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Antologia Nosso Amor: 1x07 - Maria Rosa

Conto escrito por Lauanda Meirielle dos Santos
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Sinopse: Maria Rosa é a moça mais estudada e mais bonita da cidade de Goianésia / Goiás. Ela tem o sonho de ser médica. A família apoia o sonho enviando-lhe para a capital, Goiânia. Lá ela conhece a si mesmo e também uma outra moça que participa da guerrilha do Araguaia, Joana.


1x07 - Maria Rosa
de Lauanda Meirielle dos Santos

Era uma cidade no interior de Goiás, lugar calmo e tranquilo. Os moradores habituaram-se a sentar na porta de casa e trocar aquela prosa goiana. O assunto variava, podendo ser o clima, as previsões se ia dar chuva eram diárias ou a missa de domingo e o sermão do padre na igreja e, também, assuntar um pouco sobre a vida do vizinho.

A vida era calma e pacata na cidade de Goianésia, ali ninguém trancava a porta na hora de dormir e os moradores dormiam um sono tranquilo e o único susto era quando o galo cantava pela madrugada. Indicando o novo amanhecer.

Havia uma menina-moça de uns dezessete ou dezoito anos. Bonita que só. Ela morava nas terras de um tal sinhor onde seu pai era lavrador. Uma vez ao mês a bela moça vinha passear na cidade. Enquanto a mãe trocava milho pelo artigo de primeira necessidade da família, a menina olhava a cidade com espanto. Sua pele era morena, seu cabelo longo e liso tinha fios grossos que lhe desciam pela cintura. Usava sempre o mesmo vestido que havia herdado de sua irmã mais velha. 

As ruas eram de uma terra vermelha e quando passava uma carroça a pó subia formando uma nuvem vermelha. Atrás das carroças vinha a molecada correndo feito doido. A moça bonita via a passagem da carroça com curiosidade quem será que estava passando por ali?

Era um jovem moço muito bonito, filho do dono da fábrica de sapatos da cidade. O menino vestia uma espécie de paletó cor cinza muito de moda naquele tempo. Sorriu quando viu a moça, ela desviou o olhar e voltar a acompanhar a mãe. Não lhe interessava os rapazes.

Chegando em casa ajudou a mãe a armazenar a comida que havia trazido da cidade, chegou ao alpendre e sentada fixava os olhos na terra vermelha que trazia nos pés. De longe avistou que lá vinha seu pai com a enxada nas costas e com o pito na boca. Gotejava suor pelo rosto do velho homem depois de uma tarde arando a terra.

O pai timidamente aproxima e senta-se ao seu lado.

-       Maria Rosa chegó nos meu ouvido que o fio do seu Jorge quer casá com ocê. Ocê tá sabendo de alguma coisa, fia?

-       Tô não, pai. O senhor sabe que eu não proseio com os moço da cidade e nem os daqui da roça.

O pai calou-se sabia que era verdade. Maria Rosa não era namoradeira e era a moça mais estudada daquelas roças. O pai fuma vagarosamente seu cigarro de palha feito em puro fumo com cuidado.

-       O que é que ocê qué mia fia?

-       Eu quero ser doutora.

Naquele tempo, nos anos 1970 ainda usava-se o doutor e não o médico. O pai preocupava-se: como poderia a filha de um simples lavrador estudar com os filhos dos ricos e ao mesmo tempo sentia orgulho, não veria a filha queimando a cacunga no sol pra arar a terra dos outros.

No dia seguinte o pai não foi pra roça, levantou-se tomou um gole de café preto sem açúcar, pôs o chapéu e calçou sua botina amarela, arreou o cavalo e foi-se para a cidade. Em casa todas as filhas esperavam ansiosas pelo pai, ninguém sabia seus planos, contudo, todos já sabiam que o filho do Jorge pediria Maria Rosa em casamento. No decorrer do dia duas comadres foram visitar, perguntavam sobre a chuva e sobre os sacos de milho. Rodeavam de assunto em assunto com a intenção de perguntar quando seria o casamento. 

A pobre mãe que tampouco estava a par do pedido preocupava-se com o marido ao qual não sabia o paradeiro e com a filha que se trancou no quarto ao saber da ausência do pai. Sem nenhuma novidade para acrescentar ao burburinho que corria na cidade as comadres foram embora.

Pouco antes do entardecer Maria Rosa deitada sobre o saco de arroz cheio de palha que lhe servia de cama, escuta o relinchar do cavalo que vem pela estrada. Em silêncio o seu corpo estremece. Escuta o pai apear do cavalo. Permanece em silêncio enquanto os passos pai vão em direção a casa.

