3x02 - Operação Farinha
de H Tavares
- Não me interessa. Eu tô pouco me fodendo pra
imprensa e direitos humanos. Faz o que tem que ser feito.
- Positivo, Barata. – Respondi.
Bora, Camargo, falei quando saí da sala. O
corredor da delegacia era mal iluminado e cinza. Quando abri a porta da entrada,
vários flashes e câmeras se voltaram em minha direção. Os repórteres pareciam
urubus e eu, carniça. O traficante de nome Dieguinho R.C. é considerado
foragido e as buscas já foram iniciadas, falei brevemente pra uma mulher de
cabelos ruivos segurando um microfone.
Quando entramos na delegacia, a primeira coisa
que o Camargo falou foi:
- E se esse filho da puta já tiver pulado fora
de Belém desde ontem? Uma hora dessas ele pode estar no Amapá, na Guiana,
porra. Como tu prometes pro delegado que a gente vai quebrar o cara hoje,
caralho?
- Eu sei o que eu tô fazendo, Camargo. Já
falei. Eu vou arriar esse cara hoje.
- Não tem mágica, não, Neto. A gente passou a
madrugada inteira atrás desse bosta e nada. Já foram três denúncias e porra
nenhuma. Quem te garante que essa vai dar em alguma coisa?
- A gente vai averiguar essa porra.
Girei a chave duas vezes até conseguir a
ignição do motor. Trancos vinham da lataria. A viatura surrada. Exigem um puta
trabalho da gente mas corporação tá na merda há anos. Semana passada o Silvio
foi pra uma missão só com a bala na agulha. Deu sorte de não ter ido pro buraco
mais cedo. Essa é a realidade da segurança pública no Pará. Seguimos pela
Conselheiro até a esquina com a Doutor Moraes. É essa casa aqui, falei. Desci
com a pistola em punho. A residência era mal pintada de branco, com uma janela
de madeira na frente. A grama queimada rodeava o local. Uma mureta baixa
separava a casa da calçada. Fiz sinal pro Camargo cobrir a entrada e segui pros
fundos. Caminhei com passos leves. Cheguei em uma porta bege desbotada. Dei
dois passos pra trás e meti o pé na tranca. A porta cedeu. Um jovem de cabelo
tingido que estava no fogão levantou as mãos quase chorando. Já entreguei, já
entreguei, tu sabes, tentou argumentar. O disparo atingiu pouco acima da
sobrancelha. O sangue respingou nas panelas. O Camargo entrou ofegante chamando
meu nome. Que porra é essa? O cara tava armado?, perguntou Camargo. Tava,
falei, e disparei duas vezes. Ele caiu afogado pelo sangue com duas perfurações
no tórax. Limpei com uma flanela o revólver de vagabundo, e pus próximo à mão
do corpo no chão do viciado. Dei uma geral na casa. Recolhi pasta base de
cocaína, balanças de precisão e todo o aparato químico. Saí com dois sacos de
lixo. Acomodei-os no carona e liguei o carro. Os mesmos trancos vindos de trás.
Acendi um cigarro e dei a partida. O céu estava
nublado e o vento gélido. No rumo do Utinga, percebi pelo retrovisor que um
corsa azul marinho me acompanhara há um tempo. Mudei o caminho e dei a volta em
quarteirões diferentes. O corsa fez o mesmo trajeto. Parado no semáforo, olhei
com calma no retrovisor forçando a vista. Só havia o motorista no veículo,
usava boné preto e óculos escuro. Fiz a curva em uma rua pequena e deserta.
Desacelerei até frear. O corsa tentou encostar mas eu desci bruscamente
empunhando a pistola. Mão na cabeça, mão na cabeça, porra, eu disse. O sujeito
levantou as mãos pedindo calma. Quando cheguei mais perto, reconheci quem era.
Isaías Feitosa, fotografozinho de merda metido a investigador.
- Tá seguindo polícia, mermão?!
- A rua é pública. Tô só exercendo meu direito
de ir e vir.
Baixei a
pistola e me aproximei da janela. Sobre o banco do carona, filmes fotográficos
e câmeras analógicas. Filho da puta.
- Desce do
carro. – Falei.
- Não vou
descer. Não sou obrigado a nada. – E ameaçou engatar a marcha. Larguei a mão
pela janela mesmo. O soco atingiu o nariz e logo começou a escorrer sangue até
o queixo. Tu não podes fazer isso, isso é abuso de autoridade, ele gritava.
Pela abertura do vidro, destravei e abri a porta. Puxei-o com dificuldade e o
coloquei de bruços no chão. O joelho sobre a coluna. Peguei a algema e agrupei
as duas mãos. Tu estás preso por desacato, falei, por falar. Joguei-o no banco
traseiro da viatura e dei mais alguns sopapos. Voltei no corsa, recolhi
câmeras, filmes e papéis. Depois, encostei o carro em uma vaga e liguei pro
Freitas.
- Freitas,
Ricardo falando. Vou precisar dos teus serviços. Isso. É manutenção num
corsinha azul, ano 91. Tá parado aqui na Perebebuí. Bronca no escapamento. É,
isso mesmo. Depois a gente se acerta.
Voltei pro
carro. Isaías tinha a gola da camisa manchada de sangue e enchia a porra do
saco pra falar com advogado. Liguei o carro e dirigi pela Primeiro de Dezembro.
Antes de chegar no parque, entrei numa ruela à direita. Segui por um beco
estreito que mal passava a viatura. Parei em frente à casa do sargento. Buzinei
duas vezes discretamente. O sargento saiu. Olhou com receio pro Isaías, depois
observou a rua em um plano mais aberto, como se procurasse alguém. Puxou um
portão preto de correr e fez sinal pra eu entrar com a viatura. Que isso,
porra?! Me leva pra delegacia, pra delegacia, gritava Isaías. Desci do carro.
