Não Posso Perdoar o seu Perdão
de Kaiser Zeppelin
Você já pode acordar agora,
querido. Espero que você não me odeie por fazer isso… - Foi me dito e
interpretado em meu pico de consciência recente.
De fato, os dias foram um
tanto quanto nebulosos para mim ultimamente. Um assalariado qualquer tal como
eu não deveria ter se envolvido com uma mulher tão bela. Sinais como estes
tendem a ser bem mais evidentes, mas mesmo assim fui incapaz de pensar
corretamente antes de começar a me envolver com essa criatura tão hostil. Não
vou negar que talvez eu tenha uma parcela de culpa por ter permitido com que o
cenário atual pudesse percorrer sua trajetória até o ponto onde me encontro,
mas culpar-me num momento como o de agora só me faria sofrer ainda mais com o
fardo pesado que meu cérebro constantemente tenta raciocinar.
— Se você não falar nada vai
ficar estranho… - A voz feminina supostamente preocupada retirou o pedaço de
tecido da minha boca.
Mesmo que me fosse possível
comunicar-me verbalmente com minha capacidade sonora, de nada adiantaria.
Jogado numa floresta isolada de qualquer meio de movimentação humana social, eu
estou preso dentro do vazio bucólico com uma psicopata em potencial. E creio
que não terei tempo para começar uma longa explicação de como foi que me meti
numa situação tão desconfortável quanto essa.
— Não vai falar nada mesmo?
Realmente vai me odiar mesmo eu tendo me esforçado tanto para te tirar daquele
lugar miserável? – Rapidamente a empatia na voz da falante morria dando espaço
para um tom agressivo de quem cobra por seus atos.
— Você sabe muito bem que eu
nunca pedi por isso… - Tento falar, embora minha mente quisesse me avisar que
tentar estabelecer qualquer modo de comunicação com a minha antiga companheira
fosse um ato arriscado.
E tal como o imaginado, os
braços delas voam contra os meus ombros. Minha estrutura corpórea estaria presa
numa cadeira, tendo os meus membros superiores amarrados por de trás das costas
do objeto, uma corda estupidamente firme quase rompendo o meu fluxo sanguíneo. Seu
rosto esboça o temor em ouvir minhas insensíveis palavras a respeito de toda a
simpatia sentida por mim, tal como uma mãe que sente o próprio filho
apunhalando-a num golpe desleal.
— Sua vida deveria ser minha!
Fui eu quem te tirou da situação lamentável em que você se encontrava… fui eu
quem deu motivações para que sua patética vida ainda permanecesse entre os
vivos! Como ainda tem capacidade de negar tudo isso? – O tom desesperado da
mulher ferida facilmente é inserido brutalmente em meus ouvidos, devido à
proximidade de nossos rostos.
— Você pode até falar ao lado
da verdade em tudo o que disse… Mas também possui noção de que apesar de tudo,
sou eu o real significado da sua vida atualmente. – Tendo consciência que minha
fala atual teria grande impacto no raciocínio.
Meus olhos estavam cerrados em esperar algum tipo de agressão física
instantânea contra meu corpo, embora o tempo se demonstrou incoerente perante
minha percepção de horas, minutos e segundos. Sem compreender exatamente o
motivo de meu couro não estar sentindo o calor do próprio sangue que escorreria
por minha pele, atrevo reabrir meu campo de visão para admirar a estranha
imagem da figura feminina num estado estoico.
Meus conhecimentos
mundanos não seriam o suficiente para interpretar corretamente o motivo da
paralisia da mulher, sabendo que há poucos segundos, ou minutos, a mesma
estaria pronta para me decapitar caso não concordasse com suas afirmações.
Creio que minha sentença afetou mais seu psicológico do que o
desejado. Alguns poderão avaliar tal situação como um
alívio, um meio de ganhar tempo de vida ao ter “vencido” minha sequestradora.
Digo muito pelo contrário do que pensam. Ter
noção do quão impactada essa mulher está me faz temer o que ocorrerá em breve,
pois a loucura do louco deve ser sinônimo de alguma catástrofe bíblica.
