O Homem, a Mulher e a Mulher do Vestido Amarelo
de Pedro Franco
As
situações imaginadas não se comparam às vividas, assim como as revividas não se
comparam às inicialmente vividas. Um livro, relido anos depois, serve para
exemplificar a segunda situação e, em muitos casos, o encanto se vai. A não
realização de uma situação longamente imaginada, é o que me preocupa no
momento, agora que os anos começam a pesar.
Quando
comecei a interessar-me por sexo, julgava que a maior alegria da vida era ter
uma mulher ao dispor. Tínhamos um vizinho na vila, de quem todos zombavam. Era
baixo, gordinho, risonho e falante. Sem dizer nada, invejava-o. A mulher não
era bonita, percebi com o correr dos anos. Na adolescência me encantava e como!
Pernas fortes, torneadas, seios fartos e cabelos claros compridos,
possivelmente pintados. Falava muito, risos de lábios carnudos e usava decotes
ousados para os costumes do bairro. Deixei de ir jogar bola em tardes, para
vê-la lavar sua calçadinha. E por lembrar da vizinha, vale contar que era
mandado à Praça Sanz Peña de ônibus, para levar encomenda de mamãe, que bordava.
Dinheiro justo para as passagens.
Sentei-me
naquele dia ao lado de mulher, como sempre procurava fazer. O ônibus fez uma curva
e ela se encostou. Não tirei minha perna, apesar do medo da reprimenda. Senti a
coxa dela na minha. Curva após curva. Coxa dura e macia ao mesmo tempo. Não
percebeu, ou não se importou. Parecia-se com a mulher do vendedor. Não me olhou
uma única vez, continuando a ler revista de histórias de amor, que minha mãe lia.
Assim podia apreciá-la bem, fingindo que olhava a paisagem pela janela, onde
ela estava encostada. Muitas das relações sexuais, que tive vida à fora, não
foram tão agradáveis e excitantes como aquela ida de ônibus! A Mulher era
casada, conforme mostrava o anular esquerdo. Pousado na janela, ou virando as
páginas, era mais bonita que a vizinha.
O ônibus,
mais depressa do que desejava, chegou à praça. Não tive coragem de saltar.
Voltaria a pé, mesmo que ela fosse até o Centro da Cidade. O ônibus ficou com
passageiros
Dez pontos
depois da praça a mulher fechou a revista, puxou o cordão da campainha, pediu
licença e ganhou o corredor do ônibus. Passou com o traseiro bem junto do meu
rosto. Estava de amarelo e tinha um corpo bem feito. Sentei no seu lugar, que
estava morninho. A senhora do embrulho se aboletou do meu lado e me tomou o
embrulho. Tudo aconteceu ao mesmo tempo e não deu para ver a mulher na rua. A
porta do ônibus era do outro lado. Ainda pensei em saltar atrás dela. Tinha
treze anos e usava calças curtas, para meu desespero. Um ponto depois toquei a
campainha e saltei. Voltei correndo até a praça.
Durante um
mês não olhei para a vizinha, nem para a menina mais bonita da turma. Depois
voltei a ter inveja do meu vizinho gordinho e, logo depois, do carteiro.
Enquanto o vizinho vendia, sei-lá o quê e ficava fora de casa, o carteiro
entrava na varandinha da casa dele, para entregar cartas. Pedia um copo d´água.
Ficava cada vez mais tempo. E, quando ninguém olhava, entrava na casa. Uma vez,
marquei no relógio: ficou de dez para uma até às quatro horas. As quatro e meia
o vizinho voltou com aquela mala pesada, suarento e risonho. Aí eu invejava o
vizinho e o carteiro. De repente trocaram o carteiro, e o novo, velhote, mal
parava nas casas para deixar as cartas.
Fui
crescendo e com o mesmo interesse pelas mulheres. Conheci na adolescência o
quarto de várias empregadas, quando os patrões estavam fora. Era assim que se
portavam todos os rapazes corajosos do bairro. Depois fui à Rua Mem de Sá, onde
paguei por sexo. Tive namoradas e os namoros eram controlados por mães, avós e
tias. Passei para noivados e fui noivo duas vezes, até que casei. Lua-de-mel em
Petrópolis e ficaram o casamento, as responsabilidades de pai de família,
vieram os filhos, as aporrinhações na firma, até que cheguei a gerente geral.
Meu pai,
que era um homem inculto e esperto, operário qualificado da indústria química,
dizia para tristeza de minha mãe que a vida se resumia em comida e sexo e que
todas as pessoas bem formadas viviam para ter boa cama e boa mesa. O resto eram
filigranas. Revendo minha vida, percebo que minha mulher e a maioria das minhas
amantes, pois, tive várias, ainda que de forma discreta e sem prejudicar a vida
da família, seguiram o modelo físico da vizinha e da mulher do vestido amarelo,
que estava sentada ao meu lado. Os que têm gosto, preservam um padrão fixo de
mulher.
Há grande
diferença entre minhas relações com o sexo e a dos garotos de hoje. Não parece
que decorreram rápidos quarenta anos, e sim séculos. Aquele sonho do garoto de
ter uma mulher às noites só para ele, para matar sua luxúria, quando bem
quisesse, ficou mesmo no sonho. Serei taxado de machista, tudo bem. Sou representante
do meu tempo. Com mulheres há que haver amor, ou paixão, ou no mínimo romance
fugaz. Em maioria elas são muito complicadas, sensíveis, mandonas, cheias de
vontades, quando deixamos. Agora então com o feminismo e as igualdades de
sexos! Pior é que elas não estão mais felizes que antes com estes progressos
aparentes e agora com os “empoderamentos”. São sempre complicadas. Querem mais
do que recebem e pagam quando e como querem, se é que querem. Cada vez a
convivência fica mais difícil ainda, percebo pelo que vivo e principalmente
ouço, embora tudo pareça mais fácil para os homens. E há a AIDS.
