Uma História de Amor e de Morte
de Jober Rocha
I
Caros leitores, as páginas apresentadas a
seguir fazem parte de um diário por mim encontrado recentemente dentro de um
armário trancado e abandonado no depósito de materiais de um Batalhão de
Infantaria, localizado no Estado do Rio de Janeiro. Como oficial temporário,
naquele dia, comandava uma equipe que procedia a limpeza do referido depósito,
objetivando abrir espaço para vários caixotes que chegariam de outras
Organizações Militares.
Constatei
que alguns armários de madeira imprestáveis, carcomidos pelo tempo e pelos
cupins, teriam de ser retirados para serem queimados, em área própria, nos
fundos do batalhão. Como um dos armários estivesse fechado à chave, antes de
queimá-lo, forcei sua fechadura. Dentro encontrei um grosso caderno com capa de
couro. Ao folhear rapidamente suas páginas, já amareladas pelo tempo, constatei
tratar-se de relatos diários sobre a vida de um militar daquele batalhão. Pelo
mau estado de conservação percebi que o diário permaneceu esquecido, ali
dentro, por dezenas de anos; fato este que, de certa forma, o manteve
preservado, embora os cupins houvessem destruído partes da capa e de algumas
páginas.
Guardando
o diário para posterior observação mais detalhada, mandei colocar fogo aos
armários e dei minha missão por encerrada.
Mais tarde no alojamento lembrei-me do diário
e, ao tornar a abri-lo e examiná-lo com mais detalhe, vi que tratava de relatos
que abrangiam o período de março de 1942 a setembro de 1946, e que incluíam a
participação de seu autor em combates travados no território italiano durante a
Segunda Guerra Mundial. Em nenhuma parte do caderno encontrei o nome do dono
daquelas memórias; razão pela qual dei ao presente texto o título de “Uma História de Amor e de Morte”.
Muito
do que pude conhecer referente à vida e aos pensamentos do autor do diário, foi
obtido através do rascunho de várias cartas, dirigidas ao seu pai e a sua
namorada, encontradas entre as folhas do caderno.
O que verdadeiramente me levou a divulgar o
referido diário da forma como o faço agora, foi o sentimento por mim
vivenciado, após lê-lo integralmente, de que devia pelo menos proporcionar isso
ao seu autor.
Enquanto
outros países souberam recompensar a dor e o sofrimento de seus soldados, o
Brasil desmobilizou os dele, ainda mesmo na Itália, deixando-os totalmente
desamparados após seu retorno àquela ingrata pátria que, com o risco da própria
vida, foram defender em solo europeu.
À
memória deste desconhecido soldado de infantaria, que deixou para as futuras
gerações o relato de suas vicissitudes em solos brasileiro e italiano, dedico
todo o trabalho que tive ao compilar, transcrever e tornar pública a presente
história de amor e morte.
II
Hoje,
06 de junho de 1942, já transcorreram dois meses que eu adentrei, pela primeira
vez, o portão da guarda do quartel de Infantaria, localizado, segundo nos
disseram ao chegarmos, em área de antiga fazenda pertencente a uma família
inglesa.
Durante o dia nossas atividades são
acompanhadas por milhares de pios e cantos de centenas de pássaros que habitam
e circulam por aquelas árvores. Pequenos macacos e micos também são frequentes
nos galhos das árvores.
Entrando pelo terreno do quartel vê-se, logo
em frente, uma alameda de palmeiras que conduz ao prédio principal, antiga sede
da fazenda. À esquerda, e ao fundo deste, encontram-se alojamentos que dão
frente para o campo de futebol. À direita existem novos alojamentos e um pátio
para exercícios e formaturas.
A comida do rancho é de muito boa qualidade e
servida com fartura.
Após seis meses de exercícios diários e de boa
alimentação, já somos verdadeiros soldados atletas. Praticamos várias
modalidades de esporte; entretanto, a mais concorrida é o futebol, praticamente
jogado por todos.
Já fiz
diversos amigos e, a julgar por nossas afinidades, creio que todos nós seriamos
capazes de dar a própria vida em defesa da dos demais, tão forte é a amizade
que nos une.
Muitos companheiros, sabendo que moro no
próprio quartel, convidam-me para visitar suas casas nos fins de semana.