— Durante toda a
sua vida, eu estive lá. Crescemos um do lado do outro, dentro daquela
detestável casa… Eu vi cada um de suas feridas sendo abertas… - O fluxo dos fonemas liberados pelos gélidos e obscuros
lábios da figura feminina possuem um andamento quebrado que incomodaria
qualquer poeta em busca da lírica perfeita. – Sabe o quanto dói para mim ter
seu amor negado?
— Imagino que não
deve ser uma dor maior do que a de perder tudo que você tem para uma maluca com
síndrome de Deus. – Falo sendo incapaz de encará-la nos olhos.
Como eu disse
anteriormente, eu tenho uma culpa de peso considerável em toda a situação.
— Perdoá-los é
inviável! Eu não poderia deixar você tomar uma decisão tão irracional e
perigosa quanto essa! Aquela família te fez mal a vida toda! – Real era o
desespero presente nesse momento na voz de minha falsa guardiã, que berrava
enquanto segura uma boa quantidade de lágrimas estocadas em seus olhos.
— Perdoá-los foi
uma decisão minha. Eu não preciso ter aprovação de outra pessoa para decidir
algo tão simples em minha vida. Não te culpo caso queira odiá-los para o resto
de sua vida… Coisa que pelo visto vai ser sua escolha… Mas não é assim que
funciona para mim! Agatha buscou redenção incessantemente depois que ela voltou
para a cidade! – Retomo a vida em minha voz, esperando que certa impotência
nasça em meu tom.
— Vai confiar nas
falsas palavras daquela mentirosa!? Ela não procura perdão… Tudo faz parte do
plano deles! Eles querem que você aceite pacificamente o acordo que acabaria
com a vida deles! Agatha queria agarrar seu coração com suas tentações e
seduções, para que você não assine o documento! Eu preciso de você para que a
gente possa acabar com a vida desses demônios que destruíram nossas vidas!
Nossas famílias!
— Pode até ser
verdade o que diz, mas eu decidi acreditar nela. Eu decidi que Agatha realmente
gostaria de refazer uma vida novamente com a gente, e que eu estaria disposto a
cada dia que passasse ao lado dela, alguma das memórias horríveis que tivemos
no passado seria extinta. Marine… Eu realmente gostaria de entender o motivo…
— Então me ajude!
– Foi ao enterrar sua mão em meu pescoço, que minha fala foi interrompida pelo
adendo da mulher cujo nome foi citado agora há pouco. – Ajude-me a acabar com a
vida deles! Eu imploro por ti, por mim e por nossos pais! Não é possível que
conseguiram te fazer uma pessoa tão insensível e cega para todos os males que
eles nos deixaram!
— Se quiser me
matar, então que me mate. – Digo tendo uma considerável dificuldade para
pronunciar corretamente o que era previsto em minha mente. – Vejo o quão
lamentável e infeliz a sua vida é. Por muito tempo, sempre invejei você. Foi a
primeira a conseguir liberdade, fugir da casa e conseguir um emprego… Uma vida
fora do inferno…
Ao passo
que meu relato íntimo
é narrado, sinto o peso da pressão exercida em meu pescoço diminuindo aos
poucos, permitindo com que minha fala persista até o fim do que almejo contar.
— Por favor, pare…
- Me é dito pela pessoa que tem uma formação recente de um fluxo de lágrimas
descendo o rosto.
— Talvez em algum
ponto da
minha vida eu realmente tenha sido odiado por todos. Com certeza já quis a morte de Agatha e seus
pais… E em algum momento, até a sua. Senti tanta solidão quando você me deixou
por lá, mesmo dizendo que eventualmente iria voltar para me buscar. Foram anos
de escravidão naquela casa, buscando de todos os meios continuar vivo esperando
seu retorno. Cada ano que se passava… Eu sentia que não fazia mais sentido
viver, e que meu suicídio viria por mero acaso na primeira oportunidade…
— Não continue
falando…
— Foi só depois de
ter sobrevivido ao incêndio naquele dia que eu descobri que eu não seria capaz
de acabar com minha própria vida. Inconscientemente, acabei salvando aqueles
dois demônios das chamas do verdadeiro inferno, que provavelmente estava
procurando por eles. Agatha já havia ido estudar no exterior, e viver apenas
com aqueles dois apenas aumentou o nível de tortura necessário para que
ficassem satisfeitos.
