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Antologia Lua Negra: 3x03 - O Altar de Lilith

Conto de Diego Ribeiro
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Sinopse: Um rapaz chamado Anderson se via finalmente encontrando a felicidade no dia da Lua Negra, mas a ação do culto de Lilith frustrou seus sonhos com uma terrível carnificina.


O Altar de Lilith
de Diego Ribeiro

 

1. Prólogo

             Rígel iniciou as suas preces matinais em conjunto com o habitual autossuplício. Ele se chicoteou com prazer em honra à Deusa, apesar de seu corpo já estar bastante ferido e repleto de cicatrizes abertas, tudo por conta de sua doentia devoção. Depois desse ritual, ele se reuniu com outros membros do culto e todos começaram a entoar cânticos religiosos em consagração ao nome da divindade.

            Os dias haviam sido proveitosos depois que Rígel foi iluminado pela luz da verdade. Graças ao Evangelho, ele finalmente se libertou da vida comum e se refugiou no culto, conseguindo com isso a satisfação que nunca antes havia sentido em sua miserável vida de estudante. Os fóruns virtuais foram o locus fundamental para a expansão da seita, e graças a isso Rígel se viu em volta de diversas pessoas que, assim como ele, antes viviam uma existência vazia, mas agora estavam realizadas por conta dos ensinamentos do Evangelho.

            A devoção do jovem foi intensa desde o começo, tendo conseguido a virtude de bispo em pouco tempo. Agora, ele se encontrava em um dia especial.  Após declamar os cânticos junto com os outros membros, Rígel ergueu o Evangelho e disse:

— É chegada a hora, irmãos, o anúncio se fará presente hoje. Ah! O Evangelho confirma tudo! Finalmente estaremos juntos com nossa Deusa. Sim! — depois de falar isso, Rígel coloca o Evangelho no chão, prostra-se e bate sua cabeça cinco vezes na superfície. Depois disso, ele ergueu o rosto, agora ensanguentado, lentamente — Eu consigo sentir a glória, o poder, a dignidade que logo iluminará o mundo… Precisamos fazer algo digno para este dia…

            Os membros do culto ajoelharam-se perante o bispo, enquanto ele se levantava e abria os braços com um rosto repleto de satisfação.

Chagas da carne, abram-se! Hoje os porcos imundos irão ter finalmente uma serventia. Irmãos, agora poderemos sair e realizar a festa de boas-vindas. Faremos um altar de sangue para o retorno de Lilith!

 2. Um Homem e seu Grande Amigo 

            O dia havia sido monótono para Anderson, assim como em praticamente toda a sua vida. Ele acordou, preparou o café da manhã e levou sua mãe, já bastante idosa, para a mesa com o cuidado e carinho que sempre dedicava a ela. Depois de comer, ele a levou para a sala para que a mesma pudesse escutar a rádio, enquanto ele assistia televisão. E assim sua rotina prosseguia com os cuidados domésticos e com o acompanhamento de sua mãe.

            Ele até queria ter alguma alteração na rotina, com algum relacionamento amoroso, qualquer que fosse, mas era muito tímido para conseguir qualquer contato com o sexo oposto. Além disso, seu próprio perfil gordo, com rosto oleoso e dentes excessivamente amarelados, não era agradável para as mulheres. Nem sequer tinha amigos reais para conversar, era retraído demais para iniciar qualquer diálogo. Sua vida se resumia a ele, sua mãe e sua rotina monótona.

            Naquele dia, pela rádio, Anderson escutou que iria ocorrer à noite a Lua negra, ou seja, a segunda lua nova do mês. Ele ouviu isso com curiosidade, já que o evento em si é bastante bonito para se apreciar, especialmente sob o vento frio da noite. Era realmente algo interessante, por isso ele resolveu contar essa notícia para o seu melhor amigo. Depois de colocar sua mãe para dormir, o rapaz voltou para a sala e ligou o notebook.

            Após isso, ele procurou na área de trabalho o ícone do programa “Best Friend”, clicando no mesmo ao encontrá-lo. A tela do notebook ficou escura por um momento até aparecer a imagem de um jovem bem apessoado, com cabelos negros, olhos azuis e rosto simpático, sorrindo.

Olá meu amigo! Como vai? Já faz um tempo, o que você tem de novo para me contar.

Olá André, os dias estão como sempre: bastante chatos. — Disse Anderson.

É uma pena, mas tenho certeza que as coisas irão melhorar. Mas você tem alguma novidade?

Sim, sim. Ouvi dizer que hoje é dia de Lua negra, a segunda lua nova do mês. As pessoas da cidade devem estar bem eufóricas com isso...

Que interessante! Além disso, você tem outra coisa para me contar?

 Ah, falei demais de novo. — Disse Anderson, em tom de lamento.

            Anderson já usava esse programa a bastante tempo, mas sempre se empolgava quando iniciava uma conversa. Ele sabia que André, a pessoa que está na frente dele agora, era um ator que foi convidado para gravar algumas falas e, assim, simular uma conversa real de amigos entre o usuário e ele, por intermédio do programa. Mas havia um limite de tempo entre as falas de André, então após ele dizer uma coisa, Anderson precisava responder de forma sucinta para simular essa “conversa” da melhor maneira.

