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Antologia Romance à Vista: 1x01 - Então o Amor Aconteceu! (Season Premiere)

Conto de Amanda Kraft
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Sinopse: Essa é a estória de Ana que se vê apaixonada por um um rapaz após ajudá-lo a entrar no elevador, estando ele com a perna quebrada, em plena pandemia. Tornam-se amigos, depois que ela passa a tomar conta dele, à pedido da mãe do rapaz. Entretanto, ao ser abandonado pela namorada, julgando-o um aleijado, o belo rapaz  mostra que seu coração não terá outra dona tão cedo.


Então, o  Amor Aconteceu!
de Amanda Kraft

 

Eu o vi na porta do elevador do meu prédio, tentando desesperadamente se equilibrar nas muletas, ao mesmo tempo em que segurava em uma das mãos duas sacolas de compras e prendia o celular entre o ombro e o rosto. Seria cômico se a perna não estivesse engessada até a altura do joelho. Conhecia-o de vista nos esbarrões pela área comum do prédio. Apenas trocávamos um oi encabulado quando isso acontecia. Era aparente seu desespero em tentar conciliar pernas, mãos, sacolas, muletas, entrar no elevador e apertar o número do seu andar. Pensei por alguns instantes e resolvi ajudá-lo. Segurei a porta para ele e entramos. Apertei o botão do décimo andar antes que seu dedo se aproximasse do número. Sorriu para mim, curioso, e continuou falando com seu interlocutor. Passei a prestar atenção na conversa, uma vez que a posição do celular permitia que a voz feminina bradasse em alto e bom tom.

— Vou arrumar minhas coisas e vou aí tomar conta de você – insistia a mulher desconhecida.

— Não precisa. Eu estou bem. Além do mais você sabe muito bem que não pode sair de casa. proibido, lembra? Você tem que se cuidar.

— Você também. Como vai se virar com uma perna quebrada? E ainda por cima correndo o risco de pegar essa coisa? Onde você está agora?

— No elevador.

usando máscara? com o álcool gel nas mãos? Esses elevadores são um foco de contaminação. Eu vou aí cuidar de você.

— MÂE! Não precisa. Eu dou conta! – Disse elevando a voz, enquanto se equilibrava e olhava constrangido para mim.

— Cadê aquela sua namorada? Não está aí pra te ajudar? Que raio de mul...

— Mãe! Ela está aqui comigo. Dá um tempo. Eu bem – disse olhando para mim, enquanto eu tentava não sorrir.

Deixa eu falar com ela. Põe essa menina no telefone!

Nossos olhos se encontraram e sorri abertamente. Ele sabia que eu estava participando da conversa. Suspirou profundamente e tirou o celular do ouvido, dando de ombros. Sorriu e disse baixinho:

— Quer falar com ela?

Eu adorei a brincadeira e peguei o celular de sua mão.

— Qual o nome dela? – Perguntei num sussurro.

— Célia!

— Alô? – Disse, segurando o riso.

— Ah! Então você está mesmo aí. Posso contar com você pra tomar conta do MEU filho?

— É claro!

— Não deixe de dar os remédios nos horários certos e de alimentá-lo bem para não prejudicar o estômago do menino. E diz para ele me ligar todos os dias. Entendeu?

— Entendi, dona Célia. Pode deixar comigo. Seu filho está em boas mãos.

Ela desligou, convencida. Em seus olhos havia um misto de diversão e constrangimento quando tomou o aparelho da minha mão, assim que a porta se abriu.

— Obrigado. Você salvou minha vida. Ela é bem capaz de largar meu pai sozinho, atravessar Araraquara inteira e vir pra cá.

— Isso só prova que é uma boa mãe. Quer ajuda com as sacolas? – Perguntei solícita.

— Só se puder te oferecer um café. Você toma?

— É claro. Mas eu faço.

