3x04 - O Delegado e o Ladrão
de Evandro Nunes
—
Delegado — falou o agente Rogério, entrando apressado no gabinete. — Acabou de
acontecer um homicídio na Avenida Guajajaras!
—
Foi um latrocínio, delegado — completou outro agente que acabara de entrar,
ficando ao lado daquele que anunciara o crime.
O
delegado Abimael levantou-se, pegou a pistola na gaveta de sua mesa e a colocou
na cintura, às costas, e passou pelos agentes, chamando-os.
—
Vamos lá! Essa bandidagem não nos dá folga!
A
viatura policial partiu da delegacia do Tirirical, bairro de São Luís do
Maranhão, com destino ao local do fato ocorrido. Seguiram descrevendo linhas
sinuosas pelo meio do trânsito caótico da Avenida Guajajaras, sirene ligada, e
em poucos minutos paravam na cena do crime. Com uma freada brusca, o carro
afastou os curiosos e os policiais desceram da viatura, apressados, e já foram
isolando a área com uma fita amarela, deixando as pessoas a uma distância
adequada para os trabalhos da perícia, que não tardaria a chegar.
Com
a presença dos policiais, uns, curiosos de novidades; outros, ávidos de contar
o que viram, começaram a falar ao mesmo tempo. As vozes eram agudas,
discordantes.
—
Foram dois ladrões! — afirmava uma senhora aparentando nervosismo e
gesticulando ao falar. — E levaram a moto dele.
—
De minha banca eu percebi que o rapaz aí, reagiu — completava uma vendedora
ambulante que fazia ponto defronte ao sinal onde ocorrera o assassinato.
Pelo
comportamento das pessoas, o latrocínio comoveu aqueles que trabalhavam nas
imediações, deixando-os com uma sensação de insegurança, e os curiosos em torno
do morto mudava a toda hora. Horas depois o corpo foi recolhido pelo rabecão do
IML e pouco a pouco as pessoas foram se retirando e retomando as suas
atividades.
O
Dr. Abimael morava próximo ao seu local de trabalho. Com poucos minutos ele
chegava a sua casa na Avenida Santos Dumont. Era uma casa de classe média, mas
a todo tempo vigiada por agentes de sua delegacia. A mulher desse delegado era
uma senhora pretensiosa e com fumaças de nobreza; professora universitária na
UFMA, e o casal tinha apenas um filho: um menino sapeca que vivia atanazando a
vida de sua babá. Ele tinha ojeriza particular às empregadas. Já na meninice
fez coisas de causar espanto e com três anos de idade o pestinha já havia
provocado à demissão de quase uma dezena de empregadas domésticas. Quando esse
menino enveredou pela adolescência, venceu rapidamente o ensino médio e logo
bateu à porta de uma faculdade. Foi estudar as leis e seguir carreira análoga à
do pai. Mas essa dedicação aos estudos teve vida curta e logo ele trancava a
matrícula com várias cadeiras reprovadas, pois o diploma de bacharel não tinha
grande solução para a sua inteligência mais propensa a vadiagem.
Os
estudos eram o ponto negro de sua vida, o seu desgosto.
Agora
as mesadas saídas do bolso de seu pai, eram afogadas nos copos de bebida e
queimadas nos cigarros de maconha. Com o passar do tempo, estavam se
transformando em pó. O seu pai foi obrigado a riscar de suas obrigações mensais
esse ônus.
Depois
de tudo isso acontecendo dentro de casa, o delegado e sua esposa há muito já
haviam perdido o controle sobre o filho, e até a última empregada fora demitida
pelo sumiço de algumas joias da professora. Mas o delegado sabia o que estava
acontecendo dentro de sua casa, entretanto não podia afirmar nada sem ter
certeza. Precisava apenas de tempo para pôr a mão no verdadeiro suspeito pelo
sumiço de tantos objetos valiosos.
—
Pai, a minha mesada do mês está atrasada — reclamava o filho do delegado.
—
Meu filho, a fonte secou — respondeu-lhe o pai. — Você vai ter que trabalhar
para sustentar essa sua vadiagem. Nem estudar quer mais!
Invadido
por uma raiva repentina, o mancebo levantou-se e quase derrubando a cadeira,
bateu com o punho na mesa, disse um palavrão, correu para o seu quarto e
trancou-se.
A
sua mãe saindo do banheiro e assustada com a discussão vinda da sala, sentou-se
ao lado do marido que estava com a cabeça caída nos braços cruzados sobre a
mesa, esperando a respiração se acalmar e raciocinar alguma coisa.
—
O que houve entre vocês dois? — perguntou a professora.
— Nada que não fosse o previsto — respondeu o
delegado. — Nosso filho está perdido, e a demissão da nossa última empregada
foi injusta.
—
Como chegaste a essa conclusão?
