3x11 - Após a Meia-Noite
de Geovanna J. Lestrange
Conheci o Augusto
na faculdade.
Apesar de sermos
um casal, não tínhamos o costume de sair muito. Eu sempre procurava algo para
fazer, lugares para conhecer,
mas, ele não se interessava muito.
Acho que é porque eu faço muitas coisas.
Com o Augusto eu
nunca tinha razão.
Acabei me
tornando uma pessoa um pouco insegura, me achava errada e, não sei o motivo,
uma tristeza me consumia.
Tudo para ele era
uma cena de TV, então, eu nem reclamava muito, acabava guardando tudo sozinha.
Iniciei no
trabalho voluntário nos fins de semana, então, nem dava para praticar guitarra
direito. Sempre foi algo que eu quis fazer mas, juntando com tudo o que faço,
ficava um pouco cansativo.
Eu sempre achei
que era desinteresse dele, de não querer sair comigo, mas tentava não pensar
muito sobre.
Como eu praticava esportes, sempre estava me movimentando, essa coisa anti social do Augusto me incomodava um pouco, devo dizer.
Mas, por causa da
minha rotina, um pouco corrida, acabava deixando de lado e, não me importava
muito também.
Aliás, tinha
muitas coisas para fazer, esportes, faculdade, estudos, curiosidades
idiomáticas, bastante coisas.
Eu fazia
faculdade de Jornalismo de noite, e era um medo todo dia.
Minha casa era um pouco afastada da faculdade, então, ficava um pouco perigoso para voltar sozinha. Por causa disso, sempre meus pais me buscavam, de carro, já que eu não tinha carteira ainda.
A parte boa de
ter um relacionamento bom com os meus pais é que eu não me incomodava de morar
com eles e ainda eram prestativos quando eu precisava, mas mesmo assim queria
um apartamento só meu.
A privacidade sempre foi algo que eu senti falta, queria ter um canto.
Finalmente,
depois de duas semanas sem eu e Augusto sairmos juntos, aconteceria um festival
de música e combinamos de ir juntos. Por mais que ele parecesse não querer sair
muito, eu estava ansiosa com o festival, bobeira.
Apesar de não ser
bem um “encontro de casal”, já que também iriam outros amigos da faculdade
conosco, eu fiquei um pouco animada, pois iríamos fazer algo juntos depois de
alguns dias longe um do outro.
Foi o que eu pensei.
Eu iria sair após
o jantar, separei um tempo para me arrumar e iria me encontrar um pouco depois
da minha casa com o Augusto e um grupo de amigos pois, já que o festival era um
pouco longe, combinamos de ir todos no mesmo carro.
Me despedi da
minha mãe, com um abraço, como sempre, e desci.
Durante o trajeto, percebi a indiferença de Augusto comigo.
Será que era a
minha roupa? Ou talvez minha maquiagem? Será que eu fiz algo de errado de novo?
Eu me perguntava muito isso. Todos os dias.
Era da
personalidade do Augusto falar tudo e, me questionar muito.
Comecei a achar
que tudo que eu fazia era errado, que eu sempre exagerava.
Já no festival,
tudo parecia estranho.
Os barulhos
altos, o pessoal se divertindo, as risadas, tudo parecia distante no meu
ouvido, como se fizesse um eco.
Confesso que eu
nunca curti muito festivais e shows no geral, eu sou meio quieta e todo esse
caos e animação não combinavam comigo.
Eu já não me sentia muito bem.
Acabei me
perdendo de Augusto e nossos amigos. Era tarde, e eu sozinha, em um festival
longe de casa, sem ninguém que me conhecia.
Liguei algumas
vezes para o Augusto mas ele não me atendeu, então, tentei ligar para a Miyoko,
minha colega de curso, que também estava com a gente.
Nos encontramos
perto de uma barraca, e ao perguntar por Augusto, tive a grande surpresa de
saber que ele estava “conversando” com a Ana, ex dele.
Acho que foi o
motivo de não ter me atendido.
A Miyoko parecia
apressada, não queria falar muito comigo, estava na companhia de outro homem
que eu não conhecia, disse poucas palavras e foi embora.
Me vi sozinha,
sem amigos, namorado, sem alguém.
Naquele momento me senti desolada.
Mas pensei, acho
que estou fazendo drama. É da minha personalidade ser sempre dramática e
exagerada, porque sou uma fraca. Augusto dizia que eu era fraca quando eu
questionava algo, sempre era meu drama, ou paranoia.
Resolvi comprar
algo para comer, e nisso, um cara veio falar comigo.
Tales.
Acabei nem
comprando o que iria comprar.
Perguntou se eu
estava sozinha no festival, então eu disse que sim.
Aliás, estava longe de todos.
Me ofereceu
companhia e, eu acabei aceitando, já que me sentia um pouco solitária.
Estava triste,
machucada, enquanto os outros se divertiam.
Os elogios do
desconhecido eram repetitivos, mas de certa forma, eu não ouvia há muito tempo,
principalmente do meu namorado. Minha autoestima era um problema.
Naquele momento
eu percebi que, eu estava tão para baixo que, era confortante ter outra pessoa
do meu lado.
Pelo menos para
preencher a sensação de vazio daquele momento. Conversamos bastante no
festival.