— Lucas...
— Você voltou. Sei
que demorou muito tempo, e que indiscutível é fato do quanto você lutou e se
esforçou para tentar retornar o mais cedo… Mas Agatha também voltou, e como uma
pessoa completamente diferente. Os direitos sobre minha vida ainda estariam
sobre o nome da família dela, e depois da morte dos seus pais, ela acabou com a
minha pose… Imaginei naquela época que seria o momento perfeito para tirar a vida dela, já que a minha eu jamais conseguiria… Porém
aquela pessoa estava completamente diferente. Eu sei que você também tentou ser
a luz da minha vida nessa escuridão… Mas um fato não pode ser negado, Marine.
Agatha foi essa luz.
— Você é cruel,
Lucas. Você é muito cruel. – Chorando um rio enquanto ainda tentava manter-se
em pé e consciente, minha antiga companheira de escravidão senta em meu colo, o
que não fazia muita diferença, já que minhas pernas já não tinham mais tato. –
Você sabe o quanto eu lutei por você?
— Eu sei… É por
isso que também me machuca ter que falar a verdade para você. – Eu não consigo.
— Sabe que eu não
demorei por querer? Que não existia um dia e noite que eu não pensava em ti?
— Eu consigo
acreditar em você… - Eu não tenho o direito.
— Sabe o quanto eu
te amo? – Eu não posso.
Eu não consigo,
não tenho o direito e muito menos posso receber teu amor. No fim das contas, eu
fui o verdadeiro traidor.
— Foi numa noite assim, não se
lembra? – Retoma a minha fala, retendo as lágrimas também em minha fala.
— Como…?
— Foi numa noite
dessas que nossas vidas se encontraram, não se lembra? – Nossas faces se viram
contra o céu, tomando a visão da imensa lua negra em cima de nossas cabeças. –
Foi você que me disse que essa lua poderia representar definitivamente o quão
nossos destinos estavam amaldiçoados
a sofrerem pela eternidade enquanto nosso sangue arde em nossa pele…
— A mesma lua… -
Tão admirada quanto eu, Marine parece ter se esquecido que havia alguém
amarrado em sua frente. – Quase como uma cena que se repete…
— Só que dessa
vez, eu volto a ser o garoto chorão que enfrenta os monstros com uma falsa
coragem, e você é quem estaria me fazendo sofrer perante a figura de um
demônio. Então faça até o fim dessa vez, Marine. Mate-me e então mate o resto.
Se isso é o que precisa acontecer para você ser feliz, vejo que eu jamais teria
paz se eu e você continuarmos vivendo simultaneamente. Nossas almas já não
possuem o direito de conviverem juntas.
— Está disposto a
morrer dessa vez ainda jurando amar o nome de Agatha…?! – Um chute direto em
meu peito acompanha o falar de minha antiga companheira, levando-me ao chão num
grande choque físico.
— Também é do seu interesse me torturar antes? Pois bem… — Um suspiro final é dado por mim, voltando a ser o salgado
sabor de minhas lágrimas ao raciocinar que minha vida se encerra hoje.
A lâmina corta
minha veste superior, depositando-se com seu aspecto mais cortante contra meu
peitoral. A figura deprimente de Marine preparada para cessar com meus
batimentos cardíacos provavelmente será minha última imagem antes de morrer.
Contemplo o quão infeliz minha jornada vital foi; tomando nota de que
verdadeiramente jamais teria capacidade de fugir do inferno em que me foi
colocado.
Sorrio em meio ao
choro para a figura feminina que leva a faca aos céus, pronta para desferir seu movimento fatal contra minha trágica pessoa.
E foi com o testemunho da mesma lua que viu meu pesadelo nascer, que me despeço dessa vida com o sangue e lágrimas das duas pessoas de detestável destino entrelaçados, sobre a luz negra de uma infeliz história.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO
Copyright © 2021 - WebTV
www.redewtv.com
Comentários:
0 comentários: