Carnavália
de Jade Brum
Sérgio Malheiros como HenriqueRaphael Sander como Alaor
Juliana Paiva como Alfradique
Cassia Kiss como Zita
Tatiana Tibúrcio como Janaína
Juliana Paiva como Alfradique
Cassia Kiss como Zita
Tatiana Tibúrcio como Janaína
Música:
Carnavália – Tribalhistas).
Eu
definitivamente não queria ir, não sei porque minha mãe insistia tanto na minha
ida para o Rio de Janeiro, eu detestava carnaval, cinco dias de pura
inutilidade, não via sentido de um feriado apenas para as pessoas se
embriagarem, aprontar loucuras que não tinham coragem de fazer no resto do ano
e ter relações sexuais como se fossem coelhos.
Aquela
rodoviária já estava lotada, e eu não gostava daquilo. Ok. Não estava tão
cheia. Mas eu me irritava da mesma forma, quando não queremos fazer algo tudo
se torna entediante. Passei a mão na cabeça e respirei fundo, essa era a
vantagem de cortar o cabelo na máquina, nunca suava, não sei como as pessoas
aguentavam ter cabelo longo no Brasil.
Não
via a hora de me mandar desse país, não que eu achasse ruim. Ok. Eu achava. Mas
não era culpa da geografia, do clima ou da natureza, mas as pessoas eram
desnecessárias, os governantes eram completos boçais e a população às vezes –
corrigindo, na maioria das vezes – parecia não ter nada dentro da caixa
craniana.
E
pra completar eu tinha nascido numa cidade do interior, não podia nem usar a
expressão todo castigo pra corno é pouco, pois, é, como digo isso? Dizendo
besta! Enfim, eu não havia namorado ninguém. Ok. Pelo menos tinha beijado, e
não tinha sido só uma pessoa. Três. Grandes coisas! Eu tinha vinte e um anos e
três pessoas na minha lista, considerando que eu tinha dado meu primeiro beijo
aos dezoito até que não era uma média tão ruim. Eu acho. E sim. Eu achava ruim.
Resolvi
colocar meu fone do ouvido e cair na delícia que eram os fones de ouvido. Meu
celular era meu lugar secreto, meu Jardim Secreto da Babilônia, meu oásis no
deserto. Tocava Shallow, que por mim Lady Gaga poderia ter colocado o nome de
Slalom, pois aquela era minha oração diária, perdi a conta de quantas vezes
gritei a música com a cara enfiada no travesseiro, pois como minha casa era de
madeira dava pra ouvir até a respiração do cômodo ao lado.
Minha
playlist me livrou de ter que ficar ouvindo as músicas internacionais que
tocavam nos autofalantes da rodoviária, que a transformava numa boate de
conceito reinventado, ou algo parecido. Isso quando não tocava “hits pop
brasileiros”. Ranço.
Ok.
Falando assim pareço uma velha, ou a Tatiana da segunda temporada de Rupauls
Drag Race. Mas eu não tinha culpa de ser inteligente ou ter gostos diferentes da
maioria das pessoas, principalmente dos jovens. Fiquei ali sentado. Alheio a
tudo. Analisando que eu queria uma calça jeans nova, embora aquela não tivesse
nem dois meses de uso, pelo menos eu estava com a camisa que eu queria. Louvado
seja quem inventou a malha.
Começou
a dar a hora do ônibus, eu teria que encarar umas quinze horas de viagem, só de
pensar nisso cada célula do meu corpo desejava entrar em lise (morte), mas esse
é o preço a se pagar por ter boa educação e não discutir com sua mãe de
cinquenta e seis anos de idade.
Graças
a quem quer que fosse ela não me levou na rodoviária, teria que resolver
algumas coisas com as moças da igreja. Minha mãe era católica, e isso acarretou
na minha primeira comunhão, ensaios pra ser coroinha, trabalhos nas pastorais e
tudo mais que aparecesse. Essa era a vantagem de estar no ensino superior,
agora tudo era desculpa, ela respirava diferente e eu dizia: mãe não posso
tenho trabalho pra fazer.
-
Passagem e identidade – O motorista pediu parado na porta do transporte. Era um
tanto velho. Mas eu não me importava, contando que chegássemos ao Rio de
Janeiro no horário previsto eu ficaria muito feliz!
Entreguei
tudo e ele conferiu, já havia colocado minha mala no bagageiro, além da mochila
que eu carregava. A situação me obrigava a ir preparado com muita coisa. Eu
sabia que o Rio era o lugar mais quente do planeta, um estágio para o sol. A
dengue era real. Como estávamos no ápice do verão levei protetor, repelente e
tudo mais que podia.
Senti
a veia do meu pescoço inchar e meu corpo ficar quente. Raiva. Nada Ok. Já não
bastava ter que ir de ônibus. Quinze horas de viagem. Só ter conseguido
passagem no último lugar. De frente pro banheiro. Tinha uma pessoa sentada na
minha poltrona! Sim. Minha! Quando eu compro uma passagem eu alugo aquela
cadeira pelo tempo da viagem. Ou seja, periodicamente minha!
-
Desculpa moço, já to saindo, eu só sentei porque achei que ninguém viria, e eu
fiquei nessa ponta e minha filha na ponta de lá – Ela disse constrangida.
Ok.
Eu entendia o fato da menina ter que ir em outro banco, mas era do lado, eu
tinha pego aquele lugar, e não, não ia trocar! Era um direito meu. Coloquei
minha mochila no pequeno bagageiro que tem em cima dos bancos, sentei, coloquei
meu cinto de segurança. Acomodei minhas panturrilhas sobre o suporte, coloquei
meu fone e fechei as cortinas. Paz!
-
Desculpa minha tia, to só passando – Ouvi uma voz transpassar a música calma
que tocava no meu celular.
-
Tudo bem – Ouvi a moça dizer.
- Da
licença, licença, uma licencinha aqui amigo, brigado – A voz do masculina ia ficando mais próxima, mas eu estava
seguro de olhos fechados, a mãe da menina já estava ao meu lado – Opa, é aqui, oi,
eu vou do seu lado? – Ouvi a pergunta e abri os olhos, vi um rapaz de costas.
-
Sim – A menininha de uns seis anos falou sorrindo.
- Ah
que legal – Ele esticou a mão – Prazer Robin – Ela apertou a mão dele e deu
risada.
-
Robin que nem o do Batman? – A garotinha estranhou o nome.
-
Não, que nem o Robin Hood, você não conhece né? – Ele perguntou e ela negou – É
um herói que vive na floresta que nem os amigos.
-
Que nem o Peter Pan? – Ela parecia animada.
-
Isso! Esse é meu segundo nome: Robin Peter Pan – O garoto estufou o peito e pôs
a mão na cintura.
Legal,
temos um animador de festa infantil!
-
Você é legal! – Ela sorriu e olhou pra mãe.
-
Ele é legal né filha? – A mulher disse e a menina chegava a bater as pernas
rapidamente de tão animadinha.
-
Você é a mãe dela? – O cara perguntou.
-
Sim – A mulher que aparentava ter uns trinta e cinco anos.
-
Ué, pode ir do lado dela então, peguei a poltrona da janela, sabe como é né?
Pra ver a vista, o verde, a estrada, mas pode ir – Ele disse se virando pela
primeira vez.
O
rapaz era alto, se eu tinha um metro e setenta e sete dele devia ter uns cinco
centímetros a mais, o que já fazia bastante diferente, e eu era um tanto magro,
não muito, mas ele tinha um corpo mais esbelto, e tinha cabelos loiros até a
altura da nuca. Louco! Naquele calor? Louco.