A partir daquele momento, nos tornamos amigos. Passamos o resto da tarde a conversar. Descobri que ele era advogado, que trabalhava como assessor de um juiz e que havia quebrado a perna numa dividida de bola entre um grupo de amigos, dias antes de se instaurar a quarentena. Ele realmente tinha uma namorada. Havia visto os dois entrando e saindo algumas vezes do prédio. Não queria ser indiscreta ao observá-los à distância, entretanto, toda vez que os via sentia um frio no estômago e confesso que um pouco de ciúme e até mesmo um tiquinho de raiva dos dois. Estranho, já que nunca havia conversado com ele e tinha certeza de que não perderia tempo olhando para mim estando com a beldade do lado.  Não sei se foi obra do destino, mas ele estava ali, lindo e simpático e eu louca para descobrir porque me encontrava sentada à sua frente e ela não. Se fosse meu namorado, jamais o deixaria sozinho naquela situação.

Não imaginava, nem nos meus sonhos mais românticos, que fosse tão simpático e tão divertido. Uma covinha se formava perto do canto da boca quando sorria. Nós mulheres temos um jeito especial de obter respostas quando temos interesse em algo. Sendo assim, entre uma coisa e outra, descobri que não havia mais namorada! Com o coração disparado, os olhos foram ao chão para disfarçar a vontade de sorrir e sonhar. Parece que ela, sendo uma dondoca, filha de um desembargador, não suportou cuidar de um aleijado. Palavras dela, não minha, quando o viu de muletas, sentindo dores. Até tentou, pobrezinha, entretanto, a clausura naquele apartamento masculino, desprovido de qualquer toque feminino, começou a deixá-la apreensiva. O mesmo se deu com relação à alimentação e medicamentos. Por fim, achou que ele ficaria melhor sem ela.

Ficou só, o pobre rapaz, num apartamento todo bagunçado, alimentando-se mal, trabalhando em home office, sentindo dor, necessitando de ajuda até para tomar banho, mas acima de tudo, lindo. Muito Lindo! E charmoso. Senti pena dele. Como estudante de Fisioterapia, que ainda sou, também sofria com a quarentena mesmo morando com meus pais, entretanto, minha futura profissão nos aproximou e fortaleceu aquele início de amizade. Para ele, pelo menos. Vivia me perguntando o que teria que fazer para recuperar a perna e eu discorria tudo o que sabia sobre os ossos, nervos e tendões. Passamos a nos encontrar todo o fim de tarde quando o expediente dele acabava e eu já me encontrava longe das aulas online. Embora tendo que estudar, fazia-o na madrugada.

Jantávamos juntos e assistíamos filmes na TV. Passei a livrá-lo da bagunça em que se encontrava seu apê. Sua mãe ligava todas as noites e ela sempre pedia para falar comigo. Eu adorava fazer o papel de nora, mesmo sabendo que aquilo poderia não acontecer. Ele parecia gostar da minha companhia, mas não passava disso. Ríamos juntos, conversávamos sobre tudo, jogávamos cartas e eu acabava sempre voltando para a casa sonhando com a possibilidade de ele deixar de me enxergar como amiga. Pois é. Confundi as coisas. Sabia que quanto mais perdurasse aquela situação, mais machucada sairia. Mas quem controla o bendito coração? Sei que me deixei levar e que não deveria ter deixado isso acontecer. Contudo, presos naquele prédio, sem amigos para sair e se divertir, sem conhecer pessoas novas... Acabei me apaixonando. E sofrendo. E me odiando.

Chegou o dia de tirar o gesso. Fiquei de levá-lo até o pronto atendimento. Minha mãe pôs mil e um empecilhos:

— Você é louca! Vai se enfurnar num lugar desses? E se pegar essa doença? Não vai não senhora. Você nem conhece esse rapaz!

— Mãe! E a solidariedade onde fica? Eu posso apenas levá-lo. Ele entra sozinho.

— Não sei não. É perigoso! Ele não pode ir de Uber?

— Mãe. Ele é meu amigo. Não vai acontecer nada.

— Você sempre diz isso. E saiba que não estou gostando nada de te ver enfurnada naquele apartamento a tarde toda. E tem mais. Esse rapaz ainda nem veio falar comigo e com seu pai.

— MÃE! Ele é meu amigo. Quantas vezes vou ter que repetir isso?

— Ana, eu não nasci ontem. Seus olhos mudam quando fala dele. E ele? Sente o mesmo por você ou está se aproveitando de sua bondade?

