3x05 - Amigo da Noite
de Cadu Mohrstedt
— Mais
uma dose. — Ordenava Conrado, em tom de súplica, com o cabelo desgrenhado e os
olhos vermelhos, ainda molhados das lágrimas insistentes em cair. Sentado no
último banco do bar, isolado do mundo, trocava meia dúzia de palavras com
desconhecidos que apareciam no balcão para fazer algum pedido e desapareciam,
sem lhe dar importância.
— Ela
nunca mais vai retornar. — Revelava, aos prantos, a um sujeito que tentava se
desvencilhar.
— Acontece,
amigão.
O
diálogo prosseguia com o mesmo emissor, mas com receptores distintos. Assim que
aparecia um novo alguém, prosseguia a regurgitar as lamúrias que o matavam por
dentro.
— É
doloroso saber que não vou ver novamente o seu sorriso sempre tão cheio de
vida.
— E se
for só uma fase? Tudo ainda pode se acertar.
— Não
existe a menor possibilidade de voltar a ser como era antes.
Um
terceiro tentou o reconfortar seguindo outro viés, alertando para o fato de que
términos de relacionamento são recorrentes, mas novos também viriam.
— Tenho
saudade do aroma adocicado de morango que ela exalava quando estávamos
abraçados.
— O
odor de um amor antigo fede quando nos apaixonamos por cheiros de novas fêmeas.
— Acho
que acabei a sufocando.
— Evite
se culpar tanto.
— Será
que consigo?
— Eu
não sei o porquê, mas vou te ajudar.
—
Sério? — Desconfiou, um tanto quanto ressabiado.
— Uma amiga
foi abandonada pelo noivo às vésperas do casamento. De repente, posso juntá-los.
— Ela
jamais será a Hellen.
—
Esquece o passado. Confia em mim.
Animado
em ajudar, sacou o telefone do bolso de imediato. Conrado percebeu que a moça
não parecia ter recebido a proposta com entusiasmo, mas o sujeito insistiu.
Argumentou com gestos efusivos. Teve dificuldade em convencê-la, mas expôs um
semblante de satisfação quase arrogante ao conseguir.
Levou-o
até seu flat, na área nobre da cidade, intimando-o a tomar um banho e
emprestando-lhe uma camisa polo e um jeans descontraído.
— Está
fedendo. Tire essa inhaca, livre-se do bafo de cachaça e veste isso daqui...
Ficará meio folgado, mas nada de muito perceptível.
—
Penso que vou desistir.
— Meu
irmão, essa oportunidade não bate na porta outra vez. A Marcela é uma mulher
que não se joga fora. — A gargalhada frenética lhe deu a impressão de que
pudesse ser uma chacota, mas a ausência de ânimo aniquilou qualquer chance em
prosseguir com o assunto.
Fez o
que o novo amigo lhe induzira, mesmo que a contragosto. Julgou-se ridículo com vestimentas
que não eram suas, indo visitar alguém que nem conhecia. Poderia se deparar com
qualquer situação. Um certo receio em estar entrando numa cilada lhe fez gelar
a espinha, mas necessitava arrancar a imagem de Hellen de dentro do coração.
Jogou as
roupas sujas dentro de uma velha maleta. O anfitrião lhe aconselhou a deixá-las
para trás, mas ele bateu o pé.
— Se
meu plano der certo, nunca mais usará estes trapos. — Tais palavras lhe soaram
sombrias, mas preferiu ignorá-las.
Dentro
do carro, o homem a avisou que estavam a caminho. Sua euforia era anormal.
Conrado temeu de que lhe propusesse um ménage. Era certinho em demasia para não
cumprir as convenções de uma relação tradicional. Qualquer outra experiência
estava fora de cogitação.
No
entanto, nada foi dito. Ele apenas o incentivou a aproveitar a noite que
estaria por vir.
— Jura
que não é uma piada? — Questionou a voz vinda do interfone, sem animação.
— Ah,
para. Está deixando nosso convidado constrangido. — Realmente estava. — Te dou
5 minutos para se arrumar e deixá-lo subir.
— Não
sei se devo. Ainda dá pra recusar?