—
Esse rapaz é um usuário de drogas. Nós descobrimos isso com alguns meses de
investigação. Mas vamos esperar como ele vai se comportar daqui para frente sem
a mesada e sem trabalhar.
A
professora levantou-se, caminhou desorientada dentro da sala e depois se jogou
no sofá, confusa. Após retomar o fôlego, continuou:
—
Foi o que ele sempre procurou. Acho que não tivemos culpa no destino tomado por
esse menino. Educação foi dada até demais. Talvez tenhamos cometido erro ao
dar-lhe carinho e luxo em excesso.
O
Dr. Abimael apenas ouvia as lamentações de sua esposa e tamborilava com os
dedos sobre a mesa, ao mesmo tempo em que contemplava o teto e as paredes.
Dias
depois dessa discussão, o filho do delegado juntou os seus trapos, colocou tudo
numa mala e na calada da noite fugiu de casa. Foi morar num barraco na
periferia da cidade com os traficantes que o aliciaram. Perdeu-se para sempre o
filho do delegado e da professora universitária.
Foi
num bairro violento que o filho do delegado foi morar. Era um amontoado de becos
estreitos e imundos, carregados de ladrões, traficantes, prostitutas feridentas
e bêbados.
—
Estamos sem marola, sem farinha e sem carvão — dizia um bandido que estava
sentado a um canto da parede.
—
Doutor, temos como pegar um bagulho na tua casa hoje à noite? — perguntou outro
bandido.
Doutor
foi como ficou conhecido o filho do delegado no meio da bandidagem, devido a
sua rápida passagem pelo curso de advocacia não concluído.
—
Acho que tenho como resolver esse problema — respondeu com muita convicção o
“Doutor”.
E
ficaram bebendo numa espelunca até o anoitecer.
Quando
a noite cobria toda a cidade, antes de ficar muito tarde, pois o “doutor” sabia
a hora de seus pais retornarem para casa, quatro bandidos pularam num bugre e
partiram apressados para a Avenida Santos Dumont, para a casa dos pais de
“doutor”. Estacionaram bruscamente sobre a calçada, e quando foram rendidos
pelos agentes que faziam a segurança da casa, o “doutor” levantou-se dizendo
que iria pegar só alguns objetos que esquecera ali, e foi entrando na casa
acompanhado de outros dois comparsas. Um ficou no volante do bugre, olhando
cinicamente para os agentes que se recolhiam, cabisbaixos, para o terraço da
casa. Minutos depois saíram os três carregados de eletrodomésticos, sem complicações.
No
dia seguinte o delegado substituiu os seguranças de sua casa, pois o seu filho
conseguira roubar notebook, televisão, tablets, dinheiro e algumas joias.
—
Se o seu filho vier aqui de novo, devemos prendê-lo? — perguntou um agente.
—
É só não o deixar entrar — respondeu o delegado.
No
Coroadinho, era esse o bairro onde o “doutor” se escondia, a bandidagem fazia a
festa com o dinheiro obtido com a venda dos objetos roubados da casa do
delegado. Só que eles tomados de uma faminta empolgação, devoravam tudo em
muito pouco tempo, e depois de jogarem a última moeda no bolso do bodegueiro,
teriam que correr atrás de outras moedas. O que não seria muito difícil para o
bando de delinquentes.
Depois
de toda a farra desfrutada com o dinheiro dessa última apropriação indevida, e
com os bolsos virados para cima, o bando do qual o “doutor” fazia parte, na
manhã seguinte se reuniram na casa de uma rapariga de um deles para traçarem o
plano de um novo assalto. Nesse encontro tentaram convencer o “doutor” a investir
de novo na sua casa, limpando o que restou de valor. Mas o “doutor” os
convenceu de que agora as dificuldades seriam maiores, pois o seu pai sabia que
fora ele que havia levado quase tudo de casa e até a segurança havia sido
trocada.
Os comentários haviam circulado a esse
respeito.
Só
que contrários aos argumentos do “doutor”, os bandidos o convenceram a voltar a
sua casa, e minutos depois o bugre entrava novamente na Avenida Santos Dumont.
Ao aproximar-se da casa do doutor, os meliantes perceberam que o clima não
estava nada favorável para uma invasão e decidiram passar direto, sendo
observados pelos seguranças, que se posicionaram na calçada com as armas em
punho.
O
bugre passou pela casa do delegado e seguiu em direção ao INCRA, parando no
estacionamento do Banco do Brasil. Não desceram de imediato, ficaram ainda
alguns minutos discutindo como iriam recuperar o plano perdido daquela noite.
Eram
quatro bandidos naquele bugre. Dentre eles, o filho do delegado.
Depois
de muita discussão, os quatro desceram do carro e disfarçadamente atravessaram
a rua em direção ao INCRA. Um foi pelo portão de entrada, onde havia uma
guarita, e os outros três se espalharam pela calçada e depois pularam o muro.
