Sete Noites no Casarão
de Anne Veríssimo
Em Campina Grande do Sul havia uma chácara com um casarão
antigo de dois andares, com vista ampla e pasto verde, que ninguém tinha
interesse em comprar. Ele estava de pé desde 1894 e foi dado como uma casa
histórica por isso, mas devido aos acontecimentos passados foi abandonado. Mesmo
assim, o corretor encarregado não desistiu de vendê-lo. Muitos tentaram e
apenas a passaram para frente até chegar nele. O último corretor avisou-o que
deveria desistir também, pois por mais que reformasse por dentro as manchas no
assoalho e nas paredes sempre voltavam a aparecer, além de que os vizinhos
reclamavam de cheiro podre provavelmente vindo da madeira que sempre ficava
molhada. Fizeram muitas vistorias na casa para tentar entender de onde vinha
tanta umidade, mas os encanamentos estavam intactos e não havia infiltração em
nenhuma parte da casa.
Mas o corretor apenas debochou dos avisos e disse ao seu
colega que provavelmente arruaceiros viciados ou apenas sem-tetos deviam entrar
na casa durante a noite, por isso era melhor contratar um segurança noturno
para ficar de olho por pelo menos uma semana, só para espantar os andarilhos e
finalmente fechar negócio.
Então assim foi feito: o corretor contratou um jovem
recém-formado em uma empresa de segurança particular. Seu nome era David e ele
tinha 21 anos. Ele recebeu metade do valor adiantado e foi informado que receberia
o resto no final da semana, teria que dormir na casa durante esses sete dias
para averiguar quem estava aprontando lá dentro. Após explicar tudo, o corretor
deixou o jovem se acomodar no pequeno quarto que disponibilizaram para ele. Deixou
também uma lista de regras, alertou-o para tomar cuidado, para não quebrar
nada, não convidar ninguém ao lugar e não sair do terreno até terminar os sete
dias.
Havia algumas provisões para que ele não tivesse que ir ao
mercado. O jovem aceitou, já que precisava do dinheiro, e mesmo sendo um
emprego estranho, ele tinha feito apenas
pequenos bicos como segurança até decidir entrar para uma empresa particular.
Durante os primeiros três dias não viu nada de estranho,
ficava vigiando a noite toda e dormia pouco durante o dia para ter certeza que
ninguém entraria. O corretor tinha mencionado as reclamações dos vizinhos, mas
até aquele momento não tinha ouvido nada, nem sentido cheiro algum, então o
jovem pensou que seria um trabalho fácil já que ninguém apareceu.
Provavelmente deviam ser só uns adolescentes. – Pensou ele.
Mas na quarta noite foi quando tudo começou. Ele vistoriava
o lado externo da casa como fazia toda noite antes de olhar por dentro, quando
ouviu um barulho alto vindo da janela de cima. Parecia que alguém a tinha
batido com força. Ele, então, correu para o segundo andar com a arma de choque
em punho, mas ao entrar no quarto em que ouviu a janela bater não encontrou
nada. Pensando ser só cansaço ele voltou para o andar de baixo. Não tinha nada
do lado de fora e estava cansado de andar aquele terreno enorme procurando por
nada, então resolveu voltar para seu quartinho para tirar um cochilo depois de
trancar tudo.
Ele mal havia se jogado na cama quando sentiu um estalo nas
costas. Era como se alguém o tivesse acertado com um cabo ou algo assim, mas
por causa do colete do uniforme não atingiu muito fundo. Sem saber como reagir
ele ficou imóvel, então sentiu de novo dessa vez mais forte e mais frenético. O
colete parecia rasgar e, ao acertá-lo, suas costas começaram a arder, então ele
se virou sentando na cama para ver quem tinha invadido. Era um homem branco,
com paletó claro e chapéu, que estava segurando um chicote.
— Vosmicê tem muita coragem pra durmi
durante o trabalho, num é seu calhorda!?
— O quê? – Sem explicar, o homem ergueu o
chicote novamente, David apenas colocou os braços na frente do rosto para se
proteger, mas não sentiu o impacto do chicote. Ao olhar para cima, novamente viu
que o homem havia sumido. Rapidamente ele se levantou e acendeu todas as luzes
da casa, de dentro e fora, procurou e procurou, mas nem sinal do homem que
tinha aparecido em seu quarto. Além disso, seu colete que parecia ter rasgado
estava intacto e não havia marcas em suas costas. — Um pesadelo, provavelmente.