Calei-me, constrangida. Havia verdade em suas palavras. E o que poderia fazer? Dizer a ele que não iria mais vê-lo? E que motivo lhe daria sem revelar a verdade? Prometi à minha mãe que não iria entrar no vinte e quatro horas e, chegando em casa, tomaria um banho, passaria álcool no corpo todo e lavaria as roupas. Deixei-a resmungando e fui buscá-lo, apreensiva, sentindo-me deprimida. Não iria simplesmente abandoná-lo naquele momento como a ex havia feito. Sabia que havia sofrido com o rompimento. Parecia que ele realmente gostava dela. O que piorava a coisa para meu lado, já que no quesito beleza e glamour eu não chegava aos seus pés.

Nesse período em que travamos amizade, ele parecia me conhecer muito bem, pois assim que abriu a porta, seu sorriso morreu no rosto.

— O que houve? Está tudo bem com você? – Perguntou preocupado.

— Tudo bem. Vamos? – Respondi, evitando olhar em seus olhos perscrutadores.

— Entre um momento.

Sentei-me no sofá, ainda sem encará-lo, mordendo o lábio inferior, constrangida.

— Não vai me contar o que provocou esse desconforto em seu rosto?- Perguntou de chofre.

— Como sabe que estou desconfortável? – Fiz pilhéria, sorrindo nervosa ao mirar seus olhos. Senti uma pontada no coração. Era hora de deixar de sonhar e pôr os pés no chão. Manteria apenas uma amizade superficial com ele. No começo seriam desculpas sobre a faculdade, depois sobre os pais, até que a coisa fosse esfriando aos poucos.

— Eu sei ler as pessoas. Faz parte da minha profissão, lembra? – Disse, pegando em minha mão fria.

— Minha mãe não acha prudente levá-lo. Sabe! Toda essa droga de pandemia...

Mirei seu pé engessado e respirei devagar, brigando com a lágrima teimosa. Como é difícil dizer adeus! Eu queria deixar aquele lugar e correr para o cantinho confortável do meu quarto e não sair mais. Ligar para uma amiga e soluçar minhas mágoas.

— Bom.  A especialista aqui é você – disse, sorrindo - Consegue tirar o gesso? Assim não precisaremos ir. Além do que estou louco pra tomar um banho de verdade.

— Há quanto tempo exatamente está com ele? – Perguntei, aliviada com sua atenção voltada para a perna e não mais para mim.

— Há exatamente quatro semanas.

— É. Já está na hora de tirar. E depois começar a fisioterapia.

— Ok, doutora – disse, sentando-se no sofá, derrubando a muleta no chão – Faça!

— Você estava brincando, né? É sério! Tem que tirar isso aí, senão pode causar atrofia.

— Tem uma faca bem afiada na cozinha. Você sabe onde está. Tira pra mim. Eu confio em você – disse, deixando-me boquiaberta. Tudo bem que eu já havia feito isso nas aulas práticas, mas sempre em bonecos – Vai, Ana.

Fui até a cozinha e voltei com a faca. Minhas mãos tremiam quando coloquei a ponta afiada no gesso. Cortei devagarinho, sentindo um frio na espinha. Ele estava calmo e me olhava fixamente. Sorria sempre que meus olhos se encontravam com os seus. No meio do caminho, já me sentia confiante. A parte mais difícil foi a do pé, que por fim, ele acabou tomando a faca da minha mão e soltando o que restava do gesso. Sorriu e me disse:

— Viu? Não foi tão difícil, doutora.

— Não sou doutora. E foi difícil sim. Eu poderia ter te cortado.

— Mas não o fez. Suas mãos são precisas, Ana.

Senti o calor aquecer meu corpo. Aquilo não estava certo. Como poderia dizer adeus sentindo o amor explodir dentro do peito? Como deixar de olhar aqueles olhos castanhos que transmitiam tanta serenidade? Como usar o elevador novamente e me esquecer de que foi ali que tudo começou? Como voltar a ser aquela menina boba depois de ter sentido a transformação que ele operou em mim? Meus olhos marejaram quando o encarei, sabendo que seria a última vez que o veria.

