Não Posso Amá-la no Escuro
de Dory Black
O fogo
crepitava na lareira do pequeno chalé de madeira. A chama desenhava arabescos
pelo ar em cores vibrantes, deixando o quarto numa penumbra parcial e sombria,
tal como meu humor. O lençol que envolvia meu corpo estava encharcado com as
lágrimas que insistia em derramar por ele. Meu corpo inteiro doía, mas não me
importava nem com o calor, tampouco com o frio que fazia do lado de fora. A
porta de vidro que levava para o lado de fora do chalé estava levemente embaçada,
exatamente como minha mente.
Havia
horas desde que fora deixada para trás. Ele saiu do quarto e me deixou enquanto
eu dormia! Sentia cada parte do meu coração se despedaçando em lenta e doce
agonia todas as vezes que me lembrava como estávamos felizes. Cada célula, cada
átomo de mim o amava desesperadamente e sentiria falta do seu toque
futuramente. Cada vez que respirava ou sentia as contrações do meu coração,
conseguia sentir cada pedaço meu se desfazendo. Meus cacos se deixavam cair e
criavam um caos enorme por onde passava. Me sentia como uma criança pequena
perdida, vagando às cegas à procura do seu porto seguro, mas sem sucesso.
Eu
continuava ali, jogada aos pés da cama. A hipnose do fogo e a anestesia
emocional eram poderosas. Suspirei. Sentia como se cada respiração fosse ser a
última. Meu âmago se retorcia em reverente ansiedade pelo momento que ele
voltaria para mim, irromperia pela porta de madeira escura e me tomaria como
sua outra vez. Se fechasse bem os olhos e me concentrasse conseguiria ouvir
perfeitamente nossos suspiros de prazer, os beijos estralados e apaixonados que
trocamos. Eu quase conseguia ouvir nossas risadas com as piadas bobas e infames
dele. Mas tudo acabou! E como dói pensar assim! Todo meu ser ardia em agonia
pelo abandono sem explicação.
A
noite seguia seu curso, mas não conseguia fazer nada além de suspirar e chorar.
Minhas mãos tremiam e apertavam o lençol branco que escondia minha nudez e o
pequeno bilhete deixado para trás. A dor era emocional, mas conseguia senti-la
penetrar meus ossos com amável devoção, para me dizer que aquilo era real. Meu
corpo espasmava em soluços sussurrados por saber que, talvez, estivéssemos
melhor assim. Eu queria gritar, gritar o mais alto possível para expulsar toda
a dor que se acumulava em mim, mas parecia ter perdido a voz e tudo mais que
fosse essencial para que eu permanecesse viva. Minha chama havia se apagado.
Viveríamos
rodeados de escuridão em nosso amor trágico. Éramos uma imitação barata de
Romeu e Julieta. Nosso amor, tão puro e raro, era proibido, mas por quê? As
dúvidas rondavam minha mente inquieta e bagunçada. Ao olhar ao redor pude ver
nossas roupas espalhadas em uma tortura silenciosa, me lembrando que jamais
aconteceria novamente. Sabíamos que estávamos fadados ao fracasso desde o
início, mas por que doía tanto? A dor de saber que não o teria mais comigo me
dilacerava mais do que qualquer surra que eu já tenha tomado em toda a minha
vida.
“Não
posso amá-la no escuro”, ele disse após eu sugerir nos amarmos às
escondidas, e foi o que deixou escrito no pequeno papel deixado sobre seu
travesseiro, ao meu lado. E então, tão rápido e suave quanto a brisa mais calma
do verão, ele se foi. Me deixou desamparada e imersa na dor da separação. Não
tínhamos outra opção e ele resolveu ir pelo caminho mais fácil: a desistência. Também
pudera, quem iria querer viver um amor rodeado de preconceito, inveja,
amargura, ressentimentos? Eu o entendia, nos pouparia de dores maiores no
futuro, mas por que tinha que doer tanto?
O
silêncio embalava o momento à perfeição. Conseguia ouvir as batidas do meu
coração e, consequentemente, cada pedacinho seu se rompendo e se desfazendo.
Meu rosto tão inchado de chorar não esboçava mais reação alguma. Meus olhos
então se fixaram nas grandes placas de vidro e passaram a observar o nascer do
sol, quando o tempo começou a passar tão rápido? Mesmo assim, era tão bonito!
Tão singelo! De repente, eu era a única pessoa no mundo inteiro. Éramos eu e o
universo, nada nem ninguém mais.
E
então, nada mais existia no mundo, apenas eu e minha dor. Porém, estranhamente,
mesmo tão abalada percebi: eu também estava desistindo! Se o sol podia se pôr e
voltar a nascer no dia seguinte, mesmo com noites tão sombrias e escuras, eu
também poderia lutar para manter meu romance vivo, mesmo com todos os desafios
que pareciam se levantar contra nós.