— Por
favor, por mim.
Após
alguns segundos em um silêncio absoluto, acatou. Era incrível como o
desconhecido possuía o dom de convencimento. Aguardaram enquanto debatiam sobre
como impressionar a tal da Marcela, até receber a confirmação de que estava
pronta.
— Ela
disse que pode subir. — Vibrou. — Apartamento 302. Vai lá e mostra o seu
potencial.
Receoso,
sentiu-se péssimo dentro do elevador. Um incômodo lhe revirava o estômago.
Observou a própria imagem no reflexo do espelho e não se reconheceu.
— O
que eu estou fazendo?
Dirigiu-se
até a porta e refletiu sobre como proceder. A vontade de estar ali era zero,
mas o indicador teimoso tocou a campainha.
Não demorou
até a jovem abrir a porta. Nitidamente apreensiva, apresentaram-se mediante um
profundo constrangimento. Entreolharam-se antes do convite para entrar.
Ficou
perplexo com tamanha beleza. Se o encontro não tivesse sido proporcionado de
maneira tão pouco convencional, poderia jurar que havia tirado a sorte grande.
Em um catálogo de opções, tinha certeza de que seria exatamente ela quem teria
escolhido.
Colocou
a mala ao lado de um móvel antigo e sentou-se à mesa de jantar. Marcela apagou as
luzes e acendeu as velas no castiçal. Sugeriu que um clima romântico fosse
propício.
— Sim,
de fato ajuda.
— É a
sua primeira vez?
—
Difícil se não fosse. Isso é tão incomum.
— Eu
que o diga.
Conrado
reparou o quanto a situação era forçada. Não tinha cabimento prosseguir, mas
ficou sem graça de parecer indelicado. Não queria ser rude com quem que não
havia lhe feito nada de ruim. Prometeu a si mesmo ficar uma hora e ir embora
para não mais voltar.
— Relaxe.
Parece tenso.
— E
estou. — Riu. Talvez de nervoso, talvez inquietação; uma vez que não havia
motivo algum para tal.
— Me
conte mais a seu respeito.
— Ah,
não. Prefiro guardar para mim.
— Se
abra, não tenha medo.
— Pode
ser uma boa. — Refletiu.
— Fomos
ambos abandonados, não é mesmo? — A pergunta da jovem podia parecer retórica,
mas mexer naquele assunto ainda trazia imensas dores para ele. Tinha a sensação
de que jamais superaria tamanho trauma.
— Este
é um assunto delicado. Sinto tanta falta da Hellen.
—
Posso te garantir que sei o que está sentindo.
— Ela
simplesmente se foi.
— Meu
noivo fez a mesma coisa.
— Não
consigo entendê-lo. Abandonar alguém tão bela.
— Fico
lisonjeada com o elogio.
— É
sério... não faz ideia do quanto é adorável.
—
Assim fico envergonhada.
— Não
quero ser indiscreto, mas confesso que me pergunto o porquê desse idiota agir
de forma tão vil com a senhorita.
—
Alegou insegurança com o casamento.
— É
uma desculpa clichê.
—
Propôs um desafio antes do altar.
—
Intrigante.
— Pode
ser.
— E
sobre o que se tratava? — Estava tão entretido no desenrolar da conversa, que
sequer percebeu que não estava mais pensando em Hellen, mesmo que
momentaneamente.
— Acertamos
que a cada semana, ele convenceria algum desconhecido a me encontrar, no
intuito de comprovar a minha fidelidade.
O
semblante alegre do rapaz se transformou em escuridão. Tudo passou a fazer
sentido. Ele era o otário da vez. Usado sem pudor por uma dupla sem escrúpulos.
Parte de um plano nefasto arquitetado por dois tarados. Mas como podiam? Não
tiveram compaixão com sua dor.
—
Espero que não se chateie. Não foi nada pessoal. — Disse-lhe, com o mesmo tom
de voz, sem demonstrar empatia. Porém, o olhar cortês havia se transformado por
um extremamente vazio e cruel.
— Quer
dizer que não passou de armação desde o começo?
—
Achei que tivesse notado que havia algo estranho. Ora, ninguém é tão ingênuo.