-       Fia, Maria Rosa, fia! Vem cá que ocê não vai acreditar.

A mãe sentada no alpendre adormecida pela espera do marido assusta-se.

-       O que que foi? Que aconteceu? Uai, como que ocê sai sem dar notícia?

Lá vem Maria Rosa que tentava caminhar, mas pelo nervosismo não lhe obedeciam às pernas.

-       O senhor chamou?

-       Fia, ocê vai ser doutora.

A menina fica em silêncio, a casa toda tenta entender aquela frase.

-       Doutora? E pobre tem lá … - A mãe foi interrompida.

            O pai que não conseguia sentar tamanha felicidade havia ido na cidade conversar com a professora e inscreveu a filha para estudar medicina na capital. Cabia então a filha passar na prova. A professora mesmo se encarregaria das aulas de Maria Rosa. Nessa noite a casa estava em festa, sentaram-se todos na mesa a comer o frango que a mãe havia matado. 

A felicidade tomava conta da casa, naquela noite nem o pai e nem Maria Rosa puderam dormir.

No seguinte começava-se as aulas, Maria Rosa levantou antes dos galos e aprontou-se com seu vestido, o pai timidamente lhe oferece um presente. Um caderno e um lápis novinho. Maria Rosa guarda seus poucos e preciosos objetos na capanga e vai pra cidade. Em casa as irmãs substituem a falta de Maria Rosa nos afazeres domésticos. Quando Maria Rosa está em casa todos ficam em silêncio para não atrapalhar nos estudos e para moça a mãe reserva todas as velas da casa, para que ela possa ler seus livros quando só há o breu.

No dia da prova o pai consegue com o político que foi pra capital a passagem do ônibus para que Maria Rosa vá fazer a prova. A menina sobe no ônibus e despede da família que chora. Os vizinhos espiam pela janela aquele desfecho. Maria Rosa faz a prova e retorna ao seio da família onde com ansiedade espera alguma notícia.

O compadre, tio da menina conta na cidade que aquela menina vale ouro e não lhe faltam adjetivos “num é qualquer moço que o compadre vai aceitá, essa menina é a mais bonita e inteligente da cidade”. Todos concordam. Maria Rosa deveria casar-se com um doutorzinho da capital.

***

 

-       Passou! Passou!  Escutou-se a professora que lá da estrada gritava.

-       Bendito seja Deus. Louvado seja. Gritou a mãe quem vinha com as saias arribadas na coxa. Vinha correndo do córrego quando escutou a professora gritar a boa nova.

Maria Rosa debruçou-se no alpendre para escutar a gritaria na estrada. Quando viu a mãe saltou de alegria e foi correndo contar pro pai que estava na roça. O pai que já vinha afobado ao escutar os gritos deixou a enxada pra trás. Só importava-lhe estar com a família.

Naquele dia a casa ficou cheia. Ralaram cinco sacos de milho para fazer pamonha e celebraram com a radiola que o compadre trouxe. Os dias transcorrem muito rápido. Organiza-se tudo e chega o dia em que a família ansiosa leva Maria Rosa à rodoviária.

A mãe costurou-lhe três vestidos entregando-os cuidadosamente engomados. A irmã mais velha ajeita uma marmita para que não sinta fome na estrada. O pai ansioso tem os olhos fixos no bilhete do ônibus. A única palavra que consegue distinguir é Goiânia. Finge ler o bilhete detenidamente para que a filha não se envergonhe de seus poucos estudos. Antes de embarcar Maria Rosa chora, abraça a mãe e beija o pai.

A cidade toda vê o ônibus sair, em festa celebram os moradores da pequena cidade. O pai todo pancoso não se cansa de contar que a filha é tão inteligente que vai estudar na capital. “Sai uma menina, volta uma doutora” emociona-se com suas próprias palavras.

A Capital é linda, inspirada em Art Déco, é a primeira vez que Maria Rosa vê um cinema e um teatro, a jovem moça fica encantada com a magia da noite goianiense.

O pai agora trabalha em dobro. As irmãs começaram a trabalhar de lavadeiras. A mãe faz costura para as senhoras ricas da cidade. O objetivo é um só: enviar a Maria Rosa dinheiro para que possa estudar tranquila. Na pequena cidade todos sentem um pouco de protagonismo na história da menina.

