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Antologia Romance à Vista: 1x13 - Nada é Impossível

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Sinopse: Nada é impossível para o amor. Ele atravessa barreiras que a própria ciência não consegue explicar... como um coração de lata pode pulsar? Num robô que deseja ser humano por causa do amor. 


Nada é Impossível
de Irene Curcelli


O expediente da fábrica começava às 7:00 horas da manhã em ponto. O silêncio só era interrompido pelo som das máquinas a cada 30 minutos. As tarefas eram feitas mecanicamente, cronometricamente e sistematicamente. Nada podia sair da ordem e do tempo. Todos eram escravos do relógio e da perfeição. O único humano dessa fábrica era o gerente Alberton. Tinha passado dos 50 anos, pelo menos a sua aparência mostrava isso. Olheiras muito profundas e crônicas de quem mal dormira a noite eram marcantes em seu rosto e seu jeito grosseiro e mal-humorado de se comportar com tudo. Causava terror nos pobres "metal-men", principalmente no seu assistente direto, Adam. Ele não se importava com sentimentalismos, confortos ou outros supérfluos. A ele e toda a presidência só interessavam os lucros. Ele era um acumulador de bens materiais. Possui tudo que desejava, só não possuía tempo para desfrutar. E, nem mesmo tinha tido tempo em sua juventude, para formar uma família. Nunca se dera conta de que também era apenas mais um no Sistema, apenas mais um escravo da Robot & Cia do Nordeste.

Hoje era segunda-feira de um dia muito chuvoso, o que piorava os ânimos de Alberton, pois nesses dias chuvosos lhe doía as articulações e isso o deixavam especialmente irritado. Sabendo disso, Adam, já lhe preparara o café na bandeja de prata, com os 4 tipos de lanches de sua preferência, uma vez seria péssimo se optasse por um errado. Adam olhou pela janela de vidro estratégica, onde podia se ver que toda a fábrica já estava a todo vapor, consultou o relógio que marcava 07h01, suspirou aliviado, pensando que o dia seria sem intercorrências desagradáveis. Mal acabara de pensar isso e já levou um choque elétrico de muitos volts pelo controle remoto de Alberton. Ele estava furioso pelo café morno e fraco. Apertava os botões do controle remoto furiosamente contra Adam, o que ocasionava sérios danos, todos reversíveis, mas com dores lancinantes em toda a sua engrenagem. Após ter sofrido esse ataque de fúria, Adam caiu no chão e lá permaneceu por mais de duas horas até um socorrista da Matriz aparecer para restaurá-lo.

Quando o socorrista chegou, Adam já estava no seu limite. As válvulas desalinhadas continuavam a lhe dar choques e descarregara quase toda a sua energia. Tinha medo de apagar para sempre. Em seus devaneios, imaginava um lugar para além dos muros daquela fábrica, onde existisse um jardim cheio de flores, passarinhos e seres humanos realmente humanos, que tratassem os robotes com carinho e consideração afinal, ele tinha sido projetado pra isso, para facilitar a vida dos humanos, dividir suas tarefas, participar de suas alegrias e conquistas. Vendo que Adam delirava, mesmo após o conserto, o socorrista resolveu deixá-lo desligado por 24 horas por medida preventiva. Mas estranhamente, Adam não se desligou totalmente. Na sua aparência se mostrava inerte, mas os seus pensamentos continuavam iguais. Ele ouvia tudo, e pior, sentia tudo. Colocado num canto da sala de Alberton podia ouvir os palavrões irritados que ele falava ao telefone. Como não tinha mais nada pra fazer ficou ouvindo e meditando na sua estranha vida de robot.

