A Enfermeira Condenada
de Kátia Surreal
Margot se dedicava
inteiramente à profissão de enfermeira. Uma mulher solteira e que, aos vinte e
nove anos, já não podia ter filhos, porque precisou fazer uma operação urgente
de cisto de ovário roto, há uns três anos. Devido a isso, tornou-se estéril,
embora ser mãe lhe fosse um profundo desejo.
O ofício dela era na
unidade de geriatria de um hospital particular. Certa vez, surgiu um homem
muito velho e sem mais condições de andar, porque desenvolvera uma esclerose (ELA),
e agora necessitava de uma internação por conta de uma piora do quadro. Ele
estava acompanhado de sua bela e dedicada esposa Rose, que estava na faixa dos
trinta anos. Havia uma significativa discrepância de idade e saúde entre eles,
mas Margot era uma profissional séria e não quis ser preconceituosa. A enfermeira
fez questão de agir com naturalidade com o casal.
Dona Rose era bastante
devotada ao companheiro, mas houve uma vez em que ela realmente não pôde estar
de acompanhante do marido em seu quarto. Nessa mesma noite, Margot topou com
uma colega do ramo pelo corredor. As duas se distraíram com conversas sobre
telenovelas. Assim que se lembrou do paciente, correu até o quarto. Na porta de
entrada, deparou-se com uma situação nem um pouco convencional: o copo d’água,
sozinho, levitava em direção ao seu Agenor, que não conseguia se levantar da
cama pela debilitação da doença. No mesmo instante, o idoso também fazia umas
caretas estranhas, como quem faz muita força de pensamento, além de manter os
olhos revirados. Ele parecia estar possesso! Era certo de que ele usara de
algum poder sobrenatural para que o objeto se movesse sozinho.
Assustada, Margot
retirou-se do recinto, às pressas. Ela jamais havia presenciado algo parecido.
Contudo, era evidente que, em algum momento, ela teria de retornar ao local
para dar continuidade ao seu ofício. Nessa noite, ao menos, ela não voltou mais
lá. Achou melhor não contar nada a ninguém, mas sentiu uma imensa curiosidade
em compreender o fenômeno.
No dia seguinte, no mesmo
horário, Margot entreabriu a porta bem devagarzinho. Desta vez, o homem
suspendia uma bolacha no ar, que, a princípio, estava numa mesa, a dois metros
de distância de sua cama. Aconteceu que, por descuido, Margot acabou deixando
os pacotes de jelco cair no chão. De imediato, seu Agenor cruzou-lhe os olhos, e
a reação dele foi rir. Uma estranha risada grossa, de quem sente muita
dificuldade em respirar.
Sem saída, a enfermeira
foi até ele, que não hesitou em lhe contar que tinha, de fato, poderes
paranormais.
– Não te assustes,
querida! –, disse o homem com uma voz monstruosamente rouca e continuou:
– Vistes a minha esposa?
Ela tem oitenta e cinco anos! He He He... Podemos possuir tudo nesta vida, querida,
só depende de uma imaginação forte, mas isso é para poucos. Mas tu também podes
resgatar a vida de teus ovários e ter um lindo bebê, tão saudável e tão gorducho!
As palavras do ancião foram
tão assustadoras, ainda que tão sedutoras também. A partir daquela noite,
Margot sentiu-se muito envolvida com a mensagem de seu paciente. Ela passou a
sonhar com um neném bochechudo e sorridente todas as noites. Era-lhe a
felicidade mais perfeita nas suas ilusões oníricas.
Até que houve um momento
em que ela não aguentou mais e dirigiu-se a seu Agenor. Quis saber como poderia
realizar o seu grande sonho. Sarcástico como sempre, ele sorriu e disse em
seguida que ela precisaria apanhar três gotas de sangue de um bebê na
enfermaria e dar a ele. Margot não gostou da proposta, porém sentia-se tentada
todos os dias, através de sonhos lúcidos com o futuro filho. Foi então que,
passado treze dias, ela tomou uma difícil decisão em sua vida. Perguntou-lhe se
isso seria um pacto com o Diabo. O velho riu pela milésima vez e assegurou-lhe
que a alma dela já estava salva.
Sem mais se aprofundar em
reflexões, Margot foi até o setor da pediatria no impulso. Só que a sua reação
foi chorar intensamente ao ver os bebezinhos tão inocentes, que estariam sendo
obrigados a darem o sangue para um ritual misterioso. Teve, então, a ideia de
ir até a UTI neonatal. Escolheu a criança com a aparência mais debilitada
possível, espetou-lhe o dedo, pôs três gotas de sangue em um tubo vacuete,
conforme o combinado. Não houve testemunhas. O hospital, apesar da situação da
pandemia, costumava ser vazio. Em seguida, foi até o seu velho paciente, que
lhe sorriu largamente:
– Parabéns, encantadora
enfermeira! Como vês, estou demasiadamente debilitado, mas em breve retornarei
à vida pelo portal mais sagrado da vida humana: o ventre feminino! Há, há, há,
há!
Após se pronunciar, seu
Agenor tomou do sangue pueril em um só gole e, em seguida, morreu. Não para
sempre, mas até o dia em que ele tivesse um novo corpo.
Margot ficou horrorizada,
mas não havia mais uma maneira de desfazer o seu feito. Ela até pensou em
entrar sem máscara na sala de isolamento respiratório, onde estavam os alguns
pacientes contaminados pelo Coronavírus. Agindo assim, poderia estar livre de
seu cruel fardo; só que, no entanto, ela desistiu do suicídio, porque sabia
que, no fundo, estava prestes a realizar o seu maior desejo, custe o que
custar. É que, a ela, assim como para a maioria das pessoas, tudo vai se ajeitando
na vida. Não é mesmo?
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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