Maria Rosa está encantada com a universidade e com todo o conhecimento que agora possui. Sente que a vida vai transformando-se. Um dia saindo da aula de anatomia, ela escuta uma voz feminina no pátio da faculdade. É uma jovem do curso de ciências sociais que grita “abaixo a ditadura” outros estudantes acompanham o grito.

Maria Rosa observa aquela jovem de cabelos curtos, camiseta vermelha e uns tênis velhos. Maria Rosa volta-se a observar seus pés e lembra-se de quando eles carregavam aquela poeira vermelha.

Decide rodear os estudantes a fim de olhá-la. A jovem percebe os olhos atentos de Maria Rosa e sorri. Ao final de um longo discurso todos aplaudem.

Maria Rita em um canto do pátio observa a jovem aproximar-se.

-       Meu nome é Joana.

-       Maria Rosa.

Maria Rosa sente o calor subir em seu corpo, junto a ele surgem algumas dúvidas. Sente medo. Ela respira devagar. Olha os olhos de Joana. São os olhos mais lindos de todo Goiás.

Seis meses depois entre abraços e beijos as duas vão para a kitnet de Joana. É a primeira vez que Maria Rosa amava alguém. No dia seguinte enquanto Joana prepara café Maria Rosa observa os livros ali guardados. Encontra Pablo Neruda, Paulo Freire e Karl Marx. Ao ver esse último seu corpo estremece. Joana a vê empalidecer e diz

-       Vai dizer que tem medo de comunista? - Ri Joana.

Maria Rosa fica em silêncio.

Pega o livro do Paulo Freire e começa a ler. Devora aquelas palavras. Passa a ir todos os dias na casa de sua namorada, onde primeiro fazem amor e depois planejam a guerra. Os dias passam e Maria Rosa cada vez mais apaixona-se por Joana, pela medicina e por política.

Nas férias Maria Rosa vai à casa e é recebida com festa na cidade. O pai mata dois porcos e feliz abraça a filha. A noite quando todos já foram e a família está recolhida, o pai conversa com Maria Rosa.

-       Fia, fico tão preocupado com ocê sozinha lá longe.

Maria Rosa estremece é a hora de contar-lhe a verdade. Respira profundamente e observa o pai pitar o cigarro de palha armado com tanto esmero.

-       Não estou só.

Tanto tempo na capital fez com que Maria Rosa perdera um pouco o sotaque interiorano.

-       Ocê pode me contar o que quiser.

-       Eu amo outra mulher.

O pai fica em silêncio. Pita, tosse e volta a pitar. Maria Rosa retoma o assunto.

-       Seu nome é Joana.

O pai continua em silêncio, não esperava uma resposta assim de sua filha. Refletiu Maria Rosa é “muié” e ama outra igual a ela. Será que é pecado? Ele pensa. Ambos veem a mesa posta onde horas antes a família celebrava. O pai pensa e decide romper o angustiante silêncio.

-       Ama de amar? Ou ama de ser amiga?

-       Amo de amar, pai. Amo que me enche o peito.

-       O padre nunca vai lhe dar bença. - Diz severamente o pai

-       E quem precisa da bênção dele?

O pai riu. “Eita menina que é ligera”...

-       Ocê pode não ter a bença dele...mas se servi de alguma cosa ocê tem a minha.

Maria Rosa chorou abraçada ao pai. A mãe calou-se por uma semana inteira, não se conformava com que Maria Rosa não lhe desse um neto. As irmãs em silêncio a viam com admiração.

Quando acaba as férias Maria Rosa volta pra Goiânia, ansiosa para rever seu amor. Joana não aparece. Três dias depois Maria Rosa não consegue conter a aflição. Joana aparece de madrugada, bate suavemente na porta com a esperança que Maria Rosa não sentisse o toque.

Maria Rosa que há muito não pregava os olhos, saltou da cama. E ao reconhecer Joana abraçou-lhe forte. Joana afasta bruscamente seu corpo e olha-lhe aos olhos.

Joana tem pouco tempo para despedidas e conta rapidamente que se unirá a Guerrilha do Araguaia, a partir de então não terá o mesmo nome tampouco poderá levar amores no peito. As palavras saem como enxurrada. Joana que não havia preparado discurso surpreende-se com as palavras ditas. Maria Rosa não reage. Joana beija-lhe a bochecha e sente a lágrima quente que começa a escorrer dos olhos de sua amada.

Maria Rosa chora por um mês completo. Distrai-se facilmente nas aulas e começa a fumar. O temor que carrega pela a vida de sua amada lhe consome. Todos os dias ela lê os jornais em busca de uma foto ou uma pista. Será que Joana ainda lembra-se dela? Pergunta-se todos os dias.