-
Você vai do meu lado? – Perguntei quando ele começou a falar comigo. Eu
detestava ser indesejável, mas não tinha culpa se me pegaram num mal dia.
-
Vou sim parceiro – Ele disse sorrindo e tirando a mochila? Parceiro quem tem é
policial, bandido e super-herói, tudo bem ele ser o Robin Wood, mas eu não
pertencia ao seu bando. Não mesmo.
-
Affs – Bufei.
-
Algum problema cara? – Ele perguntava sorrindo enquanto sentava largado sobre o
cinto de segurança.
-
Aqui não é o seu lugar – Falei irritado.
-
Fica de boas, olha só, a moça ali tem que ir do lado da filha, não custa eu vir
aqui, custa? – Indagou de um jeito convincente. Mas eu não era a garotinha de
seis anos pra me encantar com um super-herói fajuto.
-
Custa sim, e quando o motorista vir eu vou dizer que esse não é o seu lugar –
Retruquei mostrando que eu não o queria ao meu lado.
- Ah
para! Não acredito, mas po, que tentar vai lá – Ele disse todo divertido.
-
Você quer trocar o lugar? – A mãe da menina pareceu preocupada com ele.
- Fica
tranquila, pode deixar, vou bem tranquilo aqui – O abusado devolveu.
-
Isso mesmo, foi lindo você trocar de lugar, a gente ajuda a te defender se
precisar – A moça que estava na nossa frente falou.
Legal,
o super-herói de teatro infantil tem fãs agora, e advinha quem é o vilão? Eu
mesmo! Ok. Se esse é meu papel vou querer meu Oscar por ele! Sei que devem
estar pensando em parar de ler agora porque eu sou idiota, chato, insuportável
e metido. Mas não parem!
-
Nossa ta muito calor né? E eu ainda vim com esse blusão de manga curta por cima
da minha camisa – Ele disse e o ignorei – Ta grilado comigo? – Ele indagou e eu
revirei os olhos.
Logo
o motorista veio conferir os passageiros e tudo mais. Aquela era a minha deixa.
-
Boa tarde motorista, esse rapaz sentou ao meu lado, sendo que aqui não é o
lugar dele – Falei e o loiro olhou pra minha cara sorrindo.
-
Ele está lhe incomodando senhor? – O condutor do ônibus falou.
-
Ele está fora do lugar dele – Retruquei.
-
Boa tarde meu bom – O afrontoso esticou a mão pro motorista – É assim motora, a
moça ali veio com a filha, uma de cada lado, a menina tem seis anos, que mãe
vai ter sossego durante a viagem com a filha longe e ainda do lado de um cara
que ela nunca viu na vida? Só fiz um favor, imagino que não seja nada tão
grave.
-
Verdade motorista, o menino foi super querido! – A moça do banco da frente,
advogada do implicante que estava ao meu lado, falou.
-
Tudo bem então – O condutor disse – Se o senhor se sentir muito incomodado –
Ele disse com certo sarcasmo – Me avise, verei o que posso fazer – Disse pondo
a mão no ombro do que estava do meu lado e sorriu pro ridículo.
-
Viu, eu te falei – Disse como uma criança de oito anos.
- Se
você me provocar eu chamo o motorista – Retruquei.
Ele
repetiu o que eu disse com voz de criança, me deu língua e disse que tudo eu
tinha que correr pra mamãe. Ignorei e coloquei meu fone. Daqui a pouco vejo
seus braços passarem pela minha frente e ele abri a cortina. Toda!
-
Ei! Deixa fechada – Pedi.
-
Não, estamos os dois aqui, eu quero aberta – Ele disse.
-
Primeiro que seu lugar nem é aqui, segundo que eu que estou na janela – Me
posicionei.
- I
daí? – Deu de ombros – Eu quero ver a vista.
- É
paisagem! – Devolvi.
-
Olha, paisagem, que chique! – Ele disse com aquele sotaque.
- Da
onde você é? – Indaguei.
- Da
minha casa – Retrucou sorrindo e eu fiquei sério – Brinks, sou da cidade mais
linda do Brasil, cidade maravilha purgatório da beleza e do caos, capital
turística do Brasil, dona do maior carnaval do mundo, conhece? Rio de Janeiro!
-
Ah, tinha que ser, com esse sotaque chato – Alfinetei.
- E
o barriga-verde ta se achando o dono do mundo por ter nascido em Santa Catarina
e falar tudo com “s” – O loiro rebateu.
-
Melhor do que falar com xis – Me defendi.
-
Tudo isso é porque eu estou aqui? Nesse lugar? – Indagou.
-
Lugares em ônibus são propriedades alugadas, entende? – Expliquei.
-
Nada é próprio, nada é de ninguém, tudo pertence ao capital privado e ele te
concede uso, somos só engrenagens do estado e do capital, entende? – Ele disse
e minha cabeça deu um nó. Mas não ignoro que entendi.
-
Você é muito chato – Rebati.
-
Até que enfim algo em comum entre nós – Disse com a cara mais lavada – Mas quem
viaja de calça jeans?
-
Quem viaja de tênis, bermuda clara, blusa e camisa social de manga curta por
cima? Você parece um mochileiro que toma banho com regularidade e se cuida
basicamente – Critiquei.
-
Estilo o nome disso – Se gabou.
-
Simplicidade o nome disso – Devolvi.
A
viagem seguiu e tive meia hora de sossego enquanto ele revirava a mochila atrás
de alguma coisa, que demorou horas pra encontrar.
- Ta
ouvindo o que? – Ele perguntou tirando meu fone do meu ouvido.
-
Você é um escroto! – Eu disse ele gargalhou.
-
Conta logo vai – Pediu.
- Buzina,
da Pablo Vittar – Falei já imaginando as piadas que viriam.
-
Legal, Pablo é muito gostosa né? – Ele disse e me esforcei pra não arregalar os
olhos.
- E
você ta ouvindo o que? – Perguntei.
-
Olha, até que enfim você falou uma frase sem me dar uma facada – Falei.
-
Idiota! – Ataquei.
-
Ele voltou – Sorriu e me controlei pra não fazer o mesmo – To ouvindo Geni e o
Zepelim.
- É
uma música legal, e bem, mostra como as mulheres sempre foram vistas – Falei.
-
Sim, e vale lembrar que Geni era uma travesti, que fique claro – Ele disse.
- O
que? – Indaguei.
-
Geni era uma travesti – Repetiu sereno.
-
Claro que não – Rebati.
-
Sr. Inteligência, ouça a música de novo e pense bem – O loiro falou e fiquei
perturbado com a ideia, mas não a ignorei. Nunca havia pensado daquela forma.
Talvez ele não fosse tão idiota.
-
Som maneiro – Ele colocou meu fone no ouvido dele.
-
Sai daqui! – Esbravejei baixinho.
-
Qual teu nome? – Ele perguntou.
-
Por que eu deveria falar? – Devolvi.
- I
ah lá – Ele riu – Só perguntei cara.
-
Você pode me matar, me sequestrar, me assaltar, clonar meus dados – Impliquei.
- Ta
bom “garotinho do interior” – Ok. Ele também era bom em implicar.
-
Henrique – Falei calmo.
-
Legal – Ele sorriu.
Mais
trinta minutos de paz.
-
Ei, toma – Esticou um pacote de biscoito doce na minha cara.
- Eu
não gosto, obrigado – Falei.
-
Pega logo cara! Ta envenenado não – Ele disse soltando uns quatro na minha mão.
-
Não precisava tantos, você vai ficar com fome – Respondi.
