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Antologia Lua Negra: 2x05 - O Espelho do Demônio

Conto de Adolino Poeta
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Sinopse: Após se mudar para um novo apartamento, um rapaz ateu, começa a descobrir que o mundo espiritual e demoníaco existe. E tudo começa com o espelho que o ex-morador deixou na casa antes de seu desaparecimento.


O Espelho do Demônio
de Adolino Poeta

 

Sempre fui cético quando o assunto se tratava de algo ligado ao mundo sobrenatural, na verdade, mais do que cético, sou ateu. Por influência da família, desde criança, segui a religião por eles indicada, mas algo dentro de mim gritava e minha mente não conseguia captar aquilo como verdade. Por muito tempo me calei, evitando expor a minha crença (ou a falta dela), pois sempre gerava uma discussão infinita.

Com o passar do tempo, comecei a defender mais o meu ponto de vista sempre que o assunto era abordado, independente do que as pessoas fossem falar ou achar. Mas minha vida, e tudo em que eu acreditava, começou a mudar naquele janeiro de 2018, após eu me mudar para um novo apartamento.

Depois de muito tempo morando em um apartamento minúsculo, de apenas um quarto, decidi alugar um apartamento maior, um dos melhores da cidade. O prédio era bem localizado, no coração da cidade de Cruzeiro do Sul – Acre, ao lado do meu local de trabalho, o que era uma grande economia de tempo e dinheiro.

O apartamento era perfeito, logo de cara me apaixonei, possuía 2 quartos grandes, uma sala, cozinha e lavanderia conjugados, um banheiro com hidromassagem, uma varanda incrível que tinha sua vista para a avenida principal, elevador panorâmico, enfim, tinha encontrado um lugar adequado. Pronto, contrato assinado!

Um dia antes da mudança, fui acompanhado pelo síndico, o Sr. Godofredo, um homem na casa dos 60 anos, grisalho, com aspecto meio sombrio e um olhar completamente desconfortante, cheguei a ter calafrios. Ele me passou a ata do condomínio e ditou, como se fosse um general de alta patente, todas as regras que os condomínios deveriam seguir. Li todas com atenção, pois não queria causar confusão logo no primeiro dia.

No dia seguinte, enquanto a mudança ocorria, percebi que havia um enorme espelho na parede, entre a sala e o quarto (coisa que, por algum motivo, eu não tinha dado muita atenção na primeira visita), um espelho lindíssimo, com uma moldura que remetia às usadas nos castelos da Itália. Perguntei ao Sr. Godofredo se aquele espelho era do antigo morador do apartamento, ele, sempre mal-humorado, respondeu que não sabia, evitando olhar para o espelho.  Bom, se não tem dono, é meu!

O dia foi de muita correria, toda mudança é assim, falta um prego ali, uma fita isolante acolá, uma tomada que precisa de ajustes, etc. Sem contar o entre e sai de trabalhadores, é a galera da mudança, o montador de móveis, pessoal da instalação do ar-condicionado, TV a cabo, internet, um verdadeiro caos! O trabalhou começou cedo e findou lá pelas 20:00hs, mas cada coisa estava em seu devido lugar. Eu estava podre, cansado, praticamente desmaiei na cama.

Na manhã seguinte, no meu novo apartamento, foi supertranquilo, acordei cedo e preparei um bom café da manhã, depois fui para a varanda ler o meu livro de cabeceira “Poesias de sofá”, da poetisa Gi Granemann. Durante a tarde dei uma caminhada pelo condomínio, cumprimentei alguns vizinhos e fiquei olhando a movimentação.

Enfim chega à noite, vou desfrutar um belo banho na minha hidromassagem, enquanto relaxo, tenho a nítida impressão de que alguém está me chamando, me enrolo na toalha e saio rapidamente do banheiro, abro a porta, mas não há ninguém lá. Achei estranho, mas, sei lá, poderia ter sido no apartamento ao lado.

Após o banho, novamente retorno a varanda, desta vez, para apreciar um bom whisky. Quando estou voltando ao quarto, percebo que o espelho está meio torto, então paro para arrumá-lo. Eu me movo, meu reflexo não... Ele fica ali, apenas parado, me observando, com um olhar que não era o meu.

Fiquei completamente desnorteado e assustado, não querendo acreditar no que os meus olhos viam, mas, como bom ateu, pensei: “acho que bebi demais, só pode ser isso”. Fui para o quarto dormir, não deixei aquilo que eu achei ter visto, me tirar o sono. Foi uma noite péssima, pesadelos me rondaram a noite toda, coisas sinistras como pessoas sem rosto, assassinatos, demônios, mutilações, rituais satânicos aos pés da lua negra, etc.

Ao acordar, mais tarde que o normal, vou diretamente para frente do espelho, me mexo, pulo, faço caretas, mas nada de anormal acontece. Bom, confirmou a minha tese sobre o whisky. Mas eu estava completamente enganado...

Enquanto tomo café da manhã, percebo que o espelho está completamente molhado, pingando, como se tivessem jogado um balde d’água nele. Aquilo me deixou transtornado, dessa vez eu estava bem sóbrio, lúcido, tendo a certeza do que estava vendo e, validando o que tinha acontecido na noite anterior. Mesmo com medo, não me deixe abater, peguei um pano e sequei o espelho, tentando imaginar algo do tipo: “isso deve ser infiltração atrás do espelho, vou mandar arrumar o quanto antes”.

