O Espelho do Demônio
de Adolino Poeta
Sempre fui cético quando o
assunto se tratava de algo ligado ao mundo sobrenatural, na verdade, mais do
que cético, sou ateu. Por influência da família, desde criança, segui a
religião por eles indicada, mas algo dentro de mim gritava e minha mente não
conseguia captar aquilo como verdade. Por muito tempo me calei, evitando expor
a minha crença (ou a falta dela), pois sempre gerava uma discussão infinita.
Com o passar do tempo, comecei
a defender mais o meu ponto de vista sempre que o assunto era abordado,
independente do que as pessoas fossem falar ou achar. Mas minha vida, e tudo em
que eu acreditava, começou a mudar naquele janeiro de 2018, após eu me mudar
para um novo apartamento.
Depois de muito tempo morando
em um apartamento minúsculo, de apenas um quarto, decidi alugar um apartamento
maior, um dos melhores da cidade. O prédio era bem localizado, no coração da
cidade de Cruzeiro do Sul – Acre, ao lado do meu local de trabalho, o que era
uma grande economia de tempo e dinheiro.
O apartamento era perfeito,
logo de cara me apaixonei, possuía 2 quartos grandes, uma sala, cozinha e
lavanderia conjugados, um banheiro com hidromassagem, uma varanda incrível que
tinha sua vista para a avenida principal, elevador panorâmico, enfim, tinha
encontrado um lugar adequado. Pronto, contrato assinado!
Um dia antes da mudança, fui
acompanhado pelo síndico, o Sr. Godofredo, um homem na casa dos 60 anos,
grisalho, com aspecto meio sombrio e um olhar completamente desconfortante,
cheguei a ter calafrios. Ele me passou a ata do condomínio e ditou, como se
fosse um general de alta patente, todas as regras que os condomínios deveriam
seguir. Li todas com atenção, pois não queria causar confusão logo no primeiro
dia.
No dia seguinte, enquanto a
mudança ocorria, percebi que havia um enorme espelho na parede, entre a sala e
o quarto (coisa que, por algum motivo, eu não tinha dado muita atenção na
primeira visita), um espelho lindíssimo, com uma moldura que remetia às usadas
nos castelos da Itália. Perguntei ao Sr. Godofredo se aquele espelho era do
antigo morador do apartamento, ele, sempre mal-humorado, respondeu que não
sabia, evitando olhar para o espelho.
Bom, se não tem dono, é meu!
O dia foi de muita correria,
toda mudança é assim, falta um prego ali, uma fita isolante acolá, uma tomada
que precisa de ajustes, etc. Sem contar o entre e sai de trabalhadores, é a
galera da mudança, o montador de móveis, pessoal da instalação do
ar-condicionado, TV a cabo, internet, um verdadeiro caos! O trabalhou começou
cedo e findou lá pelas 20:00hs, mas cada coisa estava em seu devido lugar. Eu
estava podre, cansado, praticamente desmaiei na cama.
Na manhã seguinte, no meu novo
apartamento, foi supertranquilo, acordei cedo e preparei um bom café da manhã,
depois fui para a varanda ler o meu livro de cabeceira “Poesias de sofá”, da
poetisa Gi Granemann. Durante a tarde dei uma caminhada pelo condomínio,
cumprimentei alguns vizinhos e fiquei olhando a movimentação.
Enfim chega à noite, vou
desfrutar um belo banho na minha hidromassagem, enquanto relaxo, tenho a nítida
impressão de que alguém está me chamando, me enrolo na toalha e saio
rapidamente do banheiro, abro a porta, mas não há ninguém lá. Achei estranho,
mas, sei lá, poderia ter sido no apartamento ao lado.
Após o banho, novamente
retorno a varanda, desta vez, para apreciar um bom whisky. Quando estou
voltando ao quarto, percebo que o espelho está meio torto, então paro para
arrumá-lo. Eu me movo, meu reflexo não... Ele fica ali, apenas parado, me
observando, com um olhar que não era o meu.
Fiquei completamente
desnorteado e assustado, não querendo acreditar no que os meus olhos viam, mas,
como bom ateu, pensei: “acho que bebi demais, só pode ser isso”. Fui para o
quarto dormir, não deixei aquilo que eu achei ter visto, me tirar o sono. Foi
uma noite péssima, pesadelos me rondaram a noite toda, coisas sinistras como
pessoas sem rosto, assassinatos, demônios, mutilações, rituais satânicos aos
pés da lua negra, etc.
Ao acordar, mais tarde que o
normal, vou diretamente para frente do espelho, me mexo, pulo, faço caretas,
mas nada de anormal acontece. Bom, confirmou a minha tese sobre o whisky. Mas
eu estava completamente enganado...
Enquanto tomo café da manhã,
percebo que o espelho está completamente molhado, pingando, como se tivessem
jogado um balde d’água nele. Aquilo me deixou transtornado, dessa vez eu estava
bem sóbrio, lúcido, tendo a certeza do que estava vendo e, validando o que
tinha acontecido na noite anterior. Mesmo com medo, não me deixe abater, peguei
um pano e sequei o espelho, tentando imaginar algo do tipo: “isso deve ser infiltração
atrás do espelho, vou mandar arrumar o quanto antes”.