-
Fome? Com meio pacote de biscoito na mão? – Ele pareceu pensar longe – Sei bem
o que é fome, fica tranquilo, não tem nada melhor que dividir.
Como
ele conseguia? Parecia ser um cara legal, e era um idiota, implicante e
abusado, mas parecia ser uma pessoa boa. E por que eu estava me importando?
-
Por que você não coloca essa mochila lá em cima? – Perguntei.
-
Gosto dela aqui embaixo, perto de mim, de boas – Sorriu.
- Aí
você tem que ficar com as pernas bem mais abertas – Falei só por falar.
-
Posso abrir muito mais – Ele disse fazendo elas encostarem na minha e me deixou
imprensado – Bom agora.
-
Você é um diabo! – Falei bufando e ele sorriu.
-
Obrigado.
A
viagem seguiu, fizemos a primeira parada. Eu fui no banheiro e ele ficou
falando com os idosos que sempre ficam ao redor do ônibus quando ele para. Vai
entender.
Fui
pra dentro do restaurante pegar algum lanche pra comer na viagem e fiz um
pequeno prato pra comer, o quilo era cinquenta reais, mas minha mãe tinha me
dado dinheiro. E eu também não comia um quilo.
- O
que é isso? – Perguntei quando ele sentou na minha frente.
-
Ketchup – Ele disse chupando o condimento direto do sachê.
-
Puro? Vocês cariocas são loucos! – Falei.
-
Falou o que toma chimarrão, uma água fervendo jogada numa erva e puxada por um
canudo do metal – Ele disse e tive vontade de rir – To vazando – Disse
levantando.
-
Já? – Já? Ta louco?! Deixa esse chato ir. Por que eu disse isso?
-
Não vou comer nada, to de boas – Fez uns gestos com as mãos.
Liguei
pra minha mãe, avisei que estávamos no Paraná, que comi, estava tudo bem, ela
estava preocupada. Minha mãe me sufocava, mas desde meus dez anos era eu e ela,
meu pai tinha falecido, então eu entendia o medo dela de me perder.
Voltamos
pro ônibus, escovei os dentes dentro daquele minúsculo banheiro, ele deu risada
quando saí todo molhado, eu não sabia como ele aguentava aquele cheiro de
bueiro toda vez que a porta do banheiro abria.
-
Toma – Coloquei no colo dele, ia por com carinho, mas fiz com força pra ele
pensar que eu estava com raiva.
-
Que isso? – Indagou abrindo o saco – Po, salgado, que delícia! Valeuzão irmão!
– Disse passando a mão pelo meu curtíssimo cabelo.
Ele
comia e eu fiquei pensando como éramos diferentes, eu moreno, cabelo curto,
olhos escuros, corpo magro e catarinense, ele, loiro, cabelo médio, olhos
castanhos claro, esbelto, carioca, éramos o oposto dos estereótipos dos locais
que morávamos.
A
viagem seguia, e como ele não estava com cinto de segurança, às vezes seu peso
vinha todo pra cima de mim, eu instantaneamente o empurrava, o loiro ria.
Diabo!
Às
vezes eu estava lá ouvindo minha música quando olhava por lado via que ele
estava me olhando, mas logo ele olhava pra outra direção, eu só olhava quando o
bebezão ficava se mexendo e isso acarretava em sua bermuda descendo por sua
perna, como alguém era tão relaxado?
Era
de madrugada e meu sono não vinha, e acho que por conta do calor e do pouco
espaço nossos braços acabavam roçando, quando acontecia um de nós sempre nos
afastávamos, mas na maioria das vezes era eu.
Música:
(Nada Sei – Kid Abelha).
Acabei
conseguindo adormecer por alguns minutos e quando acordei o corpo dele estava
colado o meu, principalmente nossas pernas, me encolhi um pouco e virei de
costas pra ele. Minutos depois adormeci novamente, despertei uma hora depois,
eu estava com a cabeça no ombro dele.
Me
ajeitei depressa e vi que ele estava acordado e sorrindo, deviam ser umas quatro
horas da manhã. O que ele estava fazendo acordado? Porque não dormiu? Estava me
vigiando?
-
Desculpa – Eu falei.
-
Não – Ele retrucou.
-
Por quê? – Indaguei.
-
Porque eu estava gostando – Ele disse.
-
Robin – Comecei a falar e vi ele levantar o apoio de braço que tinha entre nós.
-
Shiiiu! – Tem gente dormindo – Ele sussurrou.
O
vidro do ônibus estava molhado por conta do orvalho que caía. O ônibus todo
apagado. Tudo sereno. Nenhuma sombra. Nenhum som. Tudo sóbrio. Tudo um pouco
solto. Ok. Será?
Eu
via sua silhueta se mover no escuro. Sentia sua respiração. Seu leve ofegar.
Assim como o meu. Que além disso tinha o transpirar. Era uma tragédia
anunciada. Mas se eu iria parar? Não! Por quê? Não faço ideia! Uma parte de mim
achava surreal! O ônibus! A situação! Um desconhecido! Ele!! Um chato! Um
implicante! Lindo! Atraente. Não domesticado. Selvagem. Sem modos. Sem
elegância. Mas eu queria!
Suas
mãos tocaram meu rosto com cautela. Carinho. E cuidado. Cada toque curto
arrastado pela minha pele parecia um convite. Minha mente parecia já conhecer
aquele roteiro e queria atuar junto com o rapaz, mas meu corpo havia entrado em
transe. Mas ao sentir sua respiração perto do meu nariz meu corpo reagiu e
toquei sua cintura.
Como
um carimbo num passaporte ele apenas colou nossos lábios. Correspondi. Abri a
boca e deixei que ele conduzisse. Como Bela dançando pelo meio do salão do
castelo eu me sentia, e ele uma fera. Mas nem um pouco bruto ou assustador.
Jamais. Ali eu o vi além do que meus olhos e minha mente chata ilustravam. Eu
lhe vi.
E o
beijo continuou. Eu não fazia questão de parar. Sentia seus lábios
estabelecendo uma conexão com os meus. Como um cadeado fechando. Como uma
aranha que envolve algo entre suas oito patas. Sua boca era firme e tinha um
gosto bom. Sua língua. Por vezes pedia passagem entre meus dentes. E de repente
encontrou a minha. Fazendo um feixe elétrico percorrer meu corpo.
Suas
mãos estavam em minhas costas e no meu quadril. Eu me sentia cada vez mais
atrelado naquela situação. E ficava pensando como aquilo aconteceu. Qual foi o
momento que eu deixei de odiá-lo pra sentir atração por ele. E espera. Ele era
gay? Não falamos sobre isso. Bom, eu sabia que era desde meus dezessete anos.
Mas e ele? Aquilo estava ficando confuso e eu precisava parar.
(Fim
da Música).
-
Que foi? – Perguntou baixinho quando paramos o beijo.
-
Você acabou de comer um salgado de chocolate, não vou te beijar – Falei
tentando ignorar o volume que havia em minha calça. E na bermuda dele também!
- E
tu levou quase dez minutos pra perceber isso? – Indagou.
- Eu
estava envolvido no beijo, mas agora não mais – Retruquei.
-
Henrique! – Ele me chamou e apertou minha cintura.
-
Que foi Robin Wood? – Devolvi.
- Ah
cala a boca – Ele disse e me beijou de novo.
-
Robin se você me beijar à força de novo eu vou gritar! – Falei.
-
Essa vez foi, mas a primeira não – Ok. Eu não tinha o que dizer – Deixa eu
pedir então, eu poderia beijar a sua boca doce e macia? – Fez carinho no meu
rosto.
