(DOMINGO, 09 DE MAIO DE 2021)
Vem aí III
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RESENHA DO LIVRO "FAHRENHEIT 451" DE RAY BRADBURY - por DAVI BUSQUET
Apagando incêndios com gasolina
Resenha do livro "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury
(...)
O sentido é óbvio. Existe mais de uma maneira de queimar um livro. E o mundo
está cheio de pessoas carregando fósforos acesos. Cada minoria, seja ela
batista, unitarista; irlandesa, italiana, octogenária, zen-budista; sionista,
adventista-do-sétimo-dia; feminista, republicana; homossexual, do evangelho-quadrangular,
acha que tem a vontade, o direito e o dever de esparramar o querosene e acender
o pavio. Cada editor estúpido que se considera fonte de toda literatura
insossa, como um mingau sem gosto, lustra sua guilhotina e mira a nuca de
qualquer autor que ouse falar mais alto que um sussurro ou escrever mais que
uma rima de jardim de infância.
(Coda, o autor)
São Paulo, 2003, em pleno inverno rigoroso. Um casal de
moradores de rua se vê na situação infeliz comum a muitos brasileiros: após vir
do Nordeste em busca de uma vida melhor, passa fome e lida com a dificuldade de
alimentar o filho que carrega nos braços. Enquanto isso, no extremo oposto,
Ricardo esbanja luxo e se diverte na festa de aniversário da filha de um grande
empresário. Sem qualquer pudor ou senso de responsabilidade, beija uma garota;
depois, transa com outra. Tudo isso com a garantia de poder fazer o que quiser
por pertencer a uma das famílias mais poderosas da capital.
Após a festa, sai bêbado pelas ruas. Quase caindo em um lugar qualquer, recebe ajuda do morador de rua da primeira cena, a quem trata como um ser inferior, abjeto. Depois disso, volta para casa dirigindo o carro — mais um péssimo exemplo! O pai e a empregada, Leonardo e Jacira, tentam chamá-lo à razão em vão. Ricardo não tem forças sequer para estudar para a prova da faculdade que ocorrerá no dia seguinte. Ele perdeu o interesse nas coisas da vida desde que a mãe, Nathalia, faleceu. Apenas a tia Márcia consegue animá-lo um pouco, e assim ele decide estudar quando já está um pouco recuperado da bebedeira.
Liga o computador, mas acaba se desviando das atividades para um
chat. De repente, surge a figura do “Desbravador de Identidades”, um ser que
passa a instigar Ricardo com informações íntimas e exclusivas sobre a vida dele
e com ideias inusitadas sobre transar com pessoas do mesmo sexo. Quanto mais o
jovem se revolta com as afirmações, mais preso fica à teia do interlocutor. E
isso é tema para os próximos capítulos, então corra lá para a WebTV e acompanhe
a novela, tá?
Como disse acima, Carlos Mota segue um estilo totalmente
diferente do que apresentou em Flor-de-Cera. Agora, o texto se mostra
mais realista, urbano, menos poético e até mais cruel em alguns trechos. O
personagem central, Ricardo Médici, tem destaque em todo o capítulo e tem o
caráter moldado e exibido aos poucos, até atingir o clímax da neurose na última
cena. Os conflitos, os motivos, as expectativas, está tudo ali. O perfil fake,
por sua vez, gera curiosidade a cada fala. Faz os leitores imaginarem quem
estaria por trás de sua identidade: Leonardo? Jacira? Márcia? Alguma das
garotas com quem ele se envolveu na festa? Quem se passaria por um homem
interessado em uma relação homossexual com o protagonista ou em desmascará-lo
de alguma forma e com que intenção? Falando em Jacira, o bordão é uma atração à
parte: “É mesmo, Suzicreide????”, com as mãos na cintura e uma
reboladinha. Imagino a atriz Solange Couto, “escalada” para a personagem, nessa
hora (risos).
A cena em que Ricardo humilha aquele que lhe oferece ajuda por ser “socialmente inferior” é de cortar o coração de tanta raiva, e a forma com que ele se entrega ao fake do chat acaba servindo de catarse, de certa forma. São essas as melhores sequências do capítulo e deixam os leitores eletrizados e ávidos pelo que vem a seguir.
O autor representa muito bem as falas dos personagens
nordestinos, considerando a variação linguística, mas peca nos diálogos
envolvendo os mais jovens. O despreocupado Ricardo parece falar de forma muito
literária, formal, com raríssimas gírias, como se fosse um intelectual. Nem o
elenco de Flor-de-Cera falava tão sofisticadamente. Já as descrições
estão na medida certa e praticamente sem inadequações gramaticais. No geral, um
trabalho que promete fazer sucesso como a novela anterior. Parabéns a Carlos
Mota!
Espero que tenham gostado desta análise, queridos leitores.
Aproveitem para ler O Desbravador de Identidades. No próximo mês, uma
nova trama estará aqui no quadro Visão Crítica. Até a próxima!
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