As pessoas acreditam no que lhes convém.
— Está
falando igual a Hellen. — Com a cabeça ardendo, a visão começou a ficar turva.
A sala lhe parecia estar girando. Apoiou-se do jeito que foi possível.
— Está
se sentindo bem? — Questionou, aflita.
Conrado
tentou inspirar o ar, mas não conseguiu. Com os olhos esbugalhados, sentiu o
corpo tombar ao chão. Teve a nítida impressão de que seria o fim.
Foi
quando Marcela assoprou as velas e acendeu todas as luzes, sem pensar duas
vezes.
—
Chega! Vamos parar por aqui. Eu não vou mais conseguir. Estamos indo longe
demais.
Levantou-se
contrariado, recuperando-se instantaneamente. Encarou-a com raiva e desdém.
— Você
estragou tudo, Hellen.
—
Estou falando sério. Isso está assustador.
— Era
o combinado.
— Aceitei
realizar este teatrinho insano que sugeriu. Geralmente, tento agradar os meus
clientes, mas esse fetiche está a extrapolar. Me paga metade do acertado e pode
ir embora.
—
Sobre o que está falando? Esse absurdo faz parte do plano com o cara que me
trouxe até aqui?
— É
sério, seu maluco. Já deu. Nada disso é real.
Conrado
a olhou perplexo, sem emitir nenhum som.
— Vou
ter que chamar a polícia? — Ameaçou, já perdendo a paciência.
— Não
me chame de louco, Hellen. — A alteração da voz a enfureceu. — Sabe que eu não
suporto quando me chama assim.
— Ah,
meu Deus. O meu nome é Marcela. Não conheço essa Hellen, mas a entendo por ter
te deixado. Quem vai querer conviver com um esquizofrênico?
Conrado
estalou o pescoço e franziu os olhos, demonstrando uma irritação contida. Abriu
a maleta que trouxe consigo e retirou uma corda, assustando-a em demasia. Tentou
se esquivar e clamou por ajuda, mas foi capturada com força pela cintura e
amarrada na cama pelos braços e tornozelos.
— O
que está fazendo? — Gritava tentando se desvencilhar. — Socorro!
Amordaçou-a
e retirou-lhe as roupas devagar, deliciando-se com o pânico estampado na face
da garota. Lambeu seu umbigo enquanto acariciava os seios desnudos. Desceu a
língua e lutou contra pernas que tentavam, em vão, se defender. Senti-la se
contorcendo o excitava. O barulho do choro e a expressão de desespero só
aumentavam sua libido.
Roçou
o próprio corpo no dela, que se debatia aterrorizada. Com movimentos bruscos e
violentos, violou-a sem pudor, cobrindo-lhe a boca com uma das mãos. De quando
em quando, um tapa no rosto para lembrá-la quem estava no comando.
— Sou
eu que mando nesta merda, Hellen. Eu me apaixonei no primeiro instante em que
te vi. — Bradava transtornado. — Mas eu era apenas parte do joguinho sujo com
seu noivo. O maldito que fingiu ser meu amigo no bar. Vocês zombaram de mim,
mas eu voltei para me vingar.
Após
intensos minutos de dor e prazer, ele fincou os dedos sobre o pescoço da jovem
e apertou. Saboreou a tentativa frustrada de Marcela em encontrar ar, cada vez
mais escasso. Com um largo sorriso estampado no rosto, permaneceu pressionando
os polegares por longos minutos. Admirou os olhos esbugalhados e a pele alva
arroxeando. Abraçou-a e agradeceu.
—
Obrigado por usar o perfume que eu pedi. Como fico satisfeito em sentir o aroma
adocicado de morango mais uma vez.
Na
noite seguinte, Conrado se lamuriava no último banco do bar, com o cabelo
desgrenhado e os olhos vermelhos, ainda molhados das lágrimas insistentes em
cair.
Falava
com desconhecidos que não lhe davam atenção.
— Ela
nunca mais vai retornar. É doloroso saber que não vou ver novamente o seu
sorriso sempre tão cheio de vida. Não existe a menor possibilidade de voltar a
ser como era antes. Acho que acabei a sufocando.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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