Muito legal, amigo! — Falou André — Mas me diga, como vai sua vida amorosa?

Ah, não muito bem… — depois de falar isso, Anderson fechou o notebook — Acho que já basta por hoje... 

3. Anoitecer 

Anderson passou a tarde restante lendo as mensagens de variados tópicos dos fóruns virtuais. Era um passatempo monótono que o ajudava a encarar a passagem do tempo até o próximo dia. Enquanto olhava focado para a tela do notebook, ele escutou dois sons: um parecia uma pisada forte no andar de cima, devendo ser do seu vizinho, mas o outro era de uma notificação de um programa.

O rapaz mudou a aba de pesquisa e abriu o programa de relacionamento que, para a sua alegria, havia anunciado o “match” com uma mulher. A informação em si, já o alegrou imensamente. Ao ver a foto da moça, ele notou que ela era bastante bela, trabalhava como cuidadora de idosos, estava acima do peso, como ele, mas tinha olhos negros profundos, em nada camuflados pelos seus óculos.

Já era quase 16:00 quando Anderson recebeu essa grande notícia e, mesmo receoso, mandou uma mensagem para ela, um simples “oi”, no alegre intuito de iniciar uma conversa. Não demorou muito para a moça responder com outro “oi”, e assim o diálogo começou. O nome dela era Letícia e era bastante simpática. Anderson colocava suas fotos reais, sem nenhuma alteração, então o fato da moça ser espontânea e comunicativa o alegrou e o surpreendeu muito.

A conversa ocorreria ao passo em que o tempo seguia. Sem que Anderson percebesse, já era de noite. O rapaz notou no céu a lua nova a iluminar o mesmo de forma fulgurante, era uma imagem bonita e o envolveu por muito tempo em um grande fascínio, misturado com a felicidade que ele tinha adquirido agora. Ele até chegou a derramar algumas lágrimas, tamanha a emoção. Depois de tanto tempo, tudo finalmente daria certo para ele. Apressado, já se imaginava em um relacionamento pleno e duradouro com Letícia.

A conversa entrou em um convite de visita por parte do rapaz à moça, o qual a mesma prontamente aceitou. Ela chegaria em meia hora e despediu-se com um atencioso “até logo”. Depois de se despedir, Anderson clicou imediatamente no ícone do “Best Friend” e esperou o aparecimento do seu melhor amigo. Enquanto a imagem carregava, ele escutou uma batida na porta e, curioso, foi descobrir de quem se tratava. Quando saiu do quarto e chegou na sala, o rapaz percebeu que a porta estava aberta e aproximou-se apressado para fechá-la. Antes de chegar lá, ele desmaiou tonto, sentindo o sangue escorrer da sua cabeça depois de um abrupto golpe.

 4. O Ritual 

            Anderson acordou com uma imensa dor de cabeça, podendo notar ainda o sangue escorrer pelo seu corpo. A dor latejante o deixava atordoado, mas o que mais o incomodou depois de despertar foi a pressão das algemas no seu pulso e pescoço. O interior da sua casa estava escuro, mas ele ainda notava uma risada demoníaca aumentando na medida que ele se contorcia de dor.

Quem está aí? Ah, meu Deus, que dor… Mamãe? Você me escuta? Alguém de fora me escuta?! Socorro!

Ora, ora — disse uma voz zombeteira do meio das sombras — acalme-se, acalme-se. Eu receio que fui mal educado não me apresentando.

O quê? O quê? Quem está aí? Desgraçado, me solta!

            Anderson conseguiu distinguir a imagem cadavérica de um homem magro, com um cabelo em corte de tigela, olhos esbugalhados e pele pálida, envolto em um manto negro e cercado por outras pessoas com a mesma roupa e com máscaras brancas cobrindo o seu rosto. A figura se aproximou do rapaz e curvou-se:

Minhas sinceras desculpas. Me chamo Rígel Santi Germano, honorável servo de Lilith e bispo de sua graça. Perdão pelo incômodo…

Ah? O quê? Meu Deus, onde está minha mãe?! O que… O que diabos é isso?

Hmm, está com saudade da mamãe? Não se preocupe! Acalme-se, acalme-se. Espere só um instante — falou Rígel, voltando ao interior da casa  e buscando algo. Ele voltou em poucos minutos escondendo algo na mão direita  — Olha só rapaz, olhe quem chegou… É a mamãe! — Disse em um grito, enquanto mostrava o que havia escondido.

 

            Anderson não conseguiu expressar de início uma palavra, somente vomitou quando viu na mão do sociopata a carcaça de um rosto humano. Rígel riu descontroladamente depois de ver essa cena.

Que engraçado! Como você é engraçado! Hahahaha. Sim, gostei muito de ver isso. Muito bom, você tem futuro para comédia, hein? Hahaha.

Meu Deus…— Falou Anderson chorando em desespero.