Alguns, inclusive, sabendo que curso a Faculdade de Direito, já deixaram claro
que possuem irmãs solteiras que querem me apresentar.
Pelo que sei a guerra que convulsiona a
Europa, aos poucos, chegará ao Brasil. Em maio um navio chamado Parnaíba foi
atacado por submarinos alemães nas proximidades da Ilha de Trindade. Com este
já são seis os navios brasileiros atacados.
Alguns oficiais falam que nosso país talvez
venha a participar do conflito enviando tropas para a Europa.
Na Faculdade de Direito meu desempenho tem
sido razoável, considerando o pouco tempo que disponho para os estudos.
Felizmente a presença não é obrigatória, pois, embora o Cel. comandante do
quartel tenha me dispensado de várias atividades, não é sempre que consigo
assistir às aulas. Meus professores são muito bons, todos catedráticos e com
vasta cultura jurídica.
Em meados de agosto o rádio noticiou que o
governo havia transmitido uma declaração de guerra aos governos da Alemanha e
da Itália. Ao final do mês foi declarado o estado de guerra em todo o país. Em
setembro foi decretada a mobilização geral.
III
Um dia, passeando de bonde, sentei-me
próximo a uma jovem lindíssima que viajava sozinha. A certa altura, não me
contendo mais, perguntei-lhe qual o seu destino. Ela, com um sorriso
maravilhoso, respondeu que saltaria em São Domingos. Rapidamente respondi-lhe,
inventando uma estória, que este também era o meu destino, pois, sendo militar
deveria ir a um quartel, localizado próximo, entregar uma mensagem urgente e
secreta. Acompanhei-a até seu destino e, a partir daí, passamos a nos encontrar
aos fins de semana.
Letícia é maravilhosa. Filha única, seus
pais faleceram em um acidente com a barca da Companhia Cantareira, na travessia
entre o Rio e Niterói, há muitos anos atrás.
Parece que uma barca, a primeira a ter luz
elétrica, apresentou um curto circuito durante a travessia, pegou fogo e
afundou, matando várias crianças e os pais de Letícia.
Desde aquela ocasião reside em São
Domingos, com a avó viúva.
Estuda no Rio de Janeiro para ser
professora e pensa em trabalhar, depois de formada, na capital, Niterói, ou no
interior do Estado.
Em 01 de dezembro, fui com Letícia e a avó
ao Rio de Janeiro assistir a um filme. Eu preferia assistir ‘Aconteceu em
Havana’, com Carmem Miranda e Cezar Romero, no Cine Rian, em Copacabana, ou ‘O
mistério do quarto secreto’, no Cine Odeon. Sua avó queria ver ‘Canção do
Hawai’, com Betty Grable, no Cine Rex; porém, acabamos por fazer a vontade de
Letícia, indo assistir ‘Lua de mel, lua de fel’, com Robert Montgomery, no Cine
Metro Passeio. Acabou que todos nós gostamos muito da comédia. Não sei se
Letícia quis mandar algum recado, dissimulado, para mim, através do filme.
Na véspera do natal ouvi, pelo rádio, que
o Presidente da República criou uma Força Expedicionária, cuja missão seria a
de participar do atual conflito que está se estendendo pelo mundo todo.
IV
Viajei para a Itália no segundo escalão.
Nossa saída deu-se em vinte e dois de setembro de 1944, a bordo do navio de
transporte americano General Mann.
Meu animo começou a decair logo que
desembarquei no Porto de Nápoles, a seis de outubro de 1944.
O porto está todo destruído, navios
emborcados ou afundados e apenas com as chaminés aparecendo à flor da água.
De Nápoles, nos dirigimos para o porto de
Livorno, em embarcações de desembarque americanas denominadas LCI.
Em Livorno recebemos uniformes americanos,
pois passamos a integrar o IV Corpo, do Quinto Exército dos Estados Unidos
(este sob o comando do General Mark Clark) que, além da Divisão de Infantaria
Expedicionária Brasileira, é constituído por: uma Divisão Blindada
Norte-Americana, uma Divisão Sul-Africana e outra Divisão Inglesa; bem como da
Décima Divisão de Montanha Norte-Americana.