— Senta aqui, Ana. Diz o que está acontecendo?

— Não posso! Eu... Preciso ir...

Saí praticamente correndo do apartamento. Deixei as lágrimas inúteis inundarem meu rosto. Ele tinha que ser tão gentil? Minha amiga Gabi havia me dito que um cara gato desses, tendo uma mulher em seu apê, fazendo tudo por ele, sem nem ao menos tentar roubar um beijo, era muito estranho. Tinha algo de errado com esse cara. “É gay” Ela disse! “Ele tinha namorada, lembra?” Respondi amargurada. “Bom... Então...”

Então a resposta estava diante de meus olhos. Óbvia. Ele definitivamente não sentia nada por mim, a não ser amizade. O melhor mesmo era eu me afastar. No começo seria terrível, mas com o tempo eu superaria. O tempo é o melhor remédio, não é? Seria melhor assim, para mim e para ele. O coitado não tinha culpa de eu ter me deixado levar. Um coração romântico não deve bater sozinho. Não voltei ao seu apê naquele dia. Nem no seguinte. À noite meu celular tocou. Era ele. Respirei várias vezes pensando em não atender. Ele não tinha culpa de eu ter sido tão tola.

— Ei! Como você está? – Perguntou com a voz rouca.

— Oi. Está tudo bem. Olha, desculpa eu ter saído da sua casa daquele jeito.

— Você pode vir aqui? Acabei de cair no banheiro.

Larguei o celular no chão e corri para o elevador. Meu coração batia descompassado no peito, pensando-o caído no chão molhado, com a perna novamente quebrada. Eu poderia nem ter ido, achando que ele realmente só queria se aproveitar de minha bondade. Mas isso não me passou pela cabeça. Eu só conseguia pensar em seu bem estar. Nele!

Abri a porta do apê e entrei feito um furacão. Estaquei chocada. Ele estava em pé na sala, com uma camisa preta, que acentuava a cor dos seus olhos, e uma calça jeans, ao lado da mesa de jantar posta para duas pessoas.

— O que é tudo isso? – Perguntei com raiva.

— Achei que você não viria me ver se eu apenas pedisse – sorriu encantador.

— O que você pensa que está fazendo? Quase me matou de susto! Eu já tinha imaginado sua perna quebrada novamente e como iria fazer para levá-lo ao hospital. O que...

— Ana! – Silenciou-me incisivamente.

— O quê? Droga! – Disse, vendo-o se aproximar de mim, com aquele bendito sorriso de covinhas no rosto.

Não disse nada ao manter seu rosto perto do meu, perscrutando-me. Sentia as lágrimas queimando meus olhos. Não ia chorar na frente dele. Não mesmo. Estava pronta para virar as costas e fugir novamente quando ele disse quase num sussurro:

— São verdes – salientou colocando o polegar no meu rosto.

— O quê? – perguntei franzindo o cenho – O que são verdes?

— O contorno dos seus olhos. Tem dia em que eles estão totalmente verdes. Sabia disso? – Perguntou, contornando a maçã do meu rosto com o polegar.

— Não – sussurrei – quando seu dedo escorregou para meu lábio.

— Você morde o lábio inferior quando está nervosa. É algo involuntário e encantador, Ana.

Eu o encarei, confusa. Como ele sabia tanto sobre mim?

— Eu...

— Senti sua falta, Ana. – Ergueu meu rosto com o indicador, enquanto eu engolia em seco ao ver sua boca se aproximar da minha.

O beijo veio calmo, feito a brisa num dia quente, para depois se transformar num furacão de volúpia e desejo. Meu coração estava enlouquecido. Minha cabeça girava com inúmeras perguntas não respondidas. Foi preciso muita força de vontade para afastá-lo alguns centímetros.

— Você nunca disse nada. Nunca demonstrou nada. Fez-me pensar...

— Eu acreditava que ora ou outra você se cansaria de cuidar de mim. De estar comigo, presa aqui. Mas você ficou...

— Sim. E ficarei se você pedir.

O beijo quente e doce se perdeu no silêncio e então, o amor aconteceu aplacando toda a dúvida e toda a minha dor. 



Conto escrito por
Amanda Kraft

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

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