Casamentos
acabam com piscar de olhos e ao invés de cama e sexo, há divã de psiquiatra. Já
tenho duas filhas divorciadas. Uma é psicóloga e outra engenheira eletrônica.
São bonitas, emancipadas e parecia que faziam bons casamentos, só que saíram
com a ambição da mãe, que sempre soube me cobrar atitudes.
Sei que
ainda guardo muito do garoto, que saltou onze pontos depois da praça, para
coxear a mulher de amarelo, que lia "Grande Hotel" no ônibus. Já
adulto estudei inglês nos fins de semana, fiz curso noturno de administração,
depois de informática, aprendi a dançar, entrei, oh maçada, para um clube de
ricos e várias vezes, muito mais do que desejava, enverguei traje a rigor. E
trabalhei feito um condenado sempre. Paguei para minha mulher e eu sairmos em
colunas sociais, comprei casa em Angra dos Reis e me mudei da Tijuca para o
Jardim Botânico. E o que queria mesmo, era ter uma mulher que gostasse de ficar
à noite comigo, quando eu quisesse. Talvez o vizinho gordo e tolo, apesar do
carteiro de bigodinho, tenha sido mais feliz do que eu neste aspecto.
Durante
uma curta fase tive a ilusão que as amantes cobririam minhas necessidades
básicas. As amantes, do tipo que tive, são venais. Culpa minha sei. Idem do meu
machismo. Não há o dinheiro na hora, como nas minhas experiências na Rua Mem de
Sá. Sempre há pagamentos permanentemente. Tenho trocado e trocado de amantes e
sem ser descortês, ou tratá-las mal.
Agora, que
vou ficando mais velho, parece-me ouvir o pai dizer a um compadre, metido a
conquistar jovens: “– Compadre, velhos só fazem papéis tristes nas mãos de
moças, não se tente enganar!”. Meu pai também nunca gostou de minha mulher e
disse, quando avisei que ia ficar noivo. “– Filho, cuidado! Esta menina é
bonita, mimada, foi criada aqui na vila e quis fazer curso na Socila e aprender
francês. Cuidado com mulheres que falam francês”. O velho era pior que eu em
conservadorismo.
Minha
mulher sempre e com graça dá a palavra final, sei. Cuidados tive. Nunca me
enganou com outro, ou outra, como está na moda. E não foi por falta de
oportunidade. Ela manobrava pela família com jeito e perseverança. Recebi muita
negativa velada. Ia deitar-se bocejando, “estou tão cansada”, ou tinha dores de
cabeça noturnas. Que dia horrível! Ou ficava vendo um filme tolo, já visto, que
começava às onze da noite, quando eu ia me deitar e precisava acordar cedo. E
que menstruações demoradas! Quando as regras cessaram e vieram os netos, é que
o barco afundou de vez.
Agora já
vou com muita tristeza ficando menos interessado. Minha atual amante, vinte e
cinco anos mais nova que eu, caríssima, como é ambiciosa, como vende favores,
com cara de inocência! Assim é ruim. Será que a mulher de amarelo percebeu
minha perna colada na dela? Uma hora, como estava de calças curtas, minha perna
roçou na dela. Pele na pele. Na hora em que a senhora me passou o embrulho.
Acho que vou largar essa atual amante. Quer um carro esporte novo, vermelho. E
na cama é muito fingimento, muito músculo, muita acrobacia, técnica. Falta um
mínimo de sentimento. E amor é parceria, reciprocidade. Não é monólogo, é
diálogo. Estou de olho em mocinha que entrou para a firma há poucos meses. Mora
no bairro, onde me criei, diz sua ficha de admissão. Quem sabe dá certo? Bem
queimada, pernas fortes, busto generoso, cabelos claros. Na sexta-feira foi
levar um memorando à Gerência e estava de amarelo. O flerte e a conquista ainda
me parecem fases muito excitantes. Agora... a mulher.
– Minha
filha, deixe disto. Estou muito velha para tomar atitudes extremadas. Seu pai
não vai dar carro esporte novo a esta moça. Vai é trocar de amante. Conheço bem
seu pai. Moldei-o com muita paciência e jeito. Engoli alguns sapinhos, ainda
que seu pai fosse discretíssimo com seus casos. E não vai ser agora, que está
se cansando de aventuras, que vou colocar tudo a perder. O garoto da vila nunca
cresceu de todo e tem lá suas ilusões sobre o sexo. Já lhe contou a história da
mulher de vestido amarelo, que era parecida comigo? Só que nos deu tudo que
temos, esforçou-se ao máximo, fez muita coisa que não queria e trabalhou
sempre. Merece algumas poucas recompensas. Deixe-o divertir-se, pois falta
pouco. Infelizmente o garoto desajeitado está envelhecendo e ficará quieto em
pouco tempo. Não se afobe, tenha calma. Nada de muito do seu vai ser retirado
do seu, nem do meu. Diga à sua amiga fofoqueira, que
a amiga dela não vai ganhar o carro vermelho esporte. Vai ganhar um belo pé no
traseiro, que, pelo que vi de relance, é bem provido.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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