Mas que bebezinho, chorando logo agora? Não, não, pode parar. Agora é hora de ser alegre, hoje é um dia muito especial. Você escutou? Hein! — Disse Rígel, segurando a cabeça de Anderson que ainda estava em prantos — Oi? Por que você está chorando? Eu disse que não era chorar. Por que você não para? Não me escuta? É surdo? É idiota por acaso? Oi? Ei, pare de chorar. Hoje é um dia especial…. Pare com isso! Desgraçado, você está estragando tudo!

— Mamãe… Mãe.. Mã.. não, não… Mãe, por quê? Meu Deus, por quê?

— Mamãe aqui, mamãe ali, você é uma criança mesmo, né. Caramba! Pare de chorar!

            Rígel bateu a cabeça de Anderson no chão várias vezes, enquanto gritava de forma histérica “você está estragando tudo”. Quando parou, ele se levantou e pediu que seus servos tirassem as algemas de Anderson.

Você não percebe a grandiosidade dessa noite. Ah, a Lua ainda brilha, ainda anuncia a chegada da Rainha deste mundo. Olhe, ei! Levante a cabeça. Ei, levante a cabeça  — disse Rígel, enquanto se aproximava do rapaz que mal conseguia se manter consciente — Alô? Ainda está aí?

            Nesse momento, Anderson levanta a cabeça e cospe sangue em Rígel que somente riu de maneira mais descontrolada depois dessa ação. O bispo colocou as duas mãos no rosto, enquanto gargalhava de maneira sinistra.

Ai, ai, ai, quem diria? Eu não esperava encontrá-lo aqui. O opositor! O Evangelho previu que você surgiria, O zombeteiro da honra de Lilith, aquele que se recusa a comemorar seu retorno e blasfema contra os sacerdotes da Deusa. Ah, sim, sim, — Disse, enquanto tirava um livro velho da cintura e folheava ele, arregalando os olhos em êxtase — , o opositor está aqui! Vamos amigos, precisamos dar a ele o que o mesmo merece… Peguem-na.

            A visão turva de Anderson conseguiu distinguir uma figura feminina extremamente ferida, sendo trazida pelos servos de Rígel.

Não pode ser… Leticia? Parem com isso! Ela não!

Ah, ora, ora, então agora você vai falar? Opositor! Escute-me, por mais que tente, nada que faça poderá evitar o retorno de Lilith. Ela reinará neste mundo e porá fim a você e a todos os que pecam contra seu nome. Entendido?! Você não irá atrapalhar o retorno da Deusa!

 Do que você está falando, seu louco, maníaco! Letícia? Por que a boca dela está sangrando tanto? Letícia?!

Ela falava demais, assim como você fala demais, opositor. Agora, peguem as cordas.

Desgraçado!

            Anderson parte em fúria para cima de Rígel, mas os servos deste o derrubam e o espancam no chão. O maníaco ri descontroladamente, até novamente falar.

E então, o opositor se ergue e parte contra o sagrado sacerdote da Deusa. Mas! Mas, mas, mas…. ele é parado pelos fiéis servos de Lilith. Nada do que ela possa fazer irá frear o retorno da Imperatriz deste mundo!

Ah… droga! O que você veio fazer aqui?

Hahaha, como se não soubesse, opositor? Como um nobre e humilde bispo de Lilith, somente estou realizando as boas-vindas para o seu retorno. Sim! O Evangelho diz, tudo, tudo, tudo! Na primeira Lua Negra de 2021,a Deusa voltará e reinará sobre a Terra. Nada mais justo que construir um altar de sangue em sua honra!

Não.. Não… Não… Por favor, pare com isso.

Lágrimas de crocodilo. Não conseguirá nos enganar com isso. Vamos! Estique ela.

O quê??? Letícia! Não! Parem com isso!

Apertem a corda e estiquem ela! Ah, veja como ela quer gritar, mas não tem mais a língua demoníaca para dar voz a suas heresias! Que tal imaginar o que ela diz, hein, opositor? Talvez seja algo como “Oh, salve-me. Evite a chegada da luz do mundo, não podemos permitir que ela retorne e encha de alegria toda a vida desta terra. Me ajude, salve-me opositor. Ah, não! Meu braço está saindo! Meu sangue não para de jorrar! Opositor, não! Não iremos impedir a redenção do mundo!” Diz a donzela em agonia pelo fracasso do intuito demoníaco, enquanto o vilão lamenta a sua impotência no chão frio. Que espetáculo! Sensacional! Que show! Hahahahaha! — Riu ainda mais.

 

            Anderson já estava sem forças no chão, não conseguia nem chorar, nem gritar. O sangue que sentia sair de si, já estava frio e ele mesmo se notava gelado naquele instante. Destruído no chão, ele viu seus sonhos naquela noite sumirem sob esplendor da Lua negra. Antes de partir, ele ainda escutava as gargalhadas sinistras de Rígel e os seus gritos histéricos proclamando “Ela voltou! Ela finalmente retornou!”.


Conto escrito por
Diego Ribeiro

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Alex Xela Lima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

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