A nossa divisão é uma das 20 divisões
aliadas presentes no ‘front’ italiano
De Livorno seguimos de caminhão para um
acampamento em Tenuta di San Rossore, onde receberíamos o nosso armamento.
Recebi um fuzil semiautomático Garand com
capacidade de oito tiros, em calibre 30-06.
Granadas e outros petrechos seriam recebidos na linha de frente, antes
das missões.
O comandante do meu pelotão é um
segundo-tenente, que morava na Tijuca antes de vir para a Itália. Ele também
cursava direito ao sair do Brasil, porém, na Faculdade Nacional, e gosta muito
de conversar comigo, pois, considera-me um intelectual perdido no meio desta
guerra. Pensamos em ser sócios em um escritório de advocacia, quando a guerra
terminar.
Às vezes, à noite, sentados no que restava
de alguma varanda abandonada em razão da casa haver sido destruída por um
impacto de artilharia, conversávamos sobre aspectos e dificuldades da profissão
de advogado.
V
Certa
ocasião eu caminhava à esquerda, um pouco distante dos demais companheiros,
quando uma súbita explosão, próxima de mim, atirou-me ao solo. Perdi,
instantaneamente, toda a visão e a audição. Em questão de segundos pareceu-me
não mais estar ali, naquela guerra. O silencio era total e, de uma posição mais
alta, via-me no solo caído. Ao lado do
meu corpo enxerguei minha mãe, sorrindo para mim e tentando dizer-me algo.
Quando acordei, duas semanas depois,
encontrava-me no 7Th Station Hospital, em Livorno.
Um disparo de morteiro que explodira bem
próximo havia me decepado parte do braço e da perna, além de arrancar o olho e
a orelha esquerdos; bem como ocasionando traumatismo craniano e vários
ferimentos menores na boca e no nariz. Dado como morto naquela ocasião, eu fui,
no entanto, conduzido ao hospital de Livorno.
Após um mês naquele hospital, fui
transferido para o General Hospital Headquarter Building, em Nápoles, onde me
encontro agora redigindo parte destas notas. Neste novo hospital, disseram-me,
teria melhor atendimento e poderia ter uma recuperação mais rápida.
Certo dia, eu recebi uma má notícia, que me
deixou arrasado durante muito tempo. O Tenente, comandante do meu pelotão, após
nossas tropas haverem tomado Collechio, morrera em decorrência da explosão de
uma carga colocada sob uma pistola alemã, Luger, caída ao solo. Ao apanhá-la,
talvez como uma lembrança que desejasse trazer para o Brasil daquela guerra, a
carga detonou matando-o.
Acabara-se, assim, tragicamente, o sonho
que acalentávamos de sermos sócios na banca de advocacia.
No hospital eu me locomovia em uma cadeira
de rodas. Estava praticamente surdo, pois havia perdido um ouvido e do outro
escutava muito pouco. Conforme pude constatar, ao me olhar, pela primeira vez
depois do acidente, em um espelho, meu rosto estava bastante deformado. A
ausência do olho e da orelha esquerdos, além de uma cicatriz que descia da
testa ao queixo, dava-me uma aparência horrível.
VI
Finalmente,
em 22 de junho de 1946, cheguei ao Rio de Janeiro, após quase dois anos na
Itália. Papai não estava me esperando no aeroporto.
Em minha cadeira de rodas dirigi-me para o
ponto de táxi. Embarcando, dei ao motorista o endereço do subúrbio para onde
desejava ir.
Após cerca de uma hora e meia de viagem,
chegamos. Chamando a porta, ninguém
atendeu. Pouco depois, uma vizinha veio em minha direção e contou-me que o
proprietário havia falecido, logo após a morte da sua esposa. Estavam ambos
enterrados no pequeno cemitério que ficava próximo dali.
No mesmo carro que me trouxera, voltei para o
centro da cidade, após passar pelo cemitério onde contemplei os túmulos de meu
pai e de minha mãe, separados apenas por uma fileira de arbustos com flores
amarelas.
Hospedei-me no andar térreo de um hotel na
Rua do Lavradio e permaneci encerrado no quarto durante vários dias, apenas
saindo para fazer as refeições.
No restaurante, notava a sensação
desagradável de quantos me fitavam sentado à mesa.
