Conhecendo Brasília!
de Sissa Moroso
Era
início dos anos 90, estava na faculdade e participava do movimento estudantil,
fui Presidente do Centro Acadêmico de Pedagogia, durante os três anos do curso.
Já havia participado da Pastoral da Juventude e de outros movimentos sociais.
Havia
passado os anos da ditadura militar, como jovem tinha vivido naquela época e
visto as consequências da repressão. Já havia passado as “Diretas Já” e o
“Impeachment do Collor” estava começando era tempo de “cara pintada” dentro das
universidades e nas ruas.
Na
minha universidade, fui convidada para ir num congresso em Goiânia, iríamos
passar a semana lá e no meio da semana iríamos passar um dia na capital do
país.
Ninguém
do grupo conhecia a cidade de Brasília e a ansiedade era grande de chegar lá.
Viajamos de ônibus por dias e noite, era um grande caminho, mas como estudante
e aventureira estava adorando a viagem.
Ao
chegar no alojamento, que era numa universidade em Goiânia, fomos assaltados,
pois o ônibus estava com o bagageiro aberto e alguns “trombadinhas” roubaram
umas malas. Já desanimamos e pensamos que deveríamos ter mais cuidado, pois era
uma cidade grande e vínhamos de uma cidade pequena do sul do Brasil, onde a
violência quase não existia.
Mas
passamos os dias malucos, pois em pleno julho, calor de 40 graus durante o dia
e à noite 20 graus. Nós acostumados com nosso tempo bem distinto o dia todo, ou
é frio ou é calor. Naquela semana estava nevando na serra catarinense quando
saímos.
Durante
o evento, fizemos muitas amizades com estudantes de todo país e alguns amigos
baianos, ficaram doentes, pois o frio à noite era demais para eles, que ficavam
com os lábios rachados do frio. Os cariocas achavam “massa” aquele friozinho à
noite e os paulistanos diziam estar acostumados, já que tinha sempre uma
garoazinha na cidade deles.
Na
quarta-feira, todos os participantes do congresso, foram fazer turismo, alguns
escolheram passar o dia em lagoas ou águas termais, outros foram para o
Distrito Federal e nós estávamos no meio deste grupo de doidos.
Ao
chegar em Brasília, vimos as primeiras residências e alguns disseram: “Aqui tem
favela?” Outros disseram: “Os políticos não veem isto, pois chegam de avião”!
Mas aos poucos aquela imagem foi saindo da cabeça, pois estávamos entrando nas
asas da cidade, com seus prédios e suas praças projetadas para a “vida eterna”.
O
líder da excursão falou em voz alta:
- Gente,
vamos procurar um deputado catarinense, para ganharmos o almoço! Motorista,
toca para assembleia dos deputados.
Todos
ficaram felizes, pois o dinheiro era curto e havia gente que nada mais tinha no
meio daquela semana. Eu levei grana, porque meu pai financiou, por isso, não
passei necessidades.
Ao
chegarmos no prédio da Câmara Federal, víamos poucas pessoas circulando, fomos
em alguns gabinetes, mas era julho e tinha o recesso parlamentar, não
encontramos ninguém para nos dar guarida e todos com muita fome. Alguém indicou
um restaurante mais barato e fomos lá almoçar ou fazer lanche, mas claro que
todos muito indignados.
A
vontade era de voltar para Goiânia, pois lá a alimentação já tinha sido paga.
Mas fomos fazer turismo e conhecer a cidade, já que era um “Patrimônio da Humanidade”
e para tirar aquela segunda má impressão, pois a primeira era das crianças, os
“candangos” filhos e netos dos migrantes de todas as partes do país, que vimos
na entrada da cidade. Só podia ter
favelas naquela cidade que foi planejada para 600 mil habitantes e já tinha
dois milhões de pessoas, querendo um lugar ao sol também.
Descobrimos
que o Distrito Federal era a quarta capital mais populosa de nosso país. Como acadêmicos
em passeio de estudo, estávamos aprendendo muito naquela viagem. Fomos passeando
a pé pela Praça dos Três Poderes, tirando fotos com as máquinas de filme, ainda
não haviam as máquinas digitais, todos queriam ter retratos da capital do país.
Fomos
encontrando alguns brasilienses caminhando, outros moradores vestidos de terno
e gravata indo para o trabalho nas repartições públicas, alguns turistas
perdidos naquela cidade grande, mas políticos não haviam, estavam de férias,
sendo a nossa segunda decepção. De vez enquanto, passava um carrão preto nas
avenidas largas ao redor da praça, só podia ser um político “famoso”, mas não
podíamos ver quem era, pois os vidros dos carros eram escuros.
Nossa
primeira visita foi na Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida, a
padroeira do Brasil e da minha cidade, mais conhecida como Catedral de
Brasília, que está situada na explanada dos ministérios.