Reclamei muito,
da rotina, de me sentir sozinha, do barulho, de tudo que eu poderia.
O tempo passou e
comecei a me soltar mais. Tentei dançar um pouco mas, não queria muito, então
foi algo rápido.
Até que ele
decidiu pedir uns drinks.
Nunca fui de
beber, não gostava muito de álcool.
Nem socialmente
eu bebia.
— Por que você não esquece tudo um pouco? Vai te fazer bem. Estou
aqui com você, não precisa se preocupar, agora somos amigos.
Foi o que eu ouvi.
Lembrei de
diversas coisas naquela hora.
Achei que não
tinha nada a perder, não tinha como aquela noite ficar pior do que já estava.
Então, comecei a
beber e acabei ficando um pouco perdida.
O que já estava
distante ficou mais distante ainda.
Estava enjoada e
me sentindo fraca.
Como eu não tinha
comido direito naquele dia, acreditei que não ter comido direito foi um dos
motivos de me sentir assim. A cabeça girava, e eu sabia que não estava bem.
Não sei desde
quando esse desconhecido estava me vendo no festival, no início ele disse que
eu parecia estar tendo uma noite ruim, que queria me animar, fazer eu me sentir
melhor, então acabei aceitando.
Até me ajudaria a
voltar para casa caso eu precisasse.
Prestativo demais.
Ele sugeriu para
irmos para um lugar com mais espaço, disse que queria conversar melhor comigo,
e que seria melhor, já que eu estava não tão bem.
Eu não estava no
meu estado normal, estava fraca e ele me arrastou, literalmente.
Então, ele me
levou para um lugar com “mais espaço”.
Andamos um pouco, e sim, tinha privacidade agora.
Ele começou a
fazer mais elogios e me encostou na parede.
Ficou na minha
frente.
Era mais alto que
eu, mais forte, ainda mais na situação que eu estava, não estava na igualdade
de defesa devido ao meu estado.
Na hora lembrei
dos avisos da minha mãe, e me senti pior ainda.
Automaticamente me culpei.
Sabia que ele era
o “poderoso” na hora. Acho que ele também se sentiu assim.
Me empurrava
contra a parede e segurava meus braços, eu não conseguia me defender, primeiro
fiquei em estado de choque.
Quando ele começou a beijar meu pescoço fiquei com muito medo, mil cenários passaram pela minha cabeça.
Resolvi gritar.
O mais alto que
eu conseguia, disse que iriam me ouvir e que eu tinha um namorado que também
estava no festival, que só tínhamos nos desencontrado.
Me sacudi e falei
tudo o que eu podia na hora.
Ele me xingou, se
defendeu dizendo que eu conversei com ele, que bebemos juntos, que então, eu
queria algo. Só estava me dando o que eu pedi para ele não verbalmente.
Fui culpada mais uma vez.
Ele soltou os
meus braços e foi embora, e eu ainda tentava entender tudo o que tinha
acontecido comigo.
Peguei o celular
e liguei chorando, para a minha mãe. Não consegui contar o que tinha
acontecido, só conseguia chorar e pedir para ela me buscar.
Eu voltava de um
festival, me sentindo confusa, machucada, assustada e impotente.
Me culpava mais
ainda por pensar que tudo poderia ter sido diferente.
Era humilhante, e
eu me preocupava mais com tudo, se aquilo iria acontecer de novo, e de uma pior
forma.
Ninguém vai para
um festival, bar, ou festa, e imagina que algo assim irá acontecer logo com
você.
Comecei a ver
todos os lugares assim como arriscados depois do acontecido.
Fiz um boletim, e
tentei seguir a vida.
Me descobri
vítima de Gaslighting pelo Augusto.
No tempo de
namoro, fui abusada emocionalmente. Sempre me questionava, questionava todos os
meus atos e minha realidade.
Os meus questionamentos sobre ele nunca eram válidos, não importava se eu possuía fatos e provas, ou se foi algo que ele mesmo disse.
Ele me culpava,
mudava de assunto e me deixava pior do que eu já estava.
Os meses foram
passando e eu acreditava que todos os problemas eram só de minha culpa. Eu era
a única culpada de tudo.
Insistia até eu
aceitar o que ele falava como a tal “verdade”.
Eu, duvidava de
tudo, das minhas próprias opiniões duvidava.
Minha família era
mentirosa e eu, louca.
Cheguei ao ponto de questionar até mesmo minha própria sanidade. Eu, para ele, era uma criança, só pelo bom relacionamento com os meus pais.
Eu deveria
crescer, e deixar de ser assim.
Ele conseguiu seu
propósito, que era fazer eu questionar tudo.
Eu precisava sempre me desculpar e satisfazer o ego dele.
Como tudo relacionado me cansava, eu apenas concordava com ele, não corrigia seu comportamento.
Perdi minha
autoestima e, aceitava tudo, acreditava que nunca iria ter outra pessoa ao meu
lado.
Procurei terapia
e todos os dias tento curar minhas feridas.
Estou em uma longa jornada, mas sei que vou superar tudo o que aconteceu, ou melhor, já estou no início da superação.
Por enquanto,
ainda estou juntando o dinheiro para dar entrada no meu apartamento novo.
Já é um começo.
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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