Um dia, tomando coragem, embarquei em um
táxi e dirigi-me à rua, no bairro da Tijuca, cujo endereço meu comandante e
amigo falecido havia me dado certa ocasião.
Não foi difícil localizar sua casa. Tocando a
campainha, uma senhora com aproximadamente 50 anos veio até o portão atender.
Ao identificar-me como sendo da mesma
companhia e do mesmo pelotão de seu filho, abraçou-me carinhosamente e mandou
que entrasse.
Em casa estavam, apenas, ela e sua filha,
cuja idade regulava com a do meu amigo e comandante.
No início, apresentaram um comportamento
muito tímido, porém, com o transcorrer da conversa pediram-me que relatasse,
com detalhes, a nossa vida nos campos de batalha da Itália. Pediram-me, também,
que falasse sobre as condições em que ocorrera a morte do filho e irmão.
Com respeito a esta, disse apenas aquilo que
ouvira dizer no hospital de Nápoles.
Com relação ao nosso dia a dia, falei-lhes
da nossa amizade, iniciada tão logo nos conhecemos. Disse-lhes que eu também
estudava Direito e pretendia ser seu sócio, quando a guerra terminasse e ambos
concluíssemos o curso.
Contei-lhes
das inúmeras situações difíceis que vivenciamos juntos e das incontáveis vezes
em que havíamos salvado a vida um do outro. Lamentei estar no hospital quando
soube de sua morte, pois, se estivesse ao seu lado, talvez pudesse ter evitado
aquele triste desfecho.
Falei-lhes
sobre as misérias da guerra que fazem com que, aos poucos, nos transformemos e
nos tornemos insensíveis à dor e ao sofrimento, nosso e dos demais.
Disse-lhes da emoção de ver companheiros
feridos morrer em nossos braços, sem que possamos fazer outra coisa, além de
segurar suas mãos e torcer para que resistam um pouco mais, até a chegada do
socorro médico.
Falei do espírito de solidariedade que, muitas
vezes, faz com que um companheiro se sacrifique ou, até mesmo, dê a vida pelo
outro.
Mencionei o fato de, durante o tempo em que
permaneci no ‘front’ não haver visto nenhum ateu entre os infantes combatentes.
A proximidade diuturna com a morte impede, em todos nós, a dúvida quanto à
existência de um criador.
Elas
me ouviam em silêncio e, quando parei de falar, a mãe começou a soluçar.
Disse-me, então, que sempre tivera um
pressentimento de que alguma coisa ruim ocorreria com seu filho, logo após a
partida dele do Brasil.
Falou das inúmeras vezes em que não conseguia
conciliar o sono, pensando no que o filho estaria fazendo e por quais
dificuldades estaria passando.
Contou-me das centenas de ocasiões em que fora
à igreja orar pela volta do filho, salvo e com saúde. Mencionou as centenas de
velas que havia acendido nas igrejas, os terços que havia rezado e as novenas
de que participara; tudo aquilo em vão.
Não podia compreender porque o criador havia
deixado de atender aos seus pedidos e permitira que um filho tão bom,
trabalhador e patriota (pois havia sido voluntário) tivesse aquele trágico
destino.
Sem saber o que dizer-lhe, afirmei, na
ocasião, que jamais poderemos compreender os desígnios do Criador. Muitas vezes
temos um objetivo na vida que não corresponde ao objetivo que o Criador tem
para conosco.
Com a
chegada do marido, de volta do trabalho, despedi-me de todos e retornei para o
meu hotel.
Um dia pela manhã resolvi ir a São Domingos,
em Niterói, apenas para passar em frente à casa de Letícia, contando que, com
um pouco de sorte, talvez pudesse contemplá-la no jardim regando algumas
plantas, ou mesmo vê-la caminhar pela calçada com seu porte esguio e seu andar
macio e elegante.
Passei, por várias vezes, em frente à casa de
Letícia, que me pareceu totalmente deserta.
Por fim, não me contendo, toquei a campainha.
Como ninguém atendesse, dirigi-me a casa ao
lado. Lá, uma senhora informou-me que a avó de Letícia havia falecido meses
antes e que esta, tendo recebido notícias de que seu namorado, ou noivo, havia
falecido na guerra, mudara-se dali para uma cidade no interior do Estado, onde
havia obtido emprego como professora. Não sabia dizer para que município fora,
pois, Letícia mudara-se sem deixar endereço.