Santo
Deus! O que aquele diabo tinha no corpo? Que copo de lascívia ele tinha
consumido? Eu apenas respirei e fechei os olhos, e sim, demos um beijo. Que
durou uns vinte minutos. Ou mais. Mas não muito mais. Quando terminamos de nos
beijar ele quis me abraçar.
-
Qual foi? – Perguntou quando tirei o braço dele.
- Eu
quero dormir – Retruquei. Havia uma parcela pequena de verdade naquela
afirmação.
-
Bora dormir junto então – Sorriu. Que sorriso! Que vontade de quebrar os dentes
dele. Havia uma parcela muito grande de mentira nessa afirmação.
- Não,
Robin eu não sou seu namorado. Entenda. Você é um estranho que sentou do meu
lado, me incomodou a viagem toda e agora me beijou. Ok? É isso! – Falei e virei
pro lado.
-
Dorme bem, gatinho – Disse e me deu um beijinho no rosto.
Demônio!
- O
que é isso? – Perguntei dois minutos depois.
-
Que? – Tirou o fone de ouvido.
- Eu
estou ouvindo daqui esse funk altíssimo – Reclamei.
-
Não posso fazer nada, to de fone – Ele disse sorrindo.
-
Mas ta de madrugada – Me indignei.
- Se
tivesse me beijando não ia precisar reclamar gatinho – Falou com aquele jeito
malandro.
-
Vocês cariocas são muito convencidos e marrentos – Afirmei.
-
Obrigado! Mas não é convencido, é confiante, e não é marrento, é estiloso! – Se
gabou.
Virei
pro lado e tentei dormir. Consegui. Percebi que ele abaixou o volume. Dormi aqueles
sonos rápidos de viagem, sonhei com umas loucas e ele me acordou.
-
Que foi? – Perguntei.
-
Parou pra a gente descer pra comer – Ele disse soltando meu cinto.
-
Quem disse que eu vou descer? – Retruquei.
-
Eu. Deixa de ser teimoso e vem logo – Me estendeu a mão e segurei.
Logo
estávamos lá embaixo. Peguei o que eu ia comer, uma fatia de pizza. Cortei na
metade. Dei a outra parte pra ele.
-
Você ta bem? – Indagou.
-
Não – Falei com sinceridade. E calma.
-
Que foi? Ta passando mal? – Ele se preocupou. Foi fofo até.
-
Não, eu to bem, só to confuso Robin – Confessei olhando pra baixo. Ele ergueu
meu queixo.
- É
comigo? – Perguntou.
-
Sim. Mas não se sinta mal – Por que diabos eu estava me preocupando com ele? –
É que realmente foi tudo de repente, e eu te conheço a pouco tempo, e nem sei
se terminei de te odiar – Falei e ele riu.
- Ta
tudo bem. Vamos lá, tenho vinte e dois anos, fiz aniversário no dia vinte e
cinco de fevereiro, carioca, moro em Florianópolis, gosto de capoeira, violão e
fazer cordão, mas trabalho vendendo roupa numa loja – Ele disse como se tudo
fosse simples – E meu nome é Alaor.
-
Você mentiu seu nome? – Perguntei chateado.
- Eu
não gosto do meu nome, parece de velho ou de cantor sertanejo ou peão de
rodeio, e não sou nenhum dos três, e eu adoro o Robin Wood – Sorriu.
- E
você é gay? – Indaguei.
- Se
ficar mais simples pra você entender sim, mas eu não ligo se é homem, mulher,
travesti, trans, se vão me chamar de hétero, gay, bi, quando alguém é legal e
me da tesão eu me jogo – Falou mordendo a pizza enquanto eu cortava a minha.
Robin
Wood não. Tarzan e Jane!
- Se
arrependeu de me beijar? – Ele perguntou.
-
Não – Me segurei pra não sorrir – Eu gostei – Olhei pra ele.
-
Cara – Segurou minha mão – Aproveita o momento, só isso, curte – Disse isso e
me deu um selinho.
Abusado!
Sim. Minha vida estava organizada e de repente aparece um vândalo jogando tudo
pro alto. Como um trem que entra numa floresta e sai destruindo tudo. Mas era
bom. Não nego.
-
Vem – Segurei a mão dele e o puxei para o ônibus.
-
Ah, vai me dar a mão é? – Perguntou.
-
Quer que eu solte? – Disparei. Ele segurou com mais força. Eu sorri. Mas ele
não viu.
-
Nossa – Ele disse quando o empurrei no meu lugar.
Sentei
no lugar dele e comecei a beijá-lo. Só queria fazer aquilo. Idiota. Safado.
Abusado. Sem modos. Porém tudo o que eu queria. Parei de beijá-lo quando as
pessoas entraram no ônibus.
-
Por que parou? – Pediu.
-
Porque tem gente entrando – Falei com calma.
-
Mas... – Ele nem terminou. Só pus a mão na barriga dele. Sentindo sua pele e o
arrepiando com meu toque. Ele só ficou quieto e me olhou.
Passamos
o resto da viagem juntos. Alaor era um rapaz incrível. Tinha um coração enorme.
Nos divertimos muito dentro do ônibus. Ele me fazia rir o tempo todo. Tinha as
histórias mais loucas e divertidas. E me olhava de um jeito que me fazia
sentir...Completo. Era estranho. Mas bom.
Dormi
nos braços dele. Briguei tanto pra ele trocar de lugar. Pra por o cinto. E
agora eu estava ali. No lugar dele. Sem cinto. Com as costas no peito dele.
Dormindo. Ouvindo a música que vinha do fone de ouvido dele.
- Ta
descarregado? Eu tinha que pegar um táxi pra casa dela – Falei.
-
Onde ela mora? – Perguntou.
-
Vila Isabel – Retruquei.
- Um
táxi vai dar uns quarenta, cinquenta reais. Faz o seguinte. Bora pra casa da
minha amiga, você carrega o telefone e depois vamos pra lá – Disse sorrindo.
-
Alaor! – O adverti – Ela vai me matar se souber que fui pra casa de um
estranho. Não que você seja pra mim, mas pra ela você é.
-
Tudo nesse mundo é estranho! – Ele disse me abraçando – Vem.
-
Mas – Falei.
- O
que você quer fazer? Você! Seja sincero com você – Disse e saiu andando em
direção a saída.
Idiota!
Idiota! Idiota! Gênio! Me espera que eu vou junto.
-
Ei, vou com você – Falei encontrando ele na calçada.
- Você disse que não sabe se não/Mas também
não tem certeza que sim/Quer saber?/Quando é assim/Deixa vir do coração –
Cantou com uma voz ainda mais bonita da que ele tinha – Se, do Djavan, vem gatinho.
-
Você não tem medo que eu possa ser um farsante, alguém que te faça mal, sie lá
– Falei.
-
Cara – Disse andando pelo meio dos carros parados – Carioca não tem medo de
nada, a gente vive no meio do tiro, enfrenta violência, mas não deixa de ter fé
na vida, de sorrir, de ser gente boa, de confiar nas pessoas, esse é o jeitão
do carioca.
Tapa.na.minha.cara.mp3
Foi
a gente pegar o ônibus e começar. No fundo do ônibus um grupo de sete jovens.
Meninos e meninas. Ouvindo um funk bem alto no fundo do coletivo. Ele apenas
ria. Da cena comum pra ele. E da minha cara. Outra coisa legal foi o jeito dele
de falar com o motorista. Primeiro chamando o cara de piloto. Depois pediu pro
homem abrir a porta de trás por conta das malas. Tratava o homem como se fosse
seu colega de infância.
