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Cine Virtual: A Bruxa Velha

Conto de Gisele Honorato
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Sinopse: Todos conhecem a bruxa feia, cega e velha de João e Maria, mas será que ela sempre foi assim? Nesse conto vemos o início da jornada dessa personagem que tanto amedrontou as crianças. E vemos que nem todo vilão é tão mal assim.


A Bruxa Velha
de Gisele Honorato

 

No meio de uma imensa clareira existia sua bela casa. Não era uma casa comum, assim como sua dona. Tinha as paredes feitas de bolo, as janelas de pão de mel e as telhas com o mais delicioso dos chocolates.

Nessa tão singular casa morava uma bruxa velha e cega. Mas ela nem sempre foi assim. Ela nasceu como toda e qualquer criança da época, bela e saudável, mas o que seus pais não sabiam era que seus olhos eram fracos, não se sabe ao certo por que, mas com o tempo eles foram enfraquecendo mais e a deixaram na mais completa escuridão.

Ela era jovem, bela e ingênua, como todas as moças de sua idade eram. Seu real infortúnio começou quando se apaixonou por um jovem lenhador, mas ele preteriu seu amor devido à sua deficiência.

Todos a tratavam com desprezo por ser cega, até mesmo sua família. Achavam que tudo o que fazia era errado ou mal feito. E ela se esforçava noite e dia para agradá-los embora seus esforços nunca fossem suficientes. Mas eles não contavam com sua persistência e vontade de ser melhor em tudo.

Cansada de se esforçar sem ter êxito, recorreu às artes ocultas que tanto ouvia aos sussurros pelas bocas de uns e outros. Sabia que no meio da floresta vivia uma velha bruxa e resolveu que iria procurá-la e ter tudo o que lhe era de direito. Só não contava que com isso iria pagar um alto preço.

***

Darei o que tanto quer... Disse a bruxa com sua voz rouca e agourenta. - Mas antes terá que fazer algo para mim.

Farei o que for preciso. Respondeu ela, decidida.

Volte aqui amanhã com algo do seu amado e lhe ajudarei.

Ela foi embora radiante e pensando em como conseguir algo do seu amor para levar para a velha bruxa.

A noite chegou sem demora e ela ficou em frente de casa ouvindo o barulho dos grilos e ansiando pela volta do seu amado, ele passava em frente à sua casa todos os dias na volta do árduo trabalho, e aquele dia não foi diferente.

Ao ouvir suas passadas ritmadas, seu coração se encheu de alegria que logo murchou quando ele passou sem lhe desejar sequer um “boa noite”. Ela entrou em casa triste e cabisbaixa, mas decidida a conseguir algo dele.

Assim que o dia amanheceu ela pegou um jarro e se dirigiu ao poço com a desculpa de buscar água, apesar dos protestos e ofensas de sua mãe.

Vai! Pode ir, se cair no poço e morrer pouco me importo! – Vociferou sua mãe. – Além de cega é burra!

Aquelas palavras doeram, mas ela não se deixou abalar. Seu plano era justamente fingir uma queda para poder chegar perto dele. Sabia que àquela hora ele estava tirando água para sua mãe já idosa.

Bom dia! – Cumprimentou ela se aproximando do poço.

Ele nada respondeu e só ficou observando. Ele sabia que ela nutria uma paixão por ele, mas ele não queria lhe dar falsas esperanças, pois já era difícil cuidar sozinho da mãe idosa e seu trabalho era exaustivo. Ter uma esposa cega estava fora de questão, não importando o quão gentil e adorável ela fosse.

Enquanto ele se perdia em seus pensamentos, ela pôs o plano em ação. Foi tateando pela borda do poço, encontrou o balde e fingiu se desequilibrar ao arremessar ele.

Cuidado! – Gritou ele se lançando para segurá-la.

Ela gritou e se agarrou nele.

Você não devia estar fazendo isso. – Sentenciou ele, segurando-a com força.

Desculpe. – Respondeu ela, cabisbaixa, e segurando um botão da camisa dele.

Tenha mais cuidado da próxima vez. – Falou ele ríspido, soltando-a.

Ela baixou a cabeça e seguiu para casa tentando conter o sorriso de satisfação.

Não tardou muito em ir à casa da bruxa lhe entregar o que foi pedido.

E então? – Perguntou ela com sua voz rouca.

Trouxe-lhe o que pediu. – Respondeu ela, estendendo o botão.

Ela pegou o pequeno objeto e jogou ele dentro de um fraco que estava sobre a mesa. Sacudiu, abriu e jogou mais outras coisas, o tapou e colocou na mão da jovem.

Beba tudo antes de se encontrar com ele. – Ordenou ela.

E se não der certo?

Dará, mas se não der, já sabe onde me encontrar.

***

No dia seguinte, ela ficou esperando-o como todos os demais dias em frente à casa, mas dessa vez estava mais confiante, pois trazia a poção da velha bruxa consigo. Ao ouvir seus passos ao longe, tratou de beber mais que depressa tudo, e esperou. Mas novamente ele passou sem nada lhe dizer. Se ela enxergasse saberia que, diferente dos outros dias, naquele dia ele a olhou e seu semblante ficou carregado de tristeza. Ela entrou e chorou baixinho a noite inteira. No outro dia correu novamente à casa da bruxa.

Não deu certo! – Gritou ela assim que entrou na casa da bruxa.

Hum. – Resmungou a bruxa. – Ele é um caso difícil...