***

 

Do outro lado do estado está Joana que entre palavras revolucionárias e fuzis todas as noites abraça o travesseiro em busca do cheiro de Maria Rosa. Passados dois anos ela decide escrever uma carta, escolhe as palavras e depois de ler e reler centenas de vezes, decide enviá-la. Cautelosamente sai do acampamento, nenhum companheiro pode saber de seus planos.

No caminho para os correios um homem aponta-lhe um revólver e pede para que o acompanhe.

***

 

A família toda se reúne. Todas as irmãs levam vestidos novos passados com muito zelo. A mãe chora emocionada quando chamam o nome de sua filha. O pai segura o chapéu entre as mãos, olha para o chão e envergonha-se de sua botina amarela. Comprou um paletó novo para a ocasião esquecendo-se dos sapatos.

A filha aparece, a família fica em pé em júbilo. Aplaudem e gritam.

-       Fia, nóis tá aqui. - Grita a mãe no meio da multidão.

Maria Rosa acena, pega o diploma e senta para esperar o fim da cerimônia. Quando a cerimônia acaba Maria Rosa entrega o diploma aos pais.

-       Não pertence a mim. É de vocês. - Diz Maria Rosa emocionando a toda família.

Entre abraços o fotógrafo contratado pelo pai tenta registrar o momento. Maria Rosa percebe ao longe uma sombra que esgueira-se pelas cortinas. Aquele corpo e cabelos curtos...

-       Joana?

Maria Rosa aproxima-se. Abraça rapidamente, quer dar-lhe um beijo, porém ali não se podem beijar. Apesar do escuro ela consegue ver os hematomas que Joana carrega no rosto. Preocupa-se. E com as mãos tenta curá-los. É insuportável pensar na dor da pessoa amada.

Joana conta-lhe seus últimos meses. Foi presa, acusada de terrorismo e torturada na prisão. Seu pai tinha um contato importante em Brasília e a envia para o exílio.

Maria Rosa tremia e viu que de longe a família a observava com curiosidade. O pai ainda segurava seu diploma enquanto buscava entender a situação. 

Joana se foi.

Maria Rosa uniu-se outra vez a família, chorosa abraçou o pai.

-       É ela? - Perguntou-lhe a mãe.

-       Não se preocupe, mãe. Ela vai viver no exterior.

A mãe olhou a filha. Percebendo-a desfalecida em tristeza. Aquela mulher tão forte agora parecia-lhe frágil. Respirou. Deu-lhe um abraço apertado e sussurrou em seu ouvido.

-       De que vale vivé sem amor? Os filhos num são dos pais, são do mundo. Se ela faz ocê feliz e eu vó tá tranquila.

***

 

Anos depois a família recebe uma carta. Mandam chamar a irmã mais velha que vivia na fazenda vizinha. Ela veio e leu a carta em silêncio.  Depois em voz alta.

Maria Rosa faleceu na França nos braços de sua amada Joana. Tinha alguns bens que deixava a família. Dinheiro suficiente para que o pai comprasse uma terrinha na Vila Propício. Antes de morrer escreveu uma carta aos pais. Aqui comparto-lhe um trecho:

 

Lutei por igualdade. Para que nenhum patrão pudesse explorar seus lavradores. Não venci a batalha...mas ao menos deixo a vocês uma pequena porção de terra para que a família não siga submetendo-se ao latifúndio goiano.

Mamãe e papai recordo-lhes que o verdadeiro doutor é aquele que sabe de onde vem a comida que está em seu prato.

Com orgulho de quem sou e de quem vocês são eu me despeço do mundo.

Adeus.

Conto escrito por
Lauanda Meirielle dos Santos

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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Sinopse: Após receber o resultado do vestibular de medicina, Luis se prepara para dar os primeiros passos em direção a uma vida mais autônoma e livre, na universidade. O destino reservou um novo desafio, ficar longe de Mari, Camila e Bella, suas melhores amigas do ensino médio. Mesmo com a distância, eles prometeram nunca perder o contato e aproveitar os momentos juntos, como se fossem os últimos dias de suas vidas. Apesar de tantas coisas novas, alguns problemas do passado continuam afetando sua autoestima: a insegurança, a virgindade e o medo de ser rejeitado. Porém, o ano não vai acabar sem, ao menos, deixar um pequeno marco para apimentar a noite de despedida.


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