-
Meus senhores e senhora, desculpa atrapalhar o conforto sossego e tranquilidade
da sua viagem, mas...
- O
que é isso? – Perguntei.
-
Vendedor de bala no ônibus? Quer alguma coisa? – Perguntou e eu disse que não –
Aê amigo, me vê um desse de paçoca – Um real? Beleza! Toma – Me deu uma.
Confesso que adorei. Era salgadíssimo!
- O
que é aquilo Alaor? – Perguntei quando vi umas esculturas enormes,
- As
escolas arrumando os carros pro desfile de mais tarde – Ele disse e fiquei
perplexo com o tamanho.
-
Mas cedo assim? – São uma da tarde. Na televisão só passa à noite – Não
entendi.
-
Isso é um trabalho de todo um ano Henrique. Tipo, os carnavalescos desenham os
carros, criam as esculturas, os carros, decoram, tem um batalhão de gente
ajudando, aí os carros vêm pra cá agora cedo, eles montam as últimas coisas,
pra quando for dez horas da noite começar. E tem escola de samba que ta aqui e
só vai desfilar cinco da manhã – Explicou.
-
Nunca que eu aguentaria. Meu Deus quanto trabalho! Eu não gosto de carnaval –
Falei e recebi uns olhares tortos.
-
Tem gente que não gosta. Mas o desfile é lindo! – Falou encantado.
-
Acho sem graça – Falei e ele me olhou surpreso.
Música:
(Peguei um Ita no Norte – GRES Salgueiro 1993).
Descemos
na Lapa. Eu sabia por conta dos arcos. Realmente era bem bonito. Enorme. Pedi
pra ele pra tirar uma foto. Tiramos várias. A mando dele é claro. Pra mim uma já
estava ótima. Por onde passávamos tinha um samba tocado. Desses que tocam no
desfile. Parecia algo importante pra eles.
-
Alfradique cadê você? Cheguei porra – Ele disse. Parecia uma briga.
-
Que foi garoto? Já chegou esse mala! Até que enfim! Demorou pra caralho filho
da mãe – Gente. Aquilo era uma conversa? – Ih, quem é esse? Namorado? Tu ta
namorando filho da puta?
-
Esse é um brother que encontrei no ônibus, sei lá, tamo ficando – Sorriu – Ele precisa ligar pra tia pra ir pra casa.
-
Agora não, estamos indo pro bloco, vamos todo mundo! – A menina parda de
cabelos escuros falou.
-
Olá, tudo bem? – Perguntei pra garota que parecia ter uns vinte anos.
-
Tudo sim, seja bem-vindo à Santa Teresa mano! – Ela disse.
-
Obrigado, eu preciso ligar pra minha tia, se não ela vai ficar preocupada – Eu
disse.
-
Diz pra ela que seu ônibus atrasou, pronto, tudo certo – A garota disse
entrando pra casa.
-
Fica tranquilo, vamos ligar pra ela ta? – Alaor me disse. Fiquei mais calmo.
(Fim
da Música).
Falei
pra minha tia que ia pra um bloco. Ela se preocupou com as malas e comigo. Mas
falei que estava bem. Que não tinha problema. Contei que conheci umas pessoas
legais na viagem. E que ia com eles. Ela falou que tudo bem. Pra eu ir
avisando.
Foi
a maior folia. Pelo que entendi aquele bairro ficava na região central da
cidade. Eu via todas as imagens que às vezes passavam na televisão. E não
acreditei que estava ali. Minha mãe ia me matar. Eu nem sabia que tinha bloco à
noite. Mas estava me divertindo. As ruas tinham cheiro de cerveja, chuva e
festa. Ou seja, carnaval.
-
Que ritmo é esse? – Perguntei no ouvido dele.
-
Marchinha! – Ele disse dançando.
Alaor
estava de tutu branco, camiseta branca da amiga e tênis. Eu coloquei uma
bermuda, tênis e camisa de manga. A maioria estava vestido como ele. A roupa
dos homens eram as melhores. E por falar em homens. Um mais lindo que o outro.
Eu já tinha ouvido que carioca tinha uma cor linda dourada. Mas de perto era
ainda melhor.
Aquele
era o sábado de carnaval. Estava sendo muito legal. Saímos do bloco eram nove
horas da noite. E fomos pra Lapa. Mas não pense que pra casa. Estava todo mundo
com fome. E descobri uma enorme feirinha armada. Tinha de tudo. A única coisa
que eu conhecia era hambúrguer e espertinho. De resto. Tudo novidade.
-
Quer o que? Tem caldo, acarajé, x-tudo, batida, tapioca, crepe – Ele me
perguntava. Eu não sabia o que escolher – Boa noite minha tia, me vê um crepe
de morango e chocolate – Olhei pra ele. O abusado que escolheu por mim apenas
piscou um dos olhos.
-
Crem! Isso é muito bom! – Eu mordia a massa! Adorei.
Ficamos
loucos pela lapa. Quer dizer. Eu tomei um pouco de vodca. E fiquei louco.
Vergonha! Mas lembro de nós chegarmos na casa da amiga dele. Ainda fizemos
festa lá. Ele estava batucando numa panela. E tinham umas dez pessoas com a
gente.
-
Sério? – Perguntei. De manhã. Com ele agachado na minha frente.
Ele
disse que minha tia ligado. Ele atendeu. Dizendo que eu estava bem. Mas que
tinha bebido um pouco. Disse que falou que eu estava em Santa Tereza. Que já
nos conhecíamos e tudo mais. Ela ficou mais tranquila.
-
Desculpa – Falei. Dei um beijo nele.
Ficamos
nos beijando. Por quarenta minutos. Eu só de bermuda. E ele também. Levantamos.
Tomamos banho. Comi meu café da manhã. Me diverti pra caramba. Resolvemos ir
pra praia. Avisei minha tia. Ela disse que tudo bem. Minha mãe me ligou. Mas
ignorei a chamada.
- A paixão me pegou/Tentei escapar, não consegui/Nas grades do meu coração/Sem querer eu te prendi (Música: Revelação - Grades Do Coração) – Eles cantavam enquanto alguém batucava. No metrô. Mais da metade do vagão cantava com eles.
- Ta
gostando? – Ele perguntou sorrindo.
-
Muito – Beijei ele rapidamente. Ele pareceu surpreso – Desculpa.
- Tudo bem – Ele disse. Me deu um selinho – Explode coração/Na maior felicidade/É lindo o meu Salgueiro/Contagiando e sacudindo essa cidade. (Música: Explode Coração Na Maior Felicidade - Salgueiro).
Ele
puxou. Todo mundo começou a cantar. E sambar. Com o metrô em movimento. Era a
minha primeira vez naquele tipo de transporte. Que ia por baixo da terra. Me
diverti com aquilo. A julgar pelo transporte a cidade estava lotada.
O
dia na praia foi maravilhoso. Levei vários ataques das ondas. Que eles chamavam
de caldo ou caixote. Eu preferi falar capote. Porque era o que acontecia
comigo. Meu cabelo era bem curto. E mesmo assim eu sentia que tinha areia até no
meu intestino!
Ele
era lindo! Tão bonito! O sol batia em seu corpo. E ele ficava dourado. E olha
que era mais claro que eu. Mas parecia que os cariocas mantinham uma estranha
conexão com o astro rei. Seus amigos. Eram superdivertidos. Todos queridos.
Gentis. E boca-sujas. Era uma palavra a cada nove palavrões. Mas parecia comum.
- Ah
porra, eu avisei que essa merda desse ônibus não passa aqui – Um deles. Bem
negão. Falou.
