Uma Canção de Amor
de Edgar Henrique
Havia comoção
no corredor, como costumava haver sempre que as garotas se reuniam em volta dos
jogadores do time de futebol do colégio. Dependendo do horário do dia, os
gritos iam de chatos a insuportáveis, e Peter não entendia como alguém podia
ter tanta voz para gritar, pois ele não conseguia se imaginar fazendo tal
coisa.
Os jogadores
sempre ganhavam aquela glória, o palco, mesmo que fosse ele o artista ali, ao
menos era quem fazia parte do clube musical do colégio. Chamar-se de artista
podia ser um pouco arrogante, afinal de contas não era tão bom assim, tocava
fazia apenas alguns anos, mas certamente não recebia a atenção que o garoto
mais distante recebia.
Tinham a mesma
idade, estudavam na mesma turma, ainda assim a simples atividade distinta era o
que os tornava tão diferentes aos olhos das garotas, não que Peter estivesse
atrás de ser cercado por gritos e histeria onde quer que fosse.
Tocava violão,
sim, mas não tinha grandes sonhos como aquele. Pensava apenas um pouco no
futuro artístico, nada como subir em palcos e ver uma multidão cantando com
ele, principalmente porque o canto não era uma de suas qualidades.
– Ei, vamos tocar uma juntos? – olhando para o garoto,
arqueando a sobrancelha diante da frase obviamente maldosa, ele esperou que Cain
se mancasse. – Uma música, bobo.
– E o que quer tocar?
– Uma música de amor da minha banda favorita. – tinha
uma noção da banda, dividiam aquele gosto, e aprender músicas da banda que se
mais gostava era básico, algo que todo mundo aprendendo a tocar algum instrumento
buscava.
– Eu odeio músicas de amor. – revelou o que não sabia
se o amigo, se podia chamá-lo daquela forma, sabia.
– Por quê? – a expressão confusa não era novidade, na
verdade, era bastante comum que dissesse não gostar de músicas do gênero e receber
o exato olhar que Cain o dava, de incredulidade, como se houvesse dito um
sacrilégio. – Eu amo músicas de amor.
– São melosas e apelativas, como se o amor fosse tão
ideológico assim. – ele respondeu.
– Acho que você está desiludido, precisando de alguém.
– o garoto provocou, mas ele duvidava que conhecer alguém poderia mudar sua
opinião.
– Estou ocupado demais pra isso. – respondendo, Peter
se colocou a andar, colocando a alça do violão sobre o ombro, deixando o outro
para trás.
– Ei, espera aí. E nossa música? – Cain
perguntou, mas não parou, esperando que o mesmo o seguisse para a sala.
A música com Cain
teria que esperar, pois Peter já tinha algo que queria fazer sozinho e não
podia adiar muito. A falta de isolamento acústico na casa o fazia ter que ficar
mais tempo no colégio, daquela forma podia tocar sem problema nenhum, sem se
preocupar em incomodar os outros ou ser incomodado.
Cada um tirava
algo diferente da música, e o que ele tirava era uma companhia para as horas
que se sentia sozinho. Cain estava errado, Peter não precisava de músicas de
amor, precisava das tristes, pois eram as que mais se encaixavam com ele
dependendo do que sentia no dia.
Tocar o
relaxava, fazia com que se sentisse equilibrado e em paz, às vezes dava
significado ao mundo, então normalmente ficava na solidão e privacidade da sala
de música, podendo desfrutar de sua própria presença e do violão.
Praticar com Cain
uma suposta música que o garoto gostava incluía ter que aprender as partições
da música, aquilo levava tempo, especialmente se não fosse uma letra necessariamente
fácil.
Estranhando a
sala aberta, ele entrou.
Peter não deu
muitos passos, parando logo que percebeu um estranho no local. A sala não
costumava ficava aberta durante aquele horário já que a segurança dizia que
havia risco de serem roubados, mas de alguma forma alguém conseguira entrar.
