Companheiros
de Luiz F. Haiml
Lado direito, querendo cobrir norte e sul, dunas imensas.
Imaculadas. Intocadas. Tão brancas aquelas areias como a farinha usada em seus
produtos. Por detrás delas, de vez em quando dá pra ver a praia, o mar.
Se o atravessarmos, pensa Andréas, em linha
reta, estaremos na África. Mais para cima, Europa... Áustria.
Lado esquerdo, dunas também.
Essas seguem até virarem banhados, depois uma vasta e funda
lagoa, após a qual há uma estrada em bem melhores condições, mas que leva a
outros rumos, e não ao pretendido por eles.
Abrindo-se entre a esbranquiçada muralha num estender-se
que parece sem fim, a única possibilidade, a sua maneira sólida o suficiente,
para se chegar aos lugares pretendidos. Feito para rodas de madeira e patas de
animais, raros motoristas e motorizadas conduções se arriscam por tal caminho.
Apesar de dono da fábrica, Andréas prefere, ele mesmo,
realizar as viagens de venda. Quase sempre longas e solitárias, o surpreendem
com inesperadas experiências e sabores novos.
Com tais empresas também tem a chance de ver o rosto, de
ouvir a conversa, de sentir a honestidade daqueles com quem negociará.
A maioria, ele sabe, após provar a boa qualidade da
Produtos Alimentícios Fauth Ltda, vai virar fiel freguês de seus doces,
bolachas e massas.
É um homem comedido, o comerciante. Diz apenas o que crê
necessário. Não é de bajular, quase nunca se exalta.
Sua vida, seu espírito, suas atitudes engrenam uma marcha
tão tranquila e certa quanto a de seu velho companheiro, o caminhãozinho
Chevrolet que o leva, há mais de ano, para lá e para cá em suas andanças.
O Chevrolet, não sendo V8, e assim de poucas rotações, tem
menos facilidade de atolar.
E vão os dois por seu regrado curso, quando uma mancha esverdeada
começa a se delinear na frente deles, logo os detendo por completo.
É uma larga poça.
Formara-se, incontornável, no arenoso chão da estreita
rota.
Havia chovido muito na noite anterior. Mas a viagem já
tinha sido marcada, era compromisso.
Está abafado. O céu completamente nublado.
Andréas puxa o Movado pela corrente, passa um pouco das quatro.
Há mais de três estão na estrada.
O comerciante calculara que chegariam a seu destino pelo final
da tarde, quando então descansaria em alguma pensão e no outro dia visitaria
mercados e armazéns. Mas, agora?
Andréas espicha os olhos corujescos sobre o amplo espelho
líquido. Mede extensão, comprimento (a poça é quase do tamanho do Chevrolet),
sonda profundidade, avalia possibilidade... Passa ou não passa?
“Seu Andréas” descalça-se, desce do veículo.
Seus pés, que na mocidade, em frágeis sapatos, entregavam
leite pelas neves de Salzburg, deliciam-se no calor úmido da areia gaúcha.
Suas mãos, pequenas, mas fortes, abrem o capô. Tiram as
correias do ventilador para que não levem água ao motor. Fecham o capô, amarram
sobre esse uma lona grossa.
Muito inventivo, o baixinho e bigodudo austríaco, além de
ter feito adaptações em várias máquinas de sua fábrica para melhor funcionarem,
projetara e construíra outras duas.
Idealizara também uma serpentina. Ia embaixo do Chevrolet, mantendo
a água fria e permitindo levar maior quantidade de tal líquido, com isso evitando,
nos longos trajetos, o ferver do motor.
Já embarcado no antigo amigo, Andréas vira a chave.
Estremecem ambos e arremetem ao indiferente panelão de água.
Um cavaleiro medieval e sua montaria avançando em duelo
contra o adversário.
Ouve-se agora o mar, mais rumoroso, e uma intensidade
infindável de grilos e sapos.
Andréas adormecera por um tempo. Despertara agitado.
Num sonho estivera nas goelas movediças de uma ampulheta
gigante.
O azul e o cinza das nuvens viram escuridão.
O Chevrolet atolara.
Por sorte não voltara a chover, e não estavam à beira-mar,
onde a maré estaria a subir.
Por sorte fora numa quantidade de água que, como num
combinado, ficara um pouco abaixo de entrar pela cabine.
O remédio é esperar.
Alguém passará por ali em carreta de boi, a cavalo, em
lombo de mula ou a pé, e então buscarão ajuda para rebocá-los, mesmo que não
haja certeza de quando isso vá acontecer.
Talvez, pela primeira vez, tenham de atravessar a noite na
estrada.
Talvez Andréas tenha que abrir uma das latas e comer do
produto que leva, e dormir na cabine, em meio à água. Mas, enfim, uma
primeira vez só acontece a quem está vivo e essa é uma das principais premissas com que Andréas se
abastece e se conduz.
Ao longe, uma névoa se esparrama a confeitar os morros distantes.
Um pequeno ponto de luz surge e brilha. Outros, não muitos,
vão se acendendo pouco a pouco, parecendo botões amarelos num terno escuro.
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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