Muitos
monumentos foram construídos, que não chegamos a conhecer naquele ano, mas
fiquei sabendo da inauguração em 2006, do Museu Nacional Honestino Guimarães,
que está localizado na frente da Catedral. Como militante do movimento
estudantil, conheci a história do jovem Honestino, que foi morar em Brasília
nos anos 60, foi um grande líder estudantil, secundarista e universitário,
provavelmente assassinado pelos militares, assim como tantos outros estudantes,
políticos e artistas brasileiros, que lutavam pela democracia no país, na época
da repressão.
Logo
depois fomos visitar o Museu JK, que foi inaugurado em 12 de setembro de 1981,
após muitas investidas de sua esposa Sarah. A data da inauguração foi na data
de aniversário de Juscelino Kubitschek e foi construído cinco anos após sua
morte. Muitas coincidências, há cerca dessa morte. A carreta que bateu de
frente com o opala de JK no dia 22 de agosto de 1976, era dirigida por um
catarinense, que mora em Orleans e que vive numa cama doente desde então, a
nora dele a Maria Tereza, me contou toda a história da tragédia.
Muito
mistério ronda a morte de JK, que dizia: "A
Democracia neste país, só depois de minha morte"! Não sabia ele que
duraria 21 anos, o sofrimento de um povo, dirigido pelos militares, na mesma
cidade que ele ergueu, para que os brasileiros pudessem ter uma vida mais
digna, planejada e democrática.
A
história de Brasília é a história política mais diversificada do Brasil, Passa
pelos tempos do “milagre brasileiro”, vive o golpe de Estado por duas décadas,
passa pelos tempos de democracia que vai até o novo milênio, época essa em que
uma mulher chega ao poder, mas que sofre impeachmant. Nos dias atuais temos um
“mito” no governo. É a nossa história sendo construída, dia após dia, desde que
JK idealizou uma cidade que seria responsável pela mudança de um país inteiro,
naquele serrado onde brotou prédios públicos e lagos artificiais.
Brasília
também é berço da música, assim como da cultura e das artes. Muitos artistas se
destacaram no meio artístico do país. Muitos compositores escreveram e cantaram
canções sobre Brasília. Muitos falaram de coisas bonitas, outros criticaram a
forma de administrar a política, outros fazem uma reflexão sobre a importância
da cidade.
De
volta no ônibus para Goiânia, vínhamos cantando as canções conhecidas como, “Te
amo Brasília” de Alceu Valença: “Se teu amor foi Hipocrisia! Adeus Brasília Vou
morrer de saudade. Adeus, Brasília, vou para outra cidade”.
Estávamos tão chateados, sem guia turístico, sem dinheiro, sem apoio dos
representantes dos catarinenses, fomos cantando músicas que criticavam a
cidade, sem pensar nas coisas boas que aprendemos e vimos na capital de nosso
país.
Chegando ao alojamento, fomos encontrando os outros estudantes,
queimados do sol e refrescados por passar o dia em lagos e riachos, mas sem
conteúdo nenhum, apenas tiveram lazer. E nós falávamos para todos da nossa
experiência do dia em que passamos na cidade satélite, alguns gostariam de ter
ido conosco, outros não se interessavam pelas nossas histórias, mas escutavam
mesmo assim e diziam que nós “barrigas verdes” perdemos tempo nesse passeio.
De volta para casa, fui passando mal a viagem toda. Também a alimentação
diferente por uma semana, sacrificou meu fígado. Na faculdade, comíamos todo
dia carne de sol e o arroz um dia era amarelo, outro dia verde, a gente dizia
que era “arroz com césio”. Mas acho que era o tal de “Sazon”, que ainda não
conhecíamos.
A culinária também faz parte da diversidade do Brasil e naquela semana o
dia em que comi melhor foi no restaurante do congresso em Brasília: “arroz
branco, frango e batata frita”, tem coisa melhor para quem está com fome?
Nunca mais voltei a Brasília, por falta de oportunidade ou de interesse
mesmo. Todo dia vimos na televisão alguma informação vinda de lá, mas
infelizmente sempre com notícias de corrupção e da política apenas. Pouco se vê
falando das coisas bonitas que têm em Brasília.
Outro dia estava assistindo uma reportagem, em que o repórter dizia que
os motoristas em Brasília respeitam a faixa de segurança e param para os
pedestres passarem. Achei interessante essa referência, porque tira aquela
imagem de que as pessoas na cidade não respeitam as outras, nem o espaço de
cada um, ou ainda não respeitam as leis que lá são aprovadas no Congresso
Nacional.
Toda cidade tem seus problemas, seus progressos, sua maneira de
administrar e Brasília tem suas diversidades, não tem prefeito, mas tem
governador no seu Distrito Federal, tem pontes em suas lagoas artificiais, tem
tempo muito seco e tem chuva também. Tem político, tem gari, professor e todas
as profissões.
E nós estudantes na época, entendemos melhor e aprendemos a conviver com as diferenças, porque conhecemos pessoas do Brasil inteiro, com seus problemas nas suas cidades, iguais na nossa cidade e no nosso país.
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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