O garoto estava
de costas, mas ele pôde reconhecer quem mexia na guitarra, o cabelo castanho e
a alta estatura tornavam relativamente fácil, além da roupa de futebol e o
número logo atrás.
– O que faz aqui? – confuso sobre a presença do outro
garoto, ele perguntou recebendo a atenção do mesmo. – Essa é a sala de música.
– Acho que sei onde estou. – Marcel respondeu
tranquilo, deixando o instrumento.
– Então já pode ir embora. – querendo paz, sendo o
motivo pelo qual havia ido até ali, ele o expulsou. – O campo fica bem longe
daqui.
– É sempre rude assim com as visitas? – o garoto
perguntou, começando a se aproximar. – Ou vai dizer que sou especial? – o
sorriso o fez revirar os olhos.
– É convencido, isso sim. – teria ameaçado bater no
outro com o violão, mas o instrumento era precioso demais para aquilo. – Não
deveria estar jogando bola ou fazendo sei lá o que os atletas fazem?
– Você por acaso fica tocando seu violão o dia todo? –
Marcel rebateu.
– Por que acho que está sendo maldoso? – não achava
que era impressão, e o sorriso, agora debochado, o provou aquilo.
– Do que acha que estou falando?
– Se já terminou, tenho certeza que alguém sente sua
falta em algum lugar. – não o respondendo, mudando de assunto, voltou a
expulsá-lo.
– Como sabe que não estou aqui para ter aulas de
música? – ele estranhou a pergunta, e muito, mas preferiu dar uma chance ao
olhar mais sério que viu na cara do garoto, ainda que bastante cético sobre
aquela possibilidade.
– Escuta aqui, tocar um violão, ou qualquer outro
instrumento, não é tão fácil como as pessoas acham.
– Ah, não?
– Não. – ele respondeu levemente irritado pelo descaso
do outro garoto. – Você primeiro precisa de treino, de um professor para te
ensinar e bastante tempo e dedicação. As pessoas acham que é só chegar aqui e
vão aprender tudo magicamente, mas não é assim. – Marcel começou a olhar em
volta, procurando alguma coisa, e ele ficou curioso para saber o quê. – O que
está caçando?
Sem ser
respondido, o garoto apenas andou até uma prateleira com alguns equipamentos,
ficando de modo que não pôde ver o que o mesmo fazia. Quando enfim Marcel se
virou, um triângulo estava na mão dele, o qual o convidado indesejado tocou.
– Pareceu fácil pra mim.
– Muito engraçado. – sem humor, ele abriu um sorriso.
– Agora pode ir. – Marcel começou a andar, vindo em sua direção, e ficou
esperando para saber o que o mesmo faria.
– É muito irritadiço, Peter – Marcel não parou o
avançar, o que o fez se perguntar o quão mais próximo o garoto pretendia chegar
–, mas é isso que mais gosto em você. – processando aquele comentário, a boca
foi atacada. Seus lábios foram tomados por outros, e surpreendido por um beijo,
ficou sem reação enquanto sentia um gosto de menta vindo da boca de Marcel.
– O que você fez? – chocado, ele levou a mão livre aos
lábios assim que se afastou.
Marcel não o
respondeu, independente de estar esperando uma ótima justificativa para o que
acabara de acontecer, para o beijo roubado, o garoto apenas o deu as costas,
seguindo na direção da porta.
– Já que eu vim te visitar dessa vez, espero que vá me
fazer uma visita no campo também. – antes de sair, Marcel parou na porta,
olhando para dentro mais uma vez com um sorriso que fez com que Peter ficasse
levemente bobo. Não era como o sorriso convencido, era... Ele arriscaria
alegre. – Te vejo por aí, Peter.
Foram as
últimas palavras antes de Marcel sair, deixando Peter com o violão em uma mão,
os lábios sendo tocados pela outra e o coração batendo estranhamente rápido.