Se distraiu tanto nos seus devaneios e observações, que nem viu o tempo passar e levou até um susto quando a sirene das 18 horas tocou, encerrando o expediente. Depois viu Alberton fechar a janela e sentar pesadamente na cadeira, bufando, como se levasse o mundo nas costas; Ainda acendeu aquele charuto fedorento, e pegou debaixo da mesa uma garrafa de wisky e se serviu uma dose bem generosa. Abriu a camisa e colocou os pés em cima da mesa, não antes de ligar o som numa música bem romântica. Olhando assim, ele até parecia outra pessoa...-Sei lá, mais humano, -pensou Adam. Nunca tinha visto Alberton naquele estado, sempre lhe parecera impossível: relaxando ou pensando em outra coisa que não fosse a fábrica...-Ouvir música romântica então? -pensou espantado. Ele não podia nem sonhar que estava sendo observado. Passado uns 20 minutos, ele trocou de camisa se alinhou, penteou os cabelos, passou loção e perfume, desligou o som e pegou distraidamente uma pasta, mas apenas fingia que estava lendo alguma coisa, pela expressão do seu olhar, podia se notar que estava muito longe dali...-observou Adam.

Alguns minutos depois o interfone toca anunciando a chegada da Senhorita Anabella. Imediatamente Alberton se colocou em pé, alisou o cabelo novamente, conferiu mais uma vez se não havia alguma falha grave em suas roupas, e abriu o maior sorriso de boas-vindas na chegada da moça. Anabella era realmente bela. Adam nunca vira um nome se ajustar tanto a uma pessoa. Com modos suaves e olhos muito azuis e aquele vestido esvoaçante também de tom azul, lhe dava um ar de princesa dessas que parecem de cinema.

Alberton também tinha sido pego desprevenido, estava estonteado com a beleza da moça. Estava tão encantado que pela primeira vez as palavras lhe sumiram, mal conseguiu balbuciar seu nome quando a moça se apresentou. Naquele momento se arrependeu de não ter tomado uma dose dupla de bebida, isso com certeza lhe ajudaria a relaxar nesse momento de euforia -pensou arrependido.

Anabella abriu a bolsa e tirou diversos documentos. Tinha um em especial que estava dentro de um envelope lacrado, enviado pelo diretor da empresa ao sr. Alberton, onde anunciava que ela seria também sua assistente, os negócios estavam crescendo e precisaria de alguém bem treinado caso ele optasse por tirar alguns dias de férias. Alberton estranhou a palavra férias, afinal em todos esses anos, só tirara férias mesmo uma vez, depois disso, mais nenhum diretor mencionou essa possibilidade. Eram apenas dois ou três dias no final de ano, data essa que ele nunca se importava de trabalhar, pois achava melancólico passar final de ano sozinho. Tinha perdido a conta de quantas vezes passara a passagem do ano novo na companhia de Adam. Era sempre a mesma coisa: Ele pedia para Adam lhe acompanhar na abertura da champagne, bebia a garrafa toda e depois desmaiava no sofá. Quando acordava a dor de cabeça era tanta, que tomava um comprimido e voltava a dormir. Só se recuperando no dia 2, quando a fábrica voltava a funcionar a todo vapor.

Mas agora, diante daquele sorriso encantador achou a ideia ótima. - Com certeza Anabella seria uma excelente assistente -pensou emocionado, enquanto seu coração batia atrapalhado, tão atrapalhado que Anabella tomou a decisão de se sentar e já foi logo se desculpando pelo horário, já que havia saído de uma reunião e ainda pegara um trânsito muito engarrafado. Ele mal conseguia reagir, apenas concordava e retribuía o sorriso. Por fim, conversaram mais um pouco e logo depois deixaram o escritório juntos.

Quando a luz se apagou, Adam pode enfim relaxar. -Mas como? -se perguntava. Mesmo estando num canto, como uma geringonça qualquer por dentro ele estava em alerta, e a imagem de Anabella, não lhe saia da cabeça. Nunca havia experimentado uma situação dessa, sentia-se leve como se flutuasse. Aqueles olhos azuis eram os mais bonitos que já vira. Não imaginava que pudesse existir uma pessoa tão bela e formosa... -O que será que existiria além daqueles muros da fábrica que ele não sabia. -se perguntou curioso. Após algumas horas começou a ficar ansioso, queria que o tempo voasse para novamente desfrutar da companhia de Anabella. Então um calafrio lhe subiu pela espinha, se ela seria a nova assistente...-estaria despedido ou seria desmontado? -pensou já em pânico. E, a partir daquele momento, as dúvidas e as emoções do dia não lhe deixavam esfriar, sentiu que estava aquecendo demais, muito além do normal, sem saber o que fazer, de repente desligou-se automaticamente.