- Ordem do
governador. Tem que encerrar a operação hoje.
- Cadê o
Camargo? – Perguntou Macedo, olhando pra viatura.
- Já foi
pro saco. Ele e o Dedé já tá resolvido.
- E quem é
esse bosta aí?
- É a
porra do Isaías. Fotografozinho de merda que tava me seguindo. Vai pro saco
também.
- Porra, Neto, esse cara não tava no pacote.
Pode dar merda.
- Tu
queres que eu faça o quê? Ele viu tudo lá na distribuição. Não dá pra liberar.
Macedo fez
uma expressão de insatisfação e entrou na casa. Saiu pouco tempo depois com um
fio de aço em mãos. Bora logo, o governador vai chamar a coletiva hoje à tarde,
disse Macedo. Ele se dirigiu a viatura e abriu a porta. Fez sinal pro Isaías
descer. Isaías saiu com o rosto estressado. O Neto vai entrar em contato com o
teu advogado, falou Macedo. Isaías deu passos trêmulos em minha direção e
Macedo, de supetão, laçou o pescoço do fotógrafo com o cabo e os dois foram ao
chão. Os olhos de Isaías saltaram e ficaram extremamente vermelhos. Ele parecia
tentar vomitar e não conseguir. Até que o corpo ficou rígido. O único movimento
era no dedo mindinho inquieto. Macedo se levantou, limpando a camisa
empoeirada. Puxou o corpo pelas pernas para dentro da casa. Fui em direção à
viatura. Os trancos eram mais fortes. Abri a mala. Dieguinho R.C. estava
amarrado e amordaçado fazendo movimentos bruscos com as pernas. O rosto com um
inchaço muito grande no olho esquerdo. Sangue endurecido no nariz e na boca.
Puxei-o e o joguei no chão. Tirei a mordaça. Ele tossiu e puxou o ar com força.
- Que
porra é essa, Neto? O Hélio me conhece, tu vais te foder... – A voz fraca e
insegura.
- Tu
tinhas tudo, parceiro. Polícia do teu lado, gente usando pra caralho, tudo que
tu precisavas. Aí tu fostes querer sacanear o governador em ano de eleição? Tu
vais pro bueiro, cara.
- Eu vou
abrir a boca, vai todo mundo pro xilindró...
- Eu vou
te dizer o que vai acontecer: tu vais pro saco e ninguém vai dar por falta. O
governador vai se reeleger. Mais quatro anos no comando. E algum bosta vai
assumir a boca. Acabou.
- Eu vou
foder com todo...
Disparei
antes que ele terminasse de falar. O som ecoou na manhã silenciosa. Macedo saiu
pela porta com cautela. Porra, faz mais barulho da próxima vez, falou pra mim.
Tá no saco, respondi.
Liguei a
viatura e dirigi até o centro. O rádio sintonizado tocava Heróis da
Resistência. Encostei na praça Brasil e pedi um guaraná, sem castanha, por
gentileza. Peguei o telefone e disquei pro Barata.
- Barata?
Já foi feito. Já, sim. Tudo certo. Daqui a pouco tô indo pra delegacia com as
evidências.
Às quatro
da tarde daquele dia o governador Hélio Barbosa convocou uma coletiva de
imprensa. Quando cheguei, o centro de convenções estava lotado. Jornalistas com
crachás, câmeras com cabos compridos, flashes, aquela cagada. Senti até um
alívio de não ser o alvo. No foco das atenções, uma mesa larga branca. O
governador usava um terno preto e tinha o semblante de herói. Ao lado dele,
Barata tomava água com o olhar tedioso. Hélio se aproximou do microfone e
começou:
- Boa tarde a todos. Eu queria, primeiramente, agradecer – ele tinha a voz grave e franzia a testa sempre que discursava – o povo paraense. O povo paraense, essa gente guerreira, essa gente que vai à luta todos os dias, pela confiança depositava em mim. Estamos chegando ao fim do meu primeiro mandato e eu convoquei essa coletiva para prestar contas com você, cidadão – os gestos enfáticos cada vez mais caricatos. Na minha campanha, um dos pontos que eu mais destaquei foi a segurança pública. O estado do Pará que, infelizmente, ocupou posições terríveis, eu digo aqui, posições inaceitáveis durante a gestão passada no número de homicídios. Cidadãos do bem, pais e mães de família, trabalhadores! Que perderam suas vidas para a violência urbana. Por isso, eu venho aqui informar que a Operação Farinha, a qual foi deflagrada início do mês, foi encerrada com sucesso hoje. Onde eu realço a apreensão de mais de 12 quilos de pasta base de cocaína e aparatos químicos que faziam parte de um laboratório para fabricação de entorpecentes. Também agradeço ao delegado Joaquim Barata – o Barata olhou brevemente com cara de cu pra ele – pelo excepcional trabalho de inteligência e investigação. É o governo do Pará trabalhando juntamente com a polícia civil em prol da segurança pública. Por fim, com muito pesar e tristeza, eu me solidarizo com a família do agente Fabrício Camargo, o qual foi abatido durante a operação. Um verdadeiro herói, que será condecorado com honraria máxima pela coragem e bravura demonstrada em campo de batalha. E que final do ano, com o apoio do povo paraense nas urnas, nós possamos dar continuidade no exemplar trabalho que vem sendo desenvolvido. Muito obrigado a todos.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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