toda a boca eu já havia visto. Era o mesmo
que havia me mandado prender..
“Eu
sou o Investigador Bugatti,”, disse o bigodudo. “Esse é Dr Flausino, seu
advogado.” falou apontando o homem de gravata. O advogado confirmou com a
cabeça.
“Então, me diga,” começou o bigodudo, “o que aconteceu
ontem a noite?”. Falou enquanto colocava um bloco de notas sobre a mesa.
“Eu não sei.” respondi. “Meu Deus, que coisa
horrível.”
“Horrível, de fato.” falou o policial. O de gravata
apenas ouvia. “Por que o Sr matou a garota?”
“Como é que é? Por que eu matei a Sheila? O sr está
doido? Eu jamais faria isso.”
“Não é que o vimos ontem,” falou calmo, “nem é o que
as circunstâncias mostram.” O engravatado me olhava curioso.
Eu comecei a chorar. “A gente estava tendo uma noite
linda, perfeita,...” - o bigodudo me interrompeu.
“Calma, Sr Roberto. Não precisa ficar assim. Nós
sabemos o que aconteceu. Na hora, durante o fato, o Sr perdeu a cabeça e agora
a culpa está martelando sua consciência. É normal se sentir mal depois de tudo
o que aconteceu.”
“Eu não estou com peso na consciência. Estou triste
por ela. Ela estava tão feliz, tão linda… vocês precisam descobrir quem fez
isso com ela.”
“Sim, Sr Roberto. É o que estamos fazendo. Deixa eu
contar o que acho que aconteceu. O Sr precisa apenas confirmar.” - Pegou o
bloco de notas e virou umas páginas. - “O Sr marcou o encontro com a garota e
depois de algum momento, que eu não sei ainda qual foi, ela o rejeitou. O sr
não gostou, pois isso feriu seus sentimentos de macho, iniciou-se uma
discussão, o Sr a violentou e, quando ela tentou fugir do seu controle, a
golpeou.”
“O sr está maluco? De onde tirou essas idéias? Eu sou
a vítima aqui. Eu também poderia ter sido morto.”
“ Mas não está, não é mesmo?”, me encarou, “apenas uma
linda e jovem garota foi assassinada. O Sr me parece muito bem.”
“Olha aqui seu…”, olhei para o advogado. Ele
permanecia em silêncio. Eu não sou advogado, mas acredito que ele deveria estar
ali para me defender, ouvir o meu relato da situação, mas sua inércia me deixou
furioso. Olhei para ele como se perguntasse: e daí, vai me ajudar ou não?, mas
ele nada fez. Encarou-me como fizeram os policiais.
“Não adianta olhar pra ele, Sr Roberto. Sou eu quem
estou fazendo as perguntas.” - Falou ríspido.” O sr vai continuar com esta
lenga-lenga de que não fez nada?” - Levantou. O advogado o seguiu. “Isso será
muito pior para o sr. Voltaremos a conversar em breve. Repense qual caminho vai
seguir” - Saíram.
Depois de um tempo, um policial me puxou para a cela
gelada.
Dois dias depois, descobri que aquele advogado era um
policial disfarçado que queria acompanhar o depoimento. Eu não sabia que isso
era ilegal até então. Deveria saber.
4
“As provas são contundentes contra o sr.” disse o meu
advogado, o verdadeiro. “Baseado na descrição da cena do crime, como o Sr
estava, a posição da vítima, o nível de violência, acredito que a única saída é
o Sr se declarar culpado e evitar um julgamento que possa piorar as coisas.” -
Foi direto e frio com uma navalha em dias de inverno.
“Como assim, Dr? O Sr não quer ouvir o que eu tenho a
dizer? Que porra é essa? Eu não matei ninguém. O verdadeiro culpado está por
aí, livre e solto.”
“Sr Roberto,” interrompeu o advogado, “deixe-me
explicar uma coisa. A jovem foi assassinada brutalmente em seu apartamento.
Tinha marcas de tortura em suas costas e nádegas, sinais de que houve violência
física e sexual. O sr tem arranhões em suas costas e peitos, claramente era a vítima
tentando se defender.”
Pensei na frase que Sheila me disse quando as coisas
começaram a rolar naquele dia: “Eu não
sou masoquista, mas gosto de uns tapas.” Lembro que adorei a ideia de um
sexo selvagem. Os tapas e arranhões foram violentos, mas prazerosos.
“Mas foi ela quem pediu que eu lhe desse uns tapas,” -
me defendi. “Ela disse que gostava de um sexo selvagem e eu só fiz o que ela
pediu. Isso é crime?”