Ele havia
pensado em não comparecer ao evento do colégio, contudo, a ideia de ficar
sozinho na sala de música não o agradava mais, não depois da visita inesperada,
não depois de ser deixado tão confuso por Marcel, quem simplesmente o beijara e
saíra.
Peter ainda
estava tentando entender tudo que ocorrera, como ocorrera.
Primeiro
entrara na sala de música, acreditando que estaria sozinho, e então fora
surpreendido pela presença de Marcel, para, no fim, ter os lábios roubados em
um beijo.
Era loucura.
Também era seu
primeiro beijo.
O que Marcel
tinha na cabeça ele não era capaz de dizer, mas acreditou que comparecer ao
jogo o daria algum tipo de luz de esperança, alguma resposta, então assim fez.
O colégio
estava enfrentando outro pelo título, e pegando um lugar no canto da
arquibancada pela falta de espaço, estava perto demais do campo, mas era o que
tinha.
Procurando Marcel,
achou a camisa dele, sabendo por acaso que pertencia ao mesmo. Não entendia de
futebol, sua área era outra, mas o garoto era um atacante, e corria no momento
com a bola.
Um gol foi
feito, e ele sorriu.
Sendo achado
por Marcel, ou assim pareceu já que o garoto olhou em sua direção e sorriu, ele
tentou conter as próprias reações.
O jogo continuou, a partida ficou mais difícil
já que nenhum dos times marcou pontos por um bom tempo. Acabara, sem entender
muito bem por que, por ficar empolgado com o jogo, o que devia ser um sinal de
que estava louco ou similar já que há não muito tempo não ligava para os
jogadores, mal gostava deles.
Talvez o beijo
o houvesse causado algum dano que não sabia, mas já fazia efeito.
Precisava tirar
aquilo a limpo ainda, não importava o quão estranhamente empolgante e nervoso
ao mesmo tempo podia ser assistir o Marcel – e os outros, claro – jogarem.
Quando o jogo
acabou, anunciando a vitória do time da casa, a arquibancada foi à loucura,
empolgada pela conquista.
Marcel saiu do
campo, enquanto os amigos dele comemoravam e os adversários lamentavam, vindo
em sua direção. Ajeitando-se, tentando não parecer nervoso por qualquer motivo,
pois ainda tinha que tirar algumas dúvidas, ele esperou o aproximar do outro.
– Sabia que te beijar me traria sorte. – a frase o
preocupou para a possibilidade de alguém ouvir, mas aparentemente ninguém parecia
estar prestando atenção, ocupados demais com a própria comemoração.
– Foi por isso que me beijou? – em um misto de
irritação e vergonha por ouvir a explicação, Peter perguntou.
Não precisara
se dar ao trabalho de perguntar, recebera a resposta antecipado:
– Te beijei porque te acho fofo, mas esperava que me
trouxesse sorte também. – a confissão em público novamente o preocupou, daquela
vez o deixando vermelho. – Ei, já que ganhei, não acha que mereço um prêmio? –
havia uma sugestividade naquela pergunta, mas o empurrou de leve.
– Eu não te acertar por me beijar sem permissão vai
ser seu prêmio. – ele respondeu, e o sorriso no rosto do outro quase o fez
reconsiderar. Peter olhou para o lado, evitando o contato visual para
continuar. – Parabéns.
– Obrigado. – dando uma bisbilhotada, viu que o garoto
se aproximava, então se afastou um passo. – Sério? Nem um beijinho? – Marcel
indicou a bochecha.
– Eu vou voltar pra sala de música. – dando às costas,
ele se pôs a andar. Não sabia por que se dera ao trabalho de avisar, mas
deixara o violão no local e precisava pegar.
– Estou ansioso para minha próxima visita. – o elevar
de voz o fez abaixar a cabeça, procurando um canto para escondê-la.
Por duas vezes
no mesmo dia, Marcel fora capaz de fazer seu coração bater rápido, ainda que
usando de ações diferentes para realizar aquilo.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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