Devido a esses fatos, que é
natural que eu fique no mínimo cismado, comecei a pesquisar na internet sobre
fenômenos paranormais e sobrenaturais de todos os tipos, principalmente os
relacionados a espelhos, almas e demônios. Para ser sincero, não gostei muito
do que vi, uma coisa mais surreal que outra, coisas que me fizeram, mesmo sendo
ateu, ter um arrepio na espinha.
Penso em jogar o espelho fora,
mas, toda vez que me aproximo dele, sinto um mal-estar súbito, com direito a
náuseas e forte dor de cabeça.
Os dias vão se passando, sinto
o clima no meu apartamento cada vez mais pesado: luzes piscando, relógio
despertando fora de hora, aparelhos eletrônicos ligando sozinho. Já não sei
mais em que acreditar, a essa altura o meu ateísmo já tinha ido para o
“espaço”, abrindo assim um enorme sentimento de dúvida e medo. Sinto-me
depressivo, começo a ter a sensação de que estou sendo seguido dentro do meu
próprio apartamento, é como se as paredes tivessem olhos e aquele maldito
espelho fosse um coração pulsante do mal.
Peço para o Sr. Godofredo o número
de celular do antigo morador ou o seu endereço, quero saber de onde ele
conseguiu o espelho, e se acontecia alguma manifestação estranha no tempo que
ele morou aqui.
Para minha ingrata surpresa, o
Sr. Godofredo disse que o antigo morador simplesmente sumiu, já fazia 3 meses,
deixando tudo para trás: móveis, eletrodomésticos, roupas e até mesmo o carro.
Tudo o que era dele foi levado para um depósito (exceto o espelho), pois o
contrato dizia que após 90 dias de inadimplência, o inquilino deveria deixar o apartamento.
Essa notícia caiu como uma bomba, comecei a me perguntar se aquelas
manifestações tinham algo a ver com o sumiço do antigo inquilino, eu estava
ficando cada vez mais confuso e apavorado.
Dali em diante as coisas só
pioraram, objetos caindo, portas fechando sozinhas, ruídos por toda a casa. Mas
de todas as manifestações estranhas que estavam acontecendo, a última foi a
pior.
É sábado, 02:45hs, me preparo
para dormir e, quando estou quase pegando no sono, ouço um sussurro em meu
ouvido, parecia ser de alguém que estava deitado ao meu lado, e que com uma voz
rouca dizia: “o espelho reivindica a alma em que seu corpo habita”. Meu coração
disparou, minhas pernas tremeram, fiquei praticamente congelado, sem saber o
que fazer, o sussurro foi muito real, pude sentir o hálito pútrido daquela voz
amaldiçoada, não poderia estar sonhando. Olho para o lado e percebo que o
relógio marca exatamente 03:00 da madrugada, já havia ouvido vários assuntos
relacionados a essa hora “macabra”, mas sempre achei que fosse bobagem.
Paro, respiro fundo, tento
criar coragem para sair da cama. Após 10 minutos, consigo me levantar e sair do
quarto, completamente atordoado, sinto um calor infernal em meu corpo e um
cheiro forte de enxofre invade a casa. Vou para o chuveiro, nem a água gelada
consegue me refrescar, sou tomado por um pânico incontrolável, grito e choro,
como se fosse uma criança que se perdeu dos pais.
Desesperado e querendo dar um
fim a esse terror, abro minha caixa de ferramentas, pego a marreta e bato no
espelho com toda minha força... o espelho sequer trinca, mas, a marreta fica em
pedaços. Caio de joelhos em frente ao espelho, completamente entregue a um
sentimento de sofrimento e derrota, no meu apartamento ecoam risadas
maquiavélicas vindas do espelho, as luzes se apagam por completo.
Sinto uma força sobre-humana
me puxando para dentro do espelho, minhas unhas se esfacelam no azulejo ao
tentar me segurar, o sangue escorre entre meus dedos, tento pedir por socorro,
mas a voz não sai, brigo com todas as minhas forças, mas acabo desmaiando de
desespero.
De repente sinto um enorme
vazio, uma falta de ar agoniante e um calor infernal. Ao abrir os olhos, vejo
que tenho uma visão diferente do apartamento, quando dou conta do que está
acontecendo, percebo que fui puxado de corpo e alma para dentro desse maldito
espelho. Esse foi, de longe, o pior dia da minha vida. Como você se sentiria se
tivesse sido aprisionado no inferno?
E por eu estar contando essa
história, você deve achar que tudo não passou de um sonho ou um devaneio, mas
não. Minha alma ainda queima e é tortura dentro dessa porta do inferno
disfarçada de espelho, e isso só está sendo escrito por que estou sussurrando esse
fato no ouvido de um infeliz jovem incrédulo, assim como eu era, que escreve em
transe esse conto, sem saber o que está acontecendo.
Noventa dias se passam,
enquanto isso, vejo um novo morador se mudar e fazer a mesma pergunta que fiz
ao Sr. Godofredo: “Esse espelho é do antigo morador do apartamento? ”.
Ele mal sabe o que lhe
espera...
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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