-
Cala a boca Jorge! Passa sim. É que é carnaval. Aí agora ta lá na casa do
caralho. Ou melhor. Na Barata Ribeiro. Duas ruas acima filho da mãe –
Alfradique falou ajeitando seu curto short branco.
- Tu
não vai embora hoje né? – Alaor perguntou quando pegamos o ônibus.
-
Não tenho mais desculpa pra dar a ela – Falei.
-
Fala a verdade – Ele disse. Como diria Alfradique: Filho da mãe. Ele me pegou
desprevenido.
-
Quer que eu fique? – Devolvi.
-
Preciso responder? – Rebateu.
Relaxei
a cabeça no ombro dele. Eu estava no lado da janela. E fiquei vendo a vista
daquela cidade. Que realmente. Era linda. O mar. A areia. O céu. As montanhas.
As casas nos morros. Os apartamentos de luxo na orla. O centro. Que parecia
intacto. Como se tivesse acabado de ser mil e novecentos. Mas as pessoas
pareciam cinquenta anos na frente. Talvez luz.
- Ta
chovendo muito tia – Falei enquanto esperávamos a chuva passar.
Descemos
do ônibus. Os amigos dele foram pra casa. Ele quis dar uma volta comigo. O que
não esperávamos era aquele temporal. Ele fez a gente pular pra dentro de um bar
que estava fechado. Mas dava pra ficar na sacada de concreto.
Logo
a chuva começou a subir. Ele só me segurou pela mão. E me puxou. Ainda bem que
estávamos de chinelo. Caminhamos pela água por alguns metros. Depois ficamos
numa parte da rua que era mais alta. Mas não tinha proteção. Ele falou pra ficarmos
agachados
-
Alaor, a gente ta na chuva! – Reclamei.
-
Sim, mas quando chove não pode ficar na água, o corpo conduz energia, e nem
embaixo de árvore, e olha em volta – Era tudo arborizado – Você é gatinho
demais pra morrer!
-
Você é inteligente sabia – Falei e ele me abraçou.
Conseguimos
chegar na casa da amiga dele. Nove da noite. Ela nos secou e de lá fomos pra
casa da mãe dele. No morro da Providência. Que segundo ele. Foi o primeiro
morro do Rio de Janeiro. E tinham muitos!
(Música:
O Samba da Minha Terra – Novos Baianos).
Alfradique
e mais um amigo foi conosco. Fizemos uns dez minutos de subida. Não parecia ter
perigo. Não até onde eu vi. Só era chocante ver as casas de tijolo. Algumas sem
o concreto cobrindo. Casas com telhas. Tudo muito simples. E saber que. Naquela
mesma cidade haviam apartamentos milionários como os da praia.
-
Ah, meu filho, meu bombom, meu docinho de coco, coisa mais linda da minha vida,
que bom que você chegou coisa mais linda da minha vida! – Ela abraçou o filho.
-
Calma Dona Janaína – Ele disse abraçando a mulher, que devia ser uns quinze
centímetros menor que ele. Tínhamos a mesma cor. Mas seu cabelo médio e crespo
estava muito bem preso num prendedor.
-
Suellen vem falar com seu irmão, chama Babi, José e Vivi – A mulher disse
emocionada – Ué, quem é esse? A meu deus, até que enfim tomou juízo, é o crush?
É assim que fala? – Ele riu da mãe – Ri de mim não filho de uma égua.
-
Olá – Acenei.
- É
educado ele, que bom – A mulher disse – Tudo bom meu filho, fez boa viagem? Ta
com fome? Ta magrinho, meu filho não ta cuidando de você direito não é? Alaor,
vem aqui!
-
Que foi mãe? – Ele gritou de longe.
-
Ele é um querido, nos conhecemos vindo pro Rio, e desde então estamos ficando –
Falei. Ele me olhou sorrindo.
- Ah
sim, seja muito bem-vindo meu amor – Me abraçou – Tira essa mochila, tem uma
sopa de ervilha bem gostosa pronta, estamos fritando uns salgadinhos, você come
né?
Perfeita.
Sonho de sogra. Que mulher maravilhosa. Janaína providenciou tudo pra nós.
Quarto. Colchão. Roupa de cama. Comida. Bebida. Não precisávamos fazer nada.
Ela
parecia muito feliz de ter o filho ali. Ele não tinha ido no fim do ano. Alaor
foi com uns amigos pra Salvador. Ele parecia muito livre e muito querido. Todo
mundo falava muito bem dele. E eu? Uma bruxa. Na minha cidade pelo menos sim.
Sozinho. Sem amigo. Sem graça.
Eu
fui dormir eram uma da manhã. Ele ficou com a mãe e a família. Na sala.
Assistindo o desfile das escolas de samba. Disse que não podia perder o
Salgueiro de jeito nenhum. A única coisa que eu reconheci foi o nome Viviane
Araújo. Fora isso não sabia nada.
(Fim
da Música).
No
dia seguinte. Ficamos ajudando a família dele. Fomos no mercado. Compramos Gás.
E ele carregou brilhantemente. Ajudei a mãe dele com o almoço. Fizemos
churrasco. E confesso. Era tão gostoso quanto o dos gaúchos. Eu só fazia comer.
Todas as comidas eram boas. Logo eu. Que sempre tive frescuras a vida toda.
Também
não tinha usado nenhum dos meus protetores. Muito mal o solar. Sei lá. Parecia
não precisar. Eu só aproveitava. A diversão não tinha fim. De tarde ficamos na
piscina de plástico que tinha no quintal. Toda hora aparecia um vizinho
diferente. Um conhecido que veio visitar. Alguém que apareceu no feriado e foi
dar um oi.
Era
como se todo mundo se conhecesse há anos. E isso até comigo. Eu era tratado
como todos. Não me perguntavam de onde eu era. Ou meu sobrenome. Quem era minha
família. O que eu fazia. Eu apenas era uma pessoa. Que estava ali. E era
tratado como os demais.
-
Não tem lugar nenhum pra você levar esse menino não Alaor, tadinho, saiu de
Santa Catarina pra ficar aqui sentado – A mulher parecia inconformada.
- Vi
uma mulher vendendo dois ingressos na frisa pro desfile de hoje por cem reais,
mas ta salgado mãe – Ele disse. Devia ser caro.
-
Salgado vai ta tua goela depois que eu por sal grosso menino! Barato desse
jeito! Você que ta sem dinheiro! Também, tadinho, caro à beça vir de lá, e você
trabalha tanto! Andem vão se arrumar! Babi pega minha bolsa aí! – A mulher
disse tudo. Num tom de voz que beirava o grito.
-
Vai pagar pra a gente coroa? – O bonitão pulou no colo da mãe.
-
Coroa é a tua avó! Anda logo! – Ela sorria – Você também menino se arruma.
Música:
(História pra Ninar Gente Grande – GRES Estação Primeira de Mangueira 2019).
E lá
fomos nós. Íamos assistir ao
desfile. Na Sapucaí. Como eles chamavam. Todos os dias choveram. Eu ia ficar
chateado se chovesse. Eu não sambava. Não gostava de desfile. Achava um tédio.
Mas não queria ser mal-educado.
Porém.
Qualquer coisa que eu pudesse pensar. Sumiu! Evaporou! Se dissipou! Quando ouvi
o samba saindo das caixas de som! Primeiro aqueles bailarinos dançando, muito
coreografados. Depois a porta-bandeira! O que era aquela saia? O sorriso! As
penas! Plumas! Ela parecia uma rainha! Uma princesa! Era surreal!
Os
carros! O que eram aquelas coisas. Lindas. Luxuosas. Opulentas. Coloridas.