Dentro da repartição os quatro estavam juntos e invadiram o prédio. Mas, atrás
deles, no portão de entrada, ficara um vigilante imóvel em sua guarita, ainda
sentado, com o pescoço jogado para trás e com uma ferida na garganta jorrando
sangue.
Eles
entraram no prédio, e como não conheciam os corredores e não sabiam como chegar
à sala do superintendente, foram abrindo aos chutes todas as portas que surgiam
à frente.
Ainda
estavam no térreo quando o alarme suou na delegacia do Tirirical.
Lá
dentro eles não perceberam que haviam acionado o alarme e continuaram limpando
as salas por onde passavam. Com os malotes achados em cada sala visitada, foram
enchendo de eletrônicos e arrastando-os pelos corredores. Quando já estavam
preparando-se para fugir daquela roubalheira, suou na avenida a sirene
espalhafatosa da polícia. Era o delegado Abimael e seus comandados que acabavam
de chegar. A polícia militar também foi acionada, mas o comando da operação
estava com o Dr. Abimael.
A
polícia invadiu o prédio sem nenhuma intenção de prender os meliantes; eles
chegaram determinados a matar, e assim fizeram. Cautelosamente foram entrando
no prédio e vasculhando os corredores. E já na primeira escada, derrubaram com
vários tiros um meliante que descia com um malote às costas. Foram subindo... E
encontraram outro bandido que ao vê-los, jogou o malote no chão e levantou as
mãos, rendendo-se. Esse também foi crivado de balas e ficou ali mesmo, caído
sobre uma poça de sangue. Um terceiro foi encontrado no banheiro, sentado no
vaso sanitário cobrindo o rosto com as mãos, chorando. Um agente puxou a
cortina do chuveiro, fechando-a em volta do vaso e ordenou aos colegas que
estavam à porta, que fizessem com que aquela sombra por trás da cortina parasse
de chorar. E os tiros se repetiram, deixando a cortina esburacada. O quarto
bandido conseguiu fugir para o andar de cima. Mas este o delegado Abimael
seguiu subindo as escadas até a sala onde o meliante se achava. Parou diante da
porta, ofegante, pois havia subido vários lances de escada, e antes de chutá-la
para entrar, ficou olhando-a, e nesse momento o seu peito apertou, o seu
diafragma ficou contraído, invadido por uma sensação de ansiedade. Depois desse
desconforto repentino, tomou coragem e chutou a porta. Adentrando o quarto,
quando por pouco não atirou no meliante; se contendo, abaixou a arma.
Surpreendido pela chegada imprevista do delegado, o ladrão se rendeu. Estático,
o rapaz ajoelhou-se aos pés de seu pai, juntou os punhos, e colocando-os ao
alcance do delegado, esperou, chorando, as algemas.
Após
alguns minutos de silêncio, o delegado com os olhos marejados, tomado por amor
e carinho, foi até a janela, e escancarando-a, deu dois tiros para fora, a
esmo. E antes de deixar a sala, chegou ao lado de seu filho, repousou as mãos
em seus ombros e beijou-lhe a testa.
Depois
saiu rapidamente da sala.
O delegado Abimael foi descendo as escadas e
no caminho encontrou dois agentes que subiam.
—
Tudo resolvido lá em cima? — perguntou um deles.
—
Tudo resolvido — respondeu o delegado Abimael.
Os
dois agentes ainda ficaram na escada discutindo se desciam ou se subiam.
—
Vamos continuar subindo, achei o delegado muito inseguro e com cara de quem
perdeu a presa. Vamos subir!
—
Se o chefe falou, quem somos nós para duvidar? Será que tu és surdo que não
ouviste os tiros que soaram lá em cima?
Defronte
ao prédio do INCRA, o rabecão do IML estacionava para transportar e armazenar
os corpos dos meliantes mortos durante o massacre nos corredores daquele
prédio, enquanto o Dr. Abimael fugia da imprensa e se dirigia para a viatura
policial.
Aqueles
dois agentes que encontraram o delegado descendo as escadas, agora estavam
conferindo os mortos e descobriram que um deles era o vigilante do prédio,
estrangulado na guarita do portão de entrada.
O
policial que queria voltar para conferir a sala deixada pelo delegado, ainda
cético quanto ao desfecho dessa operação, caminhou pela calçada e procurando
alguma coisa no alto dos andares, parou de repente e ficou olhando para uma
janela do andar superior, que estava aberta. Ele ficou alguns minutos
pensativo, depois se voltou para a rua, onde os repórteres dos jornais e da
televisão estavam presentes fazendo perguntas e anotações. Misturou-se aos
policiais, peritos, médicos legistas, auxiliares de necropsia e também a muitos
curiosos.
Mas
sempre se voltava para a janela aberta lá em cima e ficava por alguns instantes
pensativo, depois continuava caminhando no meio daquela confusão.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
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