Me pus
de pé, ainda envolvida pelo lençol de linho branco. Eu lutaria por ele, por
nós! Mas e se fosse o certo deixá-lo partir? E se a resposta para tudo isso
fosse deixá-lo ir e encontrar outro amor? E se a solução fosse permitir que ele
seguisse sua vida? Ainda assim, eu deveria ficar aqui, sentada, chorando,
definhando em minhas próprias dores? Não! Eu precisava encerrar essa história,
fosse para o bem ou para o mau. Precisava vê-lo uma última vez, o beijar
novamente, ouvir que ele me amava e então eu seguiria meu caminho, ainda que
isso significasse andar para longe dele e todos os nossos planos e sonhos.
Em
passos lentos e inseguros segui até a porta do quarto, passando por cima de
roupas, mágoas e medos, todos nos quais tentei me afogar durante toda essa
noite. As pontas dos meus dedos tocaram a maçaneta fria. E se ele não quisesse
mais? E se ainda assim eu pudesse ser feliz? Tantos pensamentos rodaram minha
mente que quase não abri a porta, mas era preciso. Eu precisava
desesperadamente saber! Ao abri-la ouvi o leve ranger das dobradiças levemente
enferrujadas reverberar pelo chalé. Meus pés recuaram e a madeira chiou sob
mim. Meus olhos então o miraram. Ele estava ali. Não era uma miragem, era ele,
eram seus olhos, seu sorriso, era todo ele, o meu amado.
— Oh!
— Foi tudo o que consegui dizer.
Quase
esfreguei os olhos para me certificar de não estar diante de uma alucinação,
mas as lágrimas tomaram espaço antes. Um fungado choroso rompeu o silêncio
sepulcral que se instalara na casinha de madeira. Meu alivio fora tão grande
que senti minhas pernas cederem. Ele sorriu. Mas não era qualquer sorriso, era
o MEU sorriso, aquele que só eu recebia. Meus joelhos fraquejaram tamanha
emoção, mas ele me amparou. Seus braços me rodearam e me senti no melhor lugar
do mundo. Meu corpo convulsionava em meio ao choro desesperado e aliviado que
me tomou durante toda a noite. Suas mãos acariciavam minhas costas em um
consolo silente perante minha dor e aflição. Cada pequeno movimento que ele
fazia eu tentava gravar na memória, na tentativa de esquecer a noite terrível
que estávamos deixando no passado, agora.
Quando
por fim me acalmei me afastei levemente, olhei para cima e fitei seus lindos
olhos me reverenciarem com amor. Naquele momento não eram necessárias as
palavras, nossos olhares transmitiam tudo o que precisávamos saber em meio ao
silêncio afável. Ele me dizia que não me abandonaria jamais, que ainda me
amava, mesmo com todos os meus defeitos, mesmo com cada uma das minhas
fraquezas e falhas. Seu olhar me dizia que ainda que eu fosse imperfeita ele me
amaria todos os dias. Assim como fizera até agora, ele me amaria por mais um
milhão de anos se tivéssemos todo esse tempo.
Sem
palavras eu o dizia o mesmo. Eu o amaria mesmo quando ele chegasse cansado do
trabalho e cheio de preocupações, o amaria quando ele não conseguisse fazer
nada além de me abraçar procurando amparo e consolo para todas as suas
inquietações, eu o amaria quando nossos planos não dessem certo e o amaria
quando eles se concretizassem, o amaria por toda a eternidade se ela me fosse
concedida, e, ainda assim, não o teria amado o suficiente.
Como
em um slow motion, ele se afastou e se pôs sobre um joelho apenas, mas
seus olhos jamais deixaram os meus, ele me fitava com carinho, amor, admiração,
exatamente como eu estava fazendo. Minhas mãos trêmulas cobriram minha boca em
total espanto e admiração. O lençol já havia sido esquecido no chão, mas minha
nudez não me importava, nem ao menos me intimidava, eu só esperava pelo seu
próximo passo, ainda desconhecido, mas esperado com tamanha ansiedade que só
conseguia encará-lo em meio as lágrimas, agora de felicidade e emoção que
rolavam quentes por meu rosto. Seu corpo era banhado agora pela luz da manhã,
um sol fraquinho e dourado surgia entre as nuvens coloridas pelo amanhecer. A
iluminação o deu um halo que me fez sentir com total certeza e
convicção que nunca quis o príncipe encantado do cavalo branco, mas sim um
homem comum, que erra, falha, faz coisas nojentas, que não é perfeito, mas que
está se dispondo a me amar acima de qualquer coisa, e, para mim, nada poderia
ser mais importante ou romântico, qualquer gesto que qualquer outro fizesse
para mim em nada superaria a simplicidade desse momento.
Suas
mãos tiraram detrás dele uma caixinha de veludo que quando posta à frente de
seu corpo me mostrou o mais lindo anel de todos! Era tão perfeito! Prateado com
uma pequena pedra cor de rosa em seu centro. Em um pigarro ele ganhara toda a
minha atenção. E seu sorriso de covinhas se alongou mostrando seus dentes
branquinhos e alinhados que eu tanto amo.
— Eu disse que não poderia amá-la no escuro.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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