Cheias de gente em cima. Esculturas; Algumas mexendo. Aí veio um mar de gente.
Fantasia de todas as cores. Uma mais linda que a outra. Mulheres lindas
sambando. E que samba!
Eis
que vem a bateria. Com uma linda mulher na frente. Uma fantasia linda de
morrer. Parecia uma majestade. Não dava pra descrever. E na minha frente a
bateria passando. Eu podia tocar nas pessoas que passavam. Eles sorriam.
Pareciam feitos pra aquilo. Pareciam ter se preparado muito. Me arrepiei todo.
Quando eu vi eu estava cantando o samba, pulando e quase chorando. Batendo
palma.
-
Que lindo! É perfeito! Eu amei demais – Beijei ele.
-
Que bom meu amor! – Ele disse. Fiquei chocado com a palavra.
-
Você é um príncipe! – Beijei ele de novo.
(Fim
da Música).
Seis
horas da manhã! Fomos embora. Foi maravilhoso. Eu estava quase sem voz.
Exausto. De tanto que pulei. Foi maravilhoso demais. Encantador! Tanta cor.
Cultura. Música. Beleza. Arte. Som. Era um festival encantador. Era sim. O
maior carnaval do mundo!
-
Minha mãe ta ligando – Falei. Quando estávamos na rua.
-
Quer atender? – Perguntou.
-
Sim – Falei. Ele me levou pra de baixo de um toldo. De um restaurante. Que
estava fechado.
-
Vai fundo – Ele disse. Sorriu.
-
Alô – Atendi.
- Oi
meu filho, mas que saudade de você piá! Por onde você anda que não atende esse
troço? – Ela disse. Tive vontade de sorrir.
- Ah
mãe. Eu estive ocupado esses dias, saindo com uns amigos – Olhei pra ele – E
umas pessoas que conheci.
-
Que pessoas? Cuidado nessa cidade. Não se pode confiar em ninguém nessa vida –
Errado! Bem errado! Completamente errado.
- Ah
mãe. Não sei. Tenho me divertido bastante com as pessoas que conheci –
Retruquei.
-
Olha a resposta Henrique! Mãe sabe de tudo! E porque até agora tu não deu as
caras na casa de sua tia? – Indagou.
-
Duvido que ela tenha dito isso mãe – Falei.
-
Nem precisa. Conheço minha irmã. Onde tu ta menino? – Perguntou.
-
Mãe, eu to bem, to vivo, tenho falado com a tia todos os dias, fica tranquila,
eu cheguei bem da viagem, fui num bloco, na praia, assisti o desfile na
Sapucaí, comi várias coisas legais, conheci gente muito legal e querida! –
Falei e senti as mãos dele ao redor do meu corpo, assim, sem ponto final mesmo,
só vírgula pra continuar tudo, com ele parecia nunca acabar.
-
Mas olhe só essa. Tenha modos Henrique, nada de ser abusado, você mal conhece
as coisas da vida, quem não escuta cuidado escuta coitado, depois vai ficar que
nem um próximo por essa cidade. Quero que pegue tudo que é teu e vá pra casa de
sua tia – Mandou.
- Eu
não vou – Retruquei.
-
Como é? – Indagou e eu sabia que ela tinha colocado a mão na cintura.
-
Isso mesmo Dona Zita, eu não vou, estou feliz onde estou – Falei.
-
Você está é perdido! Ermo! Pegue já tudo que é teu e te mande pra casa de sua
tia Henrique, não falarei de novo, vou lhe dar uma tunga de laço – Disse
ameaçando me bater.
- Eu
não vou! – Falei alto e ele me apertou.
- Com
quem você está? Ta nas esbornias? Nos bordéis e bordejos dessa cidade? – Falou
com asco.
-
Como se aí não tivesse. Não! Não estou, eu estou com um rapaz que conheci na
viagem, ele é lindo! Meu Deus como ele é lindo – Falei me afastando dele.
Ficamos frente a frente – Me trata bem, cuida de mim, me levou pra passear, me
trata como eu mereço, e olha que eu nem sabia disso, o nome dele é Robin –
Falei e ele sorria de ponta a ponta com a mão na boca – Um super-herói!
- Eu
não acredito nisso meu deus! O que essa cidade fez com você?! O que é isso?! –
Ela estava chocada. Mas não surpresa.
- É
isso mesmo! – Retruquei.
- Eu
só queria que você fosse pra casa de sua tia, que se divertisse, que ficasse
bem, seu menino ingrato, faça bom proveito do seu novo rapaz, e quando quiser,
o caminho de casa lhe estará aberto – Ela disse – Que Deus lhe cubra e lhe dê
luz, que o Rosário de Maria guie seus passos, tchau – Ela disse.
-
Tchau mãe – Falei bem calmo e ela desligou.
Me
agarrei nele e fiquei assim algum tempo. Nossa. Eu fui muito duro com ela. Não
me arrependo de ter contado. Nunca falei pra ela que eu era gay. Acreditava que
assumir você só fazia com crimes, mesmo assim confessar era um termo mais
adequado. No caso de orientação sexual você comunicava a pessoas próximas. Caso
achasse necessário. Mesma coisa pra filhos. Ninguém assumia. E sim registrava.
É obrigação!
-
Calma, calma – Ele dizia fazendo carinho em meu cabelo. Sentir suas mãos na
minha cabeça era maravilhoso.
-
Não me arrependo do que eu falei. Aliás, tudo sobre você é verdade – Confessei.
- Eu
sei, gatinho briguento – Ele disse.
-
Pra onde a gente vai agora – Indaguei.
-
Vem comigo – Me deu a mão.
Reconheci
o caminho pra casa de Alfradique. A amiga dele. Passamos a Lapa. Subimos
aquelas ruas. Ladeiras na verdade. Chegamos na casa. Ele pôs a mão por cima do
muro. E quando voltou estava com as chaves entre os dedos. Sorriu pra mim.
Entramos na casa. Não tinha ninguém.
Ele
começou a me beijar. Fiz o mesmo. Mas com muito mais força. E desejo. Eu fazia
questão de deixar meus dedos em sua pele. Sentir sua boca na minha estava me
fazendo ir as estrelas. Viajar num foguete encantado. Cheio de sensações
maravilhosas. Brilho. Magia. E poder.
Eu
passava a mão pelo rosto dele. Sentia sua pele lisa. Tão diferente da minha.
Como podia ser daquele jeito? Como podia mexer tanto comigo sendo tão
diferente! Ele era simplesmente perfeito! Encantador! E uma delícia.
Estávamos
no colhão que haviam colocado no chão pra que dormíssemos na primeira noite.
Tudo era maravilhoso. Eu via as coisas com um filtro brilhoso e colorido nos
olhos. Seu toque. Seus gestos. Suas expressões. Era tão cativante. Tão
marcante. Lentamente fomos tirando nossas camisas. Era como se ele me pedisse
autorização pra tudo. Mas na minha vida ele já tinha Green Card.
Nos
embolávamos. Como dois felinos brincando. Sua língua percorria meu corpo.
Minhas mãos vorazes e curiosas queriam explorar tudo. Tudo! Não iria me
contentar com nada menos. Alaor tinha uma forma estranha de me fazer sentir a
pessoa mais feliz e realizada do mundo! Assim mesmo sem vírgula!
Eu
estava nadando numa maré. Tão contínua. Um mar sem graça. Que dentro de alguns
semestres. Me levaria a ser chamado de matemático. Mas eu apenas seguia a maré.
Ou melhor. Ela me levava. Me deparei com aquela tempestade em alto mar. E ela
tinha cabelos médios. Corpo liso. Definido. Olhos castanhos claros. Dentes
perfeitos. Sorriso encantador. E alma singela.