Devido a esses fatos, que é natural que eu fique no mínimo cismado, comecei a pesquisar na internet sobre fenômenos paranormais e sobrenaturais de todos os tipos, principalmente os relacionados a espelhos, almas e demônios. Para ser sincero, não gostei muito do que vi, uma coisa mais surreal que outra, coisas que me fizeram, mesmo sendo ateu, ter um arrepio na espinha.

Penso em jogar o espelho fora, mas, toda vez que me aproximo dele, sinto um mal-estar súbito, com direito a náuseas e forte dor de cabeça.

Os dias vão se passando, sinto o clima no meu apartamento cada vez mais pesado: luzes piscando, relógio despertando fora de hora, aparelhos eletrônicos ligando sozinho. Já não sei mais em que acreditar, a essa altura o meu ateísmo já tinha ido para o “espaço”, abrindo assim um enorme sentimento de dúvida e medo. Sinto-me depressivo, começo a ter a sensação de que estou sendo seguido dentro do meu próprio apartamento, é como se as paredes tivessem olhos e aquele maldito espelho fosse um coração pulsante do mal.

Peço para o Sr. Godofredo o número de celular do antigo morador ou o seu endereço, quero saber de onde ele conseguiu o espelho, e se acontecia alguma manifestação estranha no tempo que ele morou aqui.

Para minha ingrata surpresa, o Sr. Godofredo disse que o antigo morador simplesmente sumiu, já fazia 3 meses, deixando tudo para trás: móveis, eletrodomésticos, roupas e até mesmo o carro. Tudo o que era dele foi levado para um depósito (exceto o espelho), pois o contrato dizia que após 90 dias de inadimplência, o inquilino deveria deixar o apartamento. Essa notícia caiu como uma bomba, comecei a me perguntar se aquelas manifestações tinham algo a ver com o sumiço do antigo inquilino, eu estava ficando cada vez mais confuso e apavorado.

Dali em diante as coisas só pioraram, objetos caindo, portas fechando sozinhas, ruídos por toda a casa. Mas de todas as manifestações estranhas que estavam acontecendo, a última foi a pior.

É sábado, 02:45hs, me preparo para dormir e, quando estou quase pegando no sono, ouço um sussurro em meu ouvido, parecia ser de alguém que estava deitado ao meu lado, e que com uma voz rouca dizia: “o espelho reivindica a alma em que seu corpo habita”. Meu coração disparou, minhas pernas tremeram, fiquei praticamente congelado, sem saber o que fazer, o sussurro foi muito real, pude sentir o hálito pútrido daquela voz amaldiçoada, não poderia estar sonhando. Olho para o lado e percebo que o relógio marca exatamente 03:00 da madrugada, já havia ouvido vários assuntos relacionados a essa hora “macabra”, mas sempre achei que fosse bobagem.

Paro, respiro fundo, tento criar coragem para sair da cama. Após 10 minutos, consigo me levantar e sair do quarto, completamente atordoado, sinto um calor infernal em meu corpo e um cheiro forte de enxofre invade a casa. Vou para o chuveiro, nem a água gelada consegue me refrescar, sou tomado por um pânico incontrolável, grito e choro, como se fosse uma criança que se perdeu dos pais.

Desesperado e querendo dar um fim a esse terror, abro minha caixa de ferramentas, pego a marreta e bato no espelho com toda minha força... o espelho sequer trinca, mas, a marreta fica em pedaços. Caio de joelhos em frente ao espelho, completamente entregue a um sentimento de sofrimento e derrota, no meu apartamento ecoam risadas maquiavélicas vindas do espelho, as luzes se apagam por completo.

Sinto uma força sobre-humana me puxando para dentro do espelho, minhas unhas se esfacelam no azulejo ao tentar me segurar, o sangue escorre entre meus dedos, tento pedir por socorro, mas a voz não sai, brigo com todas as minhas forças, mas acabo desmaiando de desespero.

De repente sinto um enorme vazio, uma falta de ar agoniante e um calor infernal. Ao abrir os olhos, vejo que tenho uma visão diferente do apartamento, quando dou conta do que está acontecendo, percebo que fui puxado de corpo e alma para dentro desse maldito espelho. Esse foi, de longe, o pior dia da minha vida. Como você se sentiria se tivesse sido aprisionado no inferno?

E por eu estar contando essa história, você deve achar que tudo não passou de um sonho ou um devaneio, mas não. Minha alma ainda queima e é tortura dentro dessa porta do inferno disfarçada de espelho, e isso só está sendo escrito por que estou sussurrando esse fato no ouvido de um infeliz jovem incrédulo, assim como eu era, que escreve em transe esse conto, sem saber o que está acontecendo.

Noventa dias se passam, enquanto isso, vejo um novo morador se mudar e fazer a mesma pergunta que fiz ao Sr. Godofredo: “Esse espelho é do antigo morador do apartamento? ”.

Ele mal sabe o que lhe espera... 


Conto escrito por
Adolino Poeta

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Alex Xela Lima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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