“Bom, Sr Roberto, quando a pessoa que o Sr diz é
encontrada espancada, com o rosto dilacerado e com marcas pelo corpo, eu diria
que qualquer um assumiria que é, sim, um crime.” - O advogado me olhava com
desdém e deveria pensar as piores coisas sobre mim. Depois de um tempo eu
também comecei a duvidar de algumas coisas.
“E, para piorar,” continuou, “O sr foi tomar banho. Um
indício claro de que estava tentando esconder as marcas do crime, vestígios de
sangue, etc. Só não entendo porque o Sr deixou a moça caída em sua porta, local
onde qualquer um poderia encontrá-la.”. Fez uma pausa. “Mas, no calor do
momento, muitas pessoas cometem crimes desajustados e acabam fazendo algo que
as denuncie. Só que seu erro foi crasso. Talvez o Sr imaginasse que o prédio
estivesse vazio e que ninguém apareceria por alguns momentos. Isso lhe daria
tempo de tomar banho e voltar para limpar sua sujeira.”
“Calor do momento, vocês gostam de repetir isso, não é
mesmo?” - protestei. “Eu não matei aquela garota. Juro que não matei. Você tem
de acreditar em mim. Quando fui ao banheiro, ela estava sentadinha na sala.” -
Comecei a chorar novamente.
O advogado se levantou e me observou por um momento.
Pegou sua pasta e foi até a porta. “Dr Baldo,” falei. Ele se virou e me
encarou.
“Nos vemos em dois dias.” Fechou a porta.
5
O dia passa devagar quando se está preso. Não tem muito
o que fazer, a não ser ficar pensando no que você fez ou deveria ter feito. As
imagens vêm e vão a cada instante e chega um momento que você começa a duvidar
se tudo aquilo aconteceu de fato. Cheguei até a me perguntar se não havia sido
eu mesmo? E se eu apaguei em algum momento e pratiquei aquele ato demoníaco? E
se…
Os presos em frente gritavam quando eu,
involuntariamente, virava para eles. Viam isso como uma afronta.
“Calma, valentão, daqui uns dias você vem pra cá. Daí
conversaremos de perto. Não é galera?” falava um dos presos. Seus olhos
refletiam a maldade e o prazer que ele teria quando eu fosse jogado ali. Nos
primeiros dias eu fiquei tentando imaginar o que poderiam fazer comigo, mas
depois de um tempo, eles mesmos começaram a passar a lista de atividades que me
aguardava. “Vamos te dar um bocetão para você comer, não é Jumento?”. Jumento
era um negro alto e gordo. Ele aparecia na grade e tirava o pau pra fora e
dizia. “Olha o bucetão que te aguarda.” E todos riam. Alguns batiam na grade enferrujada.
Aquilo me fez tremer por completo. No quinto dia, os meus demônios estavam mais
calmos e eu até já conseguia me ver sendo enrabado pelo Jumento.
Os dias eram lentos e pareciam ter mais de 24 horas.
Chorei e solucei baixinho.
6
“Levante,” disse um policial em frente a cela. “Você
vai sair hoje.”
Eu cocei os olhos para ver se não estava sonhando. Do
chão, aquele policial parecia um anjo me chamando para o paraíso e atrás dele,
aquela cela cheia de presos, parecia a boca do inferno com seus demônios
tentando me agarrar e puxar pra dentro.
Eu levantei rápido e quando entrei no corredor, vi o
Dr Baldo me esperando. Tinha a mesma cara de desânimo e descrença de alguns
dias atrás. Pensei que ele não deveria ter nenhum tipo de empolgação quando um
de seus clientes era considerado inocente. Que satisfação deve ter um homem que
só vê culpa quando deveria, no mínimo, se deixar enganar?
Ele ajudou o policial abrir o portão de ferro e acenou
para eu ir adiante. Eu segui, ele logo atrás de mim. Carregava uma folha em sua
mão direita. Antes de sairmos da delegacia, alguns policiais me olharam com
desdém e continuaram a fazer seu trabalho.
“Esse é o seu alvará de soltura,” disse o Dr Baldo.
“Carregue contigo sempre, até que o processo seja arquivado.” - Seu rosto
parecia um túmulo mal cuidado e eu não ficaria surpreso se um pombo voasse
sobre nós e cagasse em sua cabeça. É bem possível que ele deixasse a bosta
escorregar e secar sobre sua careca sem brilho.