Não sabe precisar quanto tempo se passou, mas quando abriu os olhos, achou que estava sonhando. Aqueles olhos muito azuis lhe fitavam com ar de preocupação, enquanto arrumava os parafusos e testava toda engrenagem do seu corpo. Se sentiu um boneco de metal, daqueles sem serventia, pressentia que logo seria descartado ou ignorado em algum canto qualquer. -Não agora! -pensou aflito -Agora, que a vida estava começando a lhe sorrir tentava ajudar, mas as forças lhe faltavam e apagou novamente. Alguns minutos depois, Adam se recuperou plenamente. Abriu os olhos novamente, e lá estava ela, Anabella toda sorridente e satisfeita com o trabalho que acabara de executar. Pegou Adam pelo braço e disse que seriam colegas de profissões, mas que antes, seriam amigos, e deu a piscada mais incrível que ele já vira.

A partir daquele dia, a vida não era mais a mesma naquela fábrica. Alberton se caíra de amores por Anabella. -Só um cego não enxergaria -pensava Adam, admitindo um certo ciúme. Aquele homem rude e grosseiro deixou de existir, agora era só sorrisos, elogios e convites velados a srta. Anabella que sempre também muito gentil, fingia que não entendia. Com a chegada de Anabella, Alberton redecorou todo o escritório, até a cozinha estava reformada. A geladeira vivia cheia de guloseimas. Como Anabella não comia nada, dizendo estar de dieta, Alberton, querendo impressionar, continuava todos os dias a lhe trazer um quitute diferente, ou um queijo importado, chocolates finos, até que desistiu de agradar a moça pelo estomago. E, ele mesmo começou a fazer uma dieta, também queria parecer mais jovial e elegante para a sua amada. Para poupar Anabella, todo o serviço pesado ficou nas mãos de Adam, mas mesmo assim, estava bem tranquilo, toda a parte de papéis e encargos de pagamentos ficara com Anabella e isso lhe dava um bom tempo de descanso. Adam e Anabella conversavam todos os dias, antes do expediente, a moça chegava as 6:00 horas em pontos, uma hora antes do expediente começar, e nesses momentos, conversavam como velhos amigos. Adam sempre lhe perguntava sobre o que havia atrás dos muros da fábrica. Inicialmente Anabella ficara surpresa, mas agora, se compadecia da vida monótona de Adam e até lhe prometera um passeio quando tivesse uma folga.

Adam mal podia esperar quando esse dia chegasse. Em seus devaneios passearia de mãos dadas com Anabella, acariciaria seus cabelos, correriam por jardins iguais aos que ele vira num filme há muitos anos atrás quando seu antigo chefe gostava de ver filmes em horário de expediente. Alberton quando percebeu que Anabella chegava mais cedo, começou a chegar mais cedo também. Chegou até lhe perguntar diretamente o horário de chegada de Anabella todos os dias, o que Adam mentiu dizendo nunca ter verificado o horário, mas agora, seria um encargo e Alberton queria um relatório completo sobre Anabella nos momentos em que ele não estivesse no escritório.

Alberton também flertava com Anabella sem se incomodar com os olhares de Adam. A sua paixão estava tão fora de controle, que ele não conseguia mais esconder. Anabella, sem graça, vivia fugindo dos seus assédios... Até que um dia foi surpreendida com um anel e um pedido de casamento em pleno horário de expediente. A moça como sempre, muito polida, disse que se sentia lisonjeada pelo bem querer, mas que no momento era muito jovem e pretendia seguir estudos que casamento não fazia parte dos seus planos.