– Murmurou para si, ainda com o coração acelerado.
Antes de começar esse trabalho, ele tinha
ouvido histórias de seus colegas que ali era propriedade de um coronel, uma
pessoa horrível que colecionava escravos. Ele os torturava e depois descartava,
e há quem diga que os enterrou embaixo da casa que agora estava assombrada.
David não queria ter ouvido, pois não era muito fã de histórias de terror, e depois
de ter visto aquilo achou que as histórias podem ter mexido com ele. Ele não
conseguiu mais pregar o olho, nem adiantaria tentar já que seu sono foi mandado
para longe depois daquilo.
No dia seguinte enquanto tomava café ele
estava convencido que era apenas um sonho e não deixaria aquilo abalá-lo. Os
caras no trabalho iriam rir dele para sempre se soubessem que suas histórias
idiotas o tinham afetado, então ele voltou para o trabalho. Naquele dia não
aconteceu nada nem mesmo durante à noite.
No final da quinta noite voltou a
acontecer, mas não foram chicotadas que o assustaram dessa vez, e sim gemidos
de dor, que estavam vindo do quarto dos fundos. Aquele quarto era apenas um
‘quartinho de bagunça’, separado para construir mais cômodos na casa. Ele se
aproximava devagar pelo corredor, sua lanterna estava tremendo e o coração na
boca, tudo nele dizia para correr sem olhar para trás e se trancar em seu
quarto até amanhecer, mas ele era um homem adulto e não faria aquilo, então
tomou coragem para pegar na maçaneta e girá-la. Ao abrir a porta não havia nada
de suspeito, então fechou-a. Quando se virou, viu uma senhora negra aparentando
ter uns 70 anos, com vestido rasgado e com grilhões em seus braços sangrando, que
chacoalhava as correntes gritando:
— Está queimando! Tire esse inferno de
mim, por favor! – Ele bateu com as costas na porta que tinha acabado de fechar
e sentiu mãos atravessando-a e tentando agarrá-lo, a senhora se aproximando
cada vez mais. Reunindo forças apesar do medo, ele conseguiu correr para longe
dali e se trancar em seu pequeno quarto. Tentando recuperar o fôlego, ele
começa a dizer a si mesmo em pensamento que não era real, que poderia se
convencer disso se não fossem os sons de correntes se arrastando no corredor. Novamente
ficou sem dormir nem de noite e nem de
dia, e isso estava mexendo com ele, mas não podia ir embora, precisava do
dinheiro para sua mãe, tinha que aguentar, pois havia apenas mais duas noites
pela frente. Então decidiu ficar.
Durante a manhã, David resolveu vistoriar
tudo para ver se encontrava algo. Não queria admitir que a casa era assombrada,
mas não tinha escolha, então passou a procurar algo que pudesse fazer aqueles “fantasmas”
o deixarem em paz. Ele andou até encontrar uma pequena porta camuflada no piso,
a alavanca tinha sido arrancada, mas talvez com um pouco de esforço conseguiria
levantá-la. Quando colocou suas mãos nas beiradas, sentiu um calafrio na
espinha junto a uma voz vinda de trás dele e, de repente, uma mão foi colocada
sobre a sua.
— Num faça isso, num faça isso, pois o
patrão irá vir brigar cum ocê, filho! – Ele tira as mãos devagar daquela
portinhola, o frio desaparece, mas mesmo assim ele não conseguia se virar. Então
apenas seguiu reto até a porta de saída. O patrão de quem a voz alertou
provavelmente era o homem que viu no seu quarto com o chicote.
Ele achava que conseguiria ficar ali mais
duas noites, mas ao sentir seu coração quase quebrando sua caixa torácica
decidiu que iria embora, aquilo não valeria a pena se ele tivesse um ataque
cardíaco por estresse, então depois de pegar suas coisas trancou tudo e foi
embora. No portão ele olhou uma última vez para trás, para ver várias sombras o
encarando das janelas dos quartos do segundo andar. Quem o encarava com mais
intensidade era aquela cuja silhueta parecia estar usando um chapéu. Virou as
costas e nunca mais voltou.
O corretor nunca desistiu de vender aquela
casa, mesmo após tantos anos sendo contrariado. Querendo ou não, ela já estava
habitada...
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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