Acenei que sim e perguntei: “Conseguiram prender quem
fez isso? “
“Parece-me que sim.” respondeu sem muita empolgação.
“O mais importante é que você está livre. Só vou te dar uma sugestão.”
“Sim, Dr.”
“Não volte para o seu apartamento por uns tempos. As
pessoas custam a acreditar que o inocente é, de verdade, inocente, entende?” -
Falou com uma expressão que parecia, de longe, se preocupar. “Depois de
machada, a roupa branca nunca volta a brilhar. Entendo que eu quero dizer?”
“Acho que sim.” Ele entrou na delegacia. Tinha mais
dois culpados para atender.
7
Como o culpado foi descoberto ainda é um mistério pra
mim, mas o que me disseram, algum tempo depois, é que, naquela noite, aconteceu
o seguinte:
Quando Sheila chegou ao meu apartamento e apertou o
interfone, alguém apareceu na janela do terceiro andar. Um vizinho que eu não
conhecia, pois ele havia se mudado há pouco tempo para o prédio. Esse vizinho,
descobriram depois, era um caso antigo da garota morta e ela tinha algumas
queixas contra ele na polícia.
Parece que a Morte cria seus próprios atalhos para
alcançar seus objetivos. Para Sheila, o atalho foi meu apartamento.
Após o assassinato, um dos policiais, Investigador
Florêncio (aquele que tinha tirado as fotos do corpo, lembra?), percebeu que
algumas gotas de sangue haviam sido recém-limpadas. Ao seguir estas pequenas
manchas no dia seguinte, percebeu que elas subiam pela escada para os andares
superiores.
Ele pensou: Porque alguém mata uma pessoa e, em vez de
fugir, vai tomar banho? E, além disso, por que sobe as escadas se seria muito
mais fácil descer e fugir pela escadaria?
Ele levou esta questão ao Investigador Bugatti e
começaram a investigar. Dois dias depois, arrombaram o apartamento 306 e
encontraram um jovem sem camisa esticado no sofá. Seu nome era Bruno Mendes e
ele havia cortado a garganta. A faca estava caída ao seu lado, com uma mancha
negra de sangue em suas bordas. O apartamento fedia a carne podre.
Ele devia estar morto há um dia, pelo menos, pensaram
os policiais. No banheiro, enrolado em uma camiseta, encontraram um martelo com
sangue ressecado e tufos de cabelo. Após uma rápida análise, perceberam que era
o cabelo de Sheila.
Isso que fez com que eu fosse excluído da lista de
suspeitos.
Parece que este jovem, Bruno, nutria um amor doentio
pela garota, e que, após sua recusa em reatar e abrir um boletim de ocorrência
contra ele, decidiu tomar uma atitude final sobre o caso. Se não ficar comigo,
não ficará com ninguém. Pensamento machista, mas que leva muitas vidas para o
cemitério ainda hoje.
Quando ele viu Sheila chegar aquela noite, e conversar comigo, deve ter
ficado sentado em seu sofá, imaginando tudo o que ela estaria fazendo com outro
homem, bem embaixo dele e não aguentou tamanha dor e desprezo. Decidiu dar um
fim nela e quem quer que estivesse ali.
Bruno Mendes desceu as escadas, aproveitou que o
prédio estava vazio e colocou em prática o seu plano. Com o martelo em uma das
mãos, bateu na porta (deve ter sido o barulho que eu ouvi e achei que era o
vizinho de cima). Quando Sheila abriu a porta, - imagino que ela ter hesitado
em abrir, mas acabou decidindo por atender - deu de cara com a morte. Ela deve
ter gritado e, nesse momento, o criminoso puxou-a pelo cabelo, fazendo ela cair
entre a porta e o corredor, desferindo as marteladas fatais.
Após o ato, e temendo que eu saísse do banheiro e
visse o crime, tirou a camisa, e subiu a escada limpando o sangue que deixava
pra trás. Daí esperou tudo acontecer.
Bom, pelo menos essa foi a explicação que me deram.
Achei que alguma coisa não estivesse bem explicada, mas toda vez que eu pensava
nisso, me lembrava do sorriso dela. Então, decidi parar de pensar e deixar a
vida seguir o seu fluxo normal.
Prometi nunca mais levar uma pessoa desconhecida para
casa, sem conhecer o seu passado ou sem ter um mínimo de segurança sobre com
quem estou me relacionando.
Mas, já faz um tempo que estou na seca e Jonas me
ligou dizendo que…
Bruno Olsen
Cristina Ravela
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