Adam nervoso, ouvia tudo aquilo, e o ciúme lhe corroía. -Agora, Alberton fora longe demais- pensou enraivecido -como poderia ter feito tamanho ridículo diante de tão boa moça. E, pela primeira vez teve vontade de lhe dar uma bofetada dessas pra acordar e colocar a pessoa na real. Mas nem foi preciso. A partir daquele dia, Alberton se fechou novamente. Passava os dias calados, até emagrecera só executando as ordens da Matriz, tratava Anabella com polidez e Adam grosseiramente como antes, mas todas as vezes que ele tentava disparar os choques pelo controle remoto contra Adam, Anabella interferia a seu favor salvando sua vida muitas vezes.

Numa sexta-feira, Alberton precisou sair mais cedo para uma reunião com a diretoria e Adam quase desmaiou de felicidade quando Anabella lhe convidou para um passeio fora dos muros da fábrica. Quando ela abriu os pesados portões com suas chaves extras Adam não acreditava no que via: Largas avenidas com árvores frondosas e floridas cheias de passarinhos e ainda, do outro lado da avenida podia-se ver o mar. Adam estava extasiado, nunca vira o mar, nunca vira tanta água num mesmo lugar. Atravessou a avenida como criança. Sorria e chorava ao mesmo tempo, e quase foi atropelado, o que deixou Anabella muito aflita e agora lhe segurara forte pelas mãos, como uma mãe.

Ele queria entrar no mar, mas Anabella não achava prudente, as suas peças poderiam enferrujar, então sentaram-se na areia, de mãos dadas ainda, e assistiram ao pôr do sol. Adam tinha medo de acordar sabia que era um sonho, que Anabella lhe era um amor impossível, pois no coração dos homens nunca haveria um sentimento mais profundo por um robot, então, sem querer se pegou perguntando para Anabella: -Como é possível eu ser uma máquina e ter emoções. Eu gostaria de ser humano. Gostaria de ter a felicidade do Pinóquio quando uma Fada lhe transformou num menino.... -Isso existe? O olhar de Anabella se compadeceu: -Não sei porque alguns Robotes saíram diferentes, talvez tenha sido um erro dos criadores, mas você não pode deixar ninguém saber, eu sei que estão exterminando todos que apresentarem qualquer tipo de anormalidade. Depois dessa conversa, não tiveram mais nenhum tempo juntos. Alberton estava cada vez mais intransigente gritava com Anabella, com Adam e até com as paredes. Não podia controlar mais a sua paixão e assediava Anabella todos os dias, e a cada negativa da moça, ele se tornava mais agressivo muitas vezes Adam teve que interferir quando Alberton tentava beijar a moça a força.

Num dia, em que Anabella já estava sem nenhuma paciência, resolveu pedir demissão, ignorando mais uma vez todas as investidas de Alberton para se livrar de mais um beijo indesejado, ela quebrou um vaso de flor em sua cabeça. Alberton enlouquecido, sacou a arma e disparou vários tiros em Anabella depois saiu correndo, porta afora da fábrica como um foguete.

Adam desesperado correu para salvar Anabella que estava caída no chão, mas os seus ollhos continuavam muito azuis e não havia sangue apenas peças caídas de uma engrenagem quase perfeita de um corpo de mulher. Estupetado -Adam constata que Anabella também é um robot -Como não percebi isso antes -se pergunta incrédulo!

-De qualquer forma, Anabella corre perigo -pensou aflito! e começou imediatamente a consertá-la. Passou a noite toda a executar tudo que sabia... até que em plena madrugada, Anabella acorda. Estava muito fraca pela perda de energia, mas o seu sistema se restabeleceria em horas, ela tinha um automático especial.

E quando Adam pensou que era o fim, Anabella lhe propões que fujam juntos. As 06h00 horas partiria um navio. Juntos agora seriam invencíveis. Não para lutar contra o mundo, mas para serem livres e para viverem um amor. Adam pega Anabella no colo e corre feito louco até o porto. O navio está quase partindo. Eles se misturam as pessoas apressadas e passam despercebidos. Nem eles mesmo sabem como viverão esse amor, mas terão todo o tempo do universo para aprender com os humanos, com os bichos, com os pássaros...


Conto escrito por
Irene Curcelli

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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