A bruxa pegou uma faca sobre a mesa e cortou a própria mão, pingou algumas gotas do sangue negro num frasco, acrescentou algumas ervas e entregou a ela.

Devo beber? – Perguntou ela sentindo o contorno do frasco.

Não, irá se banhar com isso.

E se...

Você sabe onde me encontrar, agora vá! – Ralhou a bruxa.

Ela correu para casa com a esperança renovada, tomou seu banho depressa e foi esperá-lo.

Seu coração palpitava de expectativa. Ao ouvir os passos dele, ela não conteve o sorriso que lhe brotou nos lábios. Ele, ao avistá-la, quis correr. Estava tão linda, tão adorável, mas sabia que não poderia condená-la uma vida dura e de sacrifícios, não ela que já era tão maltratada por sua condição. Ele, então, baixou a cabeça e passou por ela o mais rápido que pode. Naquela noite, ela foi dormir com o coração em pedaços, achando que bruxa nenhuma nesse mundo poderia realizar seu único desejo: Ser amada.

Os dias se passaram e ela continuava a esperá-lo, apesar de que a cada dia ele se apressava mais ao passar por ela. Quase corria quando chegava perto. E aquilo só lhe mostrava o quanto sua presença o desagradava.

Foi quando decidiu retornar a casa da bruxa.

Vejo que não funcionou também... – Disse a bruxa gargalhando.

Você não é bruxa de verdade, é só uma velha louca! – Gritou ela.

Não sou? – Ironizou ela. – Tem certeza?

Não me ajudou em nada!

Tem certeza de que é ele que seu coração mais deseja? – Perguntou ela se aproximando. – Tem certeza que é com ele que sonha todos os dias?

Ela tremia, sabia que sonhava com outra coisa.

Diga seu verdadeiro desejo.

Quero ver! – Gritou ela.

Me traga uma criança e realizarei seu desejo. Pediu ela sem rodeios.

Ela saiu sem responder a bruxa e voltou para casa. Decidiu que jamais lhe levaria uma criança. Jamais condenaria um inocente para ter a luz de seus olhos de volta, mas dias depois ela voltou à velha casa.

Resolveu voltar? 

Não posso trazer o que me pediu...

Então não posso ajudar! Respondeu a velha bruxa.

Por favor, me ajude, tem que ter outro meio... Pediu ela em desespero.

Então fique! Esqueça sua vida e me sirva. 

Porque iria querer isso? Perguntou ela assustada.

Eles lhe julgam por não ver. Acham-lhe incapaz... A bruxa disse se aproximando e tocando-lhe o rosto. Mas eu vejo poder em você. Fique e terá bem mais do que deseja... Aqui comigo será o mesmo que uma deusa, terá poder!

Não quero poder...

Mas quer enxergar. E com poder terá a luz dos seus olhos de volta, verá tudo e muito mais. Terá o que quiser...

Ela ouvia a tudo o que a bruxa dizia e se sentiu tentada. A bruxa sabia que não iria demorar para ela aceitar. E logo iria conseguir o que tanto esperava, uma escrava! Então a bruxa a fez se lembrar do amor não correspondido, das constantes ofensas e humilhações. Ela chorou e ficou.

Algumas luas mais tarde o cheiro de bolo e doce atraiu algumas crianças para o meio da floresta e seu destino a bruxa traçou. Dava-lhe de comer às crianças, e a tudo ela comia sem perguntar o que era.

Quanto mais crianças ela consumia, mais forte ela ficava. Do sangue inocente e da gordura farta deles ela extraia beleza e poder. Seus poderes já eram tão grandes quanto o de sua mestra, sua beleza sem igual, mas os olhos imprestáveis nada enxergavam ainda. E a bruxa lhe garantia que era tudo questão de tempo e paciência. Mas a verdade é que ela não queria lhe devolver a visão, visto que seus poderes aumentavam de forma assombrosa e a bruxa temia que assim que sua visão fosse restabelecida, ela a abandonasse e fosse atrás do seu amor.

***

Por muitos e muitos dias ela seguiu cada ordem de sua mestra, mas nada fazia com que seus olhos vissem algo. E isso a irritava constantemente, por mais que aprendesse e fizesse tudo que lhe era ordenado, seus olhos continuavam imprestáveis.

Porque eu não enxergo? Perguntou ela entre lágrimas.

Nem tudo se vê com os olhos...

Eu quero enxergar! – Gritou ela com raiva. Você me prometeu! Disse que eu conseguiria tudo que desejasse!

Criança, tenho alguns milênios de anos e te garanto que irá conseguir...

Num rompante de fúria ela a jogou dentro do caldeirão no qual estava mexendo a sopa do dia. A bruxa gritou e urrou, enquanto sua carne enrugava, criava bolhas que incharam e estouraram. E antes de morrer a velha bruxa que a ensinava a amaldiçoou.

Há de comer sem nunca se saciar. Beleza nunca mais terá e sua visão imprestável para sempre será! – Gritou ela entre urros e gemidos.

E no desespero da fome ela a comeu, assim como comia as crianças que a velha bruxa lhe dava. Enquanto devorava aquela que outrora fora sua mestra ela enrugou, encolheu e encurvou, se tornando feia e velha. E desde então ela ficou no lugar de sua mentora, pois essa é a sua maldição.

 Até hoje ela atrai crianças com o cheiro de bolos e doces. Não importando o quão gordas fiquem ela sempre tem fome e continua velha, feia e cega.

Conto escrito por
Gisele Honorato

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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