Embarcando novamente no táxi, pedi ao
motorista que rumasse para o Terceiro Regimento de Infantaria, em Venda da
Cruz.
Ao
trafegar pelas ruas e contemplar as lojas e as pessoas circulando, era como se
aquele passado de militar, servindo no velho quartel, voltasse ao presente,
fazendo com que aqueles anos passados nos campos de batalha da Itália não
houvessem ocorrido.
Ao contemplar os muros do quartel, o portão
da guarda e a alameda com palmeiras que conduzia ao prédio principal, meus
olhos encheram-se de lágrimas.
Lembrei-me de quando, apenas dois anos antes,
eu percorria aquelas alamedas correndo junto com outros companheiros durante as
atividades de ginástica. Recordei-me dos dias de corte de cabelos na barbearia
do quartel quando, reunidos por companhias, ficávamos longas horas conversando
sobre nosso futuro e sobre amenidades. Identificando-me no portão da guarda,
pedi para falar com o comandante do quartel.
Atendeu-me com cortesia e, sabendo de minha
situação, ofereceu-me hospedagem no quartel, por uns meses, até que minha vida
se regularizasse. Deu-me uma cama e um armário de madeira, em um canto vazio da
enfermaria.
Um dia resolvi descer a rua do quartel na
cadeira de rodas. Pretendia fazer uma visita ao seu Miranda, com quem costumava
conversar quando servia como soldado.
Fazia
tão pouco tempo que percorrera, pela última vez, aquele caminho, porém, para
mim, tudo tinha agora um aspecto diferente. As pessoas com as quais cruzava em
minha cadeira, não tinham a mínima ideia de por onde eu havia andado e o que
havia feito. Muitas delas sentiam-se visivelmente incomodadas, quando tinham
que ceder o lugar ou desviar-se do caminho da cadeira de rodas.
O
calor e o sol forte que faziam obrigavam-me a rodar devagar com a cadeira, que
era movimentada pela minha própria mão agindo sobre a roda direita. Nenhum dos
passantes, que trilhavam o mesmo caminho, se ofereceu para empurrá-la.
A
calma existente naquele recanto do mundo era muito diferente da tensão diuturna
que eu vivenciara nos últimos dois anos, há milhares de quilômetros dali.
No
trajeto cruzei com vários militares fardados que retornavam caminhando para o
quartel. Eram todos jovens e alegres como eu fora, também, há apenas alguns
anos antes.
Absorto em meus pensamentos, quando dei por
mim já me encontrava em frente ao armazém do Miranda. As portas estavam
cerradas. Perguntei ao lado e disseram que alguém havia falecido na família.
Sai dali pensando em Letícia. Certamente ela
já teria refeito sua vida, até mesmo casado, talvez tivesse um filho. Eu, na
vida de Letícia, seria somente um fardo a mais para ela carregar e desejava que
mantivesse, com relação a mim, apenas boas recordações.
Minha carreira como advogado era coisa do
passado. Com a dificuldade de locomoção que tinha e com o meu aspecto físico,
dificilmente conseguiria clientes. Talvez nem conseguisse me formar advogado,
com as limitações que apresentava.
Sem
objetivo na vida, com a reduzida pensão que recebo e que me obriga a morar de
favor nas dependências do quartel, praticamente sem amigos e sabendo que causo
repugnância àqueles que me veem, desejaria ter ficado nos campos de batalha da
Itália, junto com meus companheiros mortos e com os inimigos que matei. Talvez
o Criador fosse um pouco condescendente comigo e me permitisse reencontrar meu
pai e minha mãe.
Neste
dia finalizo este diário que me acompanhou, durante os últimos anos, por
lugares tão distantes. Não há mais razão para continuar a redigi-lo, pois, sei
inteiramente seu conteúdo, não possuo descendentes para quem deixá-lo e,
certamente, ninguém se interessará pelo que contém; já que fala, tão somente,
sobre a vida de um simples soldado de infantaria (que amava muito a sua
namorada), até então, sobrevivente aos apelos da morte para um encontro
pessoal; encontro este, finalmente, marcado para hoje.
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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