Eu
não sabia mais. Quando era dor. Quando era prazer. Era novo. Mas era perfeito.
Incrível. Eu me sentia literalmente preenchido. Completo. Minhas unhas já
faziam morada na pele dele. O quarto tinha um cheiro diferente. Os olhos dele
faiscavam. Igual aos meus. Não sei quando comecei a dormir. Porque aquilo era
um sonho.
No
Monte Olimpo. Alaor. Esse era o nome do meu deus favorito. Rio de Janeiro era o
meu paraíso. Todos eram divindades. Todos os sorrisos encantadores. O desfile
das escolas de samba era um baile sagrado e divino. Uma verdadeira festa. Um
banquete. Os foliões eram seres encantados daquele lugar. O mar era puramente
mágico. O sol alimentava. As comidas. Verdadeiros manjares. Era mais que o céu.
Perdi
a conta de quantas vezes pisquei. De forma longa e demorada. Eu não queria que
aquilo acabasse. O momento com ele. E todos os momentos com ele. Aquele garoto
carioca. Um ano mais velho que eu. Pegava todas as minhas barreiras. Físicas.
Emocionais. Culturais. Tradicionais. E as transformava em pó. Migalhas. Farelo.
-
Foi perfeito – Falei dando um beijo nele quando terminamos.
-
Uau! Foi ótimo! Eu adorei! Você é demais – Ele disse sorrindo.
-
Você também é demaix – Imitei seu
sotaque.
- Ih
ah lá! – Disse me beijando.
Passamos
aquele dia todo junto. Agarrados naquela casa. Só nós dois. Eu tendo minha
lua-de-mel. Mas espera! Eu estava casado? Não. Sim. Talvez tivesse colocado a
aliança quando aceitei ir pra casa da amiga dele. O vestido de noiva devia ter
sido a roupa pro Baile. Casamos quando assistimos o desfile juntos na Sapucaí.
Tudo
era muito metafórico. Mas real. Ok. Eu sabia que não estávamos casados. Mas
tinha algo ali. Alguma coisa estava acontecendo. Ao passo que eu também não
sabia o que. Porque. De que. Quem. Hã? O que eu estava dizendo?
Eu
voltava pra casa no dia seguinte. E não me pergunte porquê passei a noite
chorando. Sim. Nem eu sei explicar. Mas sabia muito bem definir aquilo que
queimava no meu peito. Aquele sentimento ruim. De ir embora. O sentimento
forte. De querer ficar. Coisas que eu jamais. Nunca. Admiti. Saudades, carinho,
atração, desejo.
Ele
me levou pra laje da casa. Sentamos lá. Às onze da noite. E ficamos olhando o
céu. Admirando as estrelas. Eu entre as pernas dele. Nós dois falando do
carnaval. Dos nossos planos. Da nossa vida. Dos sonhos. Das coisas passadas. Do
que estávamos sentindo.
Como
éramos diferentes. Alaor: filho mais velho de três irmãos, crescido na
comunidade, já tinha trabalhado com muita coisa, aliás, começou a trabalhar com
onze anos. Já tinha namorado várias vezes. Tinha raízes com as religiões de
matrizes africanas. Mesmo não sendo pertencente. Era do mundo. Era plural.
Sabia das coisas da vida.
Eu.
Um mauricinho. Como ele dizia dos caras mimados da parte boa da cidade. E pior.
Eu era um mauricinho do interior. Eu nem tinha nada. Sabia de ABNT. Conceitos
técnicos. Fatorações. Cálculos diferenciais. E tangentes. Mas por fórmula
nenhuma conseguiria saber tudo que ele me mostrou. Nunca tinha trabalhado.
Sempre tive tudo. Filho único. Garoto de igreja. Católica. Eu era um bebê.
-
Valeu a pena – Falei olhando pra ele.
- As palavras de um livro, sem final – Ele
disse sorrindo e me deu a mão.
Fomos
pra casa da mãe dele. E foi maravilhoso. Aquela hora da noite rolou uma
festinha de espedida. Todo mundo animado, estava fazendo calor, eu me diverti
tanto, ganhei até uns presentinhos, coisa simples, mas muito especial, que eu
jamais esqueceria.
Eu
queria chorar o tempo todo, o que aquele menino colocou na minha alma? Cebola?
Eu estava sensível, frágil, aberto, vulnerável, e advinha? Eu estava adorando,
ou como ele dizia: eu tava adorando,
cada minuto que eu passava eu me sentia mais como a Cinderela próxima do baile
da meia noite. Queria que minha fada madrinha prolongasse meu encanto.
- É
por isso que chamam de quarta-feira de Cinzas? – Perguntei com os olhos
molhados.
-
Calma anjo – Ele sorriu e me abraçou.
-
Talvez isso tenha sido só um sonho e talvez eu esteja tendo um delírio com o
mala sem alça que entrou naquele ônibus falando alto e mudando de lugar – Ele
sorriu ainda mais lindo – Mas foi perfeito, mesmo que um sonho, uma alucinação,
eu nunca – Respirei fundo – Nunca me senti tão bem e nunca vou te esquecer.
- Eu
também não quero te esquecer, e por isso não vou – Ele disse.
- Você cantou um pedacinho de uma música pra mim, eu queria fazer o mesmo com você, uma que meu pai cantava pra mim – Deixei a lágrima cair – Quase toda noite, antes de dormir, antes dele morrer – Falei - Eu desço dessa solidão/Espalho coisas/Sobre um Chão de Giz/ Eu vou te jogar/Num pano de guardar confetes/ No mais, estou indo embora/ No mais, estou indo embora! (Música: Chão de Giz – Zé Ramalho).
Nos
beijamos, ignorando qualquer coisa, momento e lugar, eu só queria que ele visse
o quanto ele foi especial, o quanto nos fragmentamos, como uma horcrux, talvez
o melhor pedaço, a melhor parte.
Falamos
coisas lindas, que só o tempo e nossas mentes guardarão, eu voltava pra casa,
bronzeado, feliz, desconstruído, experimentado, maduro, encantado, e, sim,
apaixonado, olhando a vista, e me
divertindo, pensando como a vida era mágica, o quanto uma pessoa pode ser boa,
o quanto tantas pessoas podem te dar o melhor sorriso, o quanto eu não conhecia
do mesmo Brasil que eu morava, o quanto de preconceito eu tinha. Eu voltava,
mas não voltava o mesmo Eu. Quando a Alaor, Robin, meu Robin Wood, meu herói
favorito, bom, além de lembranças, sinceras verdades, talvez chinesas, bem,
naquela vida dele, sem planos, sem traços, sem mapas, ficamos com a certeza do
nosso carnaval fora de época. O Salgueiro dele não havia ganho, mas eu ganhei.
Ganhei tudo de bom. E agora com a cabeça encostada no vidro pensava em voltar
pra aquela cidade, que não era como eu dizia antes: minha cidade. Não, eu havia
sido tragado pelo planeta Rio de Janeiro, fiz morada em seus satélites, conheci
seus habitantes e, me apaixonei, por tudo quanto pude.
E agora, eu seguia, feliz e realizado, e surpreso, pois não esperava me realizar, vai ver essa é a magia do carnaval, alegrar e trazer festa e cor aos corações mais cinzas, tudo assim, direto, sem ponto final, assim, um carnaval!
Jade Brum
ELENCO
Juliana Paiva como Alfradique
Cassia Kiss como Zita
Tatiana Tibúrcio como Janaína
Bruno Olsen
Cristina Ravela
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