O Último Tripulante
de Antônio C. Jardim
Após
seis noites tranquilas, aquela sétima noite estava sendo diferente.
Havia
o som comum da floresta em nosso entorno, mas fazia alguns minutos que ouvíamos
outros sons.
Quando
parávamos para prestar realmente atenção, captávamos os estranhos barulhos
sendo trazidos pela brisa da noite, tão distante que parecia quase uma
impressão, não fosse pelo fato de todos os presentes perceberem a mesma coisa.
Fazíamos
uma espécie de jogo de adivinhação, na intenção de aclarar o que poderiam ser
aqueles sons:
—
Madeira rangendo contra madeira. Talvez forçada pelo próprio vento. –
especulava Gilberto.
—
Algum tipo de pássaro exótico. – arriscava Carla, enquanto parecia se encolher arrepiada,
parecendo descrente de suas próprias palavras.
“Um
grito?” Eu pensava.
Uma
coisa era certa: aqueles sons, quando ecoavam, não eram nada agradáveis.
—
O importante é que continue longe. – eu disse.
Os
dois riram em resposta.
Logo
em seguida, quando o ritmo das conversas começava a diminuir, por conta da aproximação
do sono, nós três levantamos de sobressalto. Assustados pelos sons de um choramingar,
feminino, que se aproximava.
Sequer
falamos nada, apenas olhávamos todos para a direção de onde vinha o barulho.
Instintivamente
pegamos nossas lanças, improvisadas: galhos longos com pontas afiadas entalhados
na faca.
Uma
mulher se aproximava apressadamente, acenando.
Assim
como nós, estava completamente nua.
Mesmo
naquela hora, não pude deixar de notar a sua beleza sob a luz do luar, revelando
um corpo, surpreendentemente, escultural; tinha também uma, belíssima,
cabeleira ruiva. Havia uma “presença feminina” muito forte nela, do tipo que
mexia com a libido.
Era
ela quem estava choramingando, aparentemente uma das participantes da outra “tribo”.
Estava
nervosa. Sua face, com um magnífico par de olhos verdes que quase pareciam ter
luz própria, estava molhada por lágrimas.
Caiu
de joelhos próxima à nossa fogueira, expressando alívio por ter nos encontrado.
Carla
foi a primeira a correr para confortá-la.
Eu
e Gilberto estávamos sem saber o que fazer e a recém-chegada, aparentemente em estado
de choque.
Teve
de recuperar o fôlego para começar a falar:
—
Feliz em encontrar! Estar ficando
desespera.
Era
difícil compreendê-la em nossa língua. Estava tremendo, com a voz embargada
pelo choro e nervosismo.
Seu
péssimo português evidenciava a sua natureza estrangeira. Algumas palavras
ditas por ela eram quase incompreensíveis.
—
Ué! É uma das integrantes do programa! – comentou Gilberto olhando pra mim, com
cara de quem não estava entendendo nada. — Parece “gringa”.
—
Calma moça. Eu me chamo Leandro e esses são Gilberto e Carla.
—
O que houve?
Era
difícil manter a visão “alta”, diante da nudez dela. Algo que pedia uma
concentração que nunca precisei antes para aquele tipo de coisa. Aquilo me
deixava aborrecido, por ter tais pensamentos numa hora daquelas. Não condizia
com a minha natureza.
Acreditava
começar a sentir os efeitos da abstinência e privação que toda aquela
experiência trazia.
Se
não fosse a emergência da situação, teria rido, ao ver que Gilberto não fazia a
mínima cerimônia. Com a boca, aberta, olhando diretamente para onde não devia e
quase babando.
Sutilmente,
uma vez ao lado dele, dei-lhe uma cutucada com o cotovelo, para ele acordar.
—
Eu ser Eva. Nós atacados! – dizia a
recém-chegada, parecendo se estabilizar aos poucos.
— Como
assim? – perguntou Carla.
—
Coisa na escuridão atacar. Correr e ver
fogo aqui.
—
Não to entendendo nada! O quê que a gente faz minha gente?! – pergunta
Gilberto.
—
Vou pegar o rádio e falar com a produção.
—
Gil, fica de olho enquanto isso.
—
Não precisa nem falar, meu amigo!
—
Eu medo. – disse Eva, baixinho.
—
Calma Eva. Tente nos explicar, devagar, o que aconteceu no seu acampamento.
Em
uma mistura de gestos e frases malformadas, Eva se esforça para ser
compreendida:
—
Eu com outros.
— Coisa sai ti floreste, veloxi.
Atacar tudo.
— Fugi aqui.
—
Leste europeu? – Gilberto perguntou baixo para mim.
Eva fez uma careta tentando entender
o que ele tinha perguntado.
—
Parece que o grupo deles era de quatro pessoas. – comentou Carla ao léu.
—
Viu se foi onça ou algo parecido? – perguntou Gilberto de olhos, arregalados,
de medo.
—
Ver o quê?
—
Onça! – Gilberto se exaltava um pouco. Frustrado por não conseguir fazer-se
entender.
—
De que tamanho era? – gesticulava, também, Gilberto junto à pergunta.
Eva
olhou bem para ele, em silêncio, parecendo tentar entendê-lo.
Então,
aproximou-se, um pouco trêmula.
Usou
a estatura de Gilberto para comparar a altura dele, com o que tinha visto
atacar o seu grupo.
Gilberto
era o mais alto de todos ali, com pouco mais de um metro e noventa de altura, e
Eva, na ponta dos pés, mostrava o que queria, com sua mão posicionada no ar, à pelo
menos meio metro acima da cabeça de Gilberto.
Em
seguida ela olhou para nós, para ver se havíamos entendido.
Carla
levou às mãos à boca; Gilberto com uma expressão, incrédula; e eu quase deixei
o rádio, que tinha acabado de pegar, cair no chão.
—
Produção. Estamos com um problema aqui. É urgente.
O
fato da produção não ter respondido ao rádio de imediato, algo que nunca tinha
acontecido até então, foi o suficiente para deixar todos nós tensos. Mas não
ter tido nenhuma resposta ou sinal de transmissão, ruim sequer, após várias
tentativas, nos aproximou de um medo real e crescente.
Enquanto olhava para os demais, fui tomado por
um misto de urgência e arrependimento.
Foi
inevitável não me perguntar: como havia chegado até ali, até aquele momento?
Minha
mente, por breves segundos, se voltou para as lembranças de alguns dias atrás.
Aquele
tipo de programa tinha ficado em alta nos últimos anos.
Começou
com um canal de TV estrangeiro, famoso, e de repente, várias outras emissoras
começaram a fazer no seu próprio formato.
Consistia
em um casal ou às vezes um grupo de pessoas que ficavam completamente pelados
em alguma região, inóspita, do mundo. Tendo que sobreviver por uma quantidade
de semanas que variava de programa para programa.
Tudo,
sempre acompanhado por uma equipe, especializada, que ficava de prontidão para
qualquer possibilidade ruim que pudesse acontecer.
É
claro que o programa era muito controlado, mas, mesmo assim, a possibilidade de
incidentes ruins sempre era grande, e os participantes estariam em condições
extremas de privações diversas.
Nosso
grupo estava hospedado em um hotel em Manaus. Seriam ao todo doze
participantes, mas não podíamos saber quem seriam; nos vermos; ou, sequer seus
nomes. Tudo muito sigiloso. Fazia parte do programa.
O
máximo que sabíamos era sobre nosso destino no dia seguinte: em algum ponto no
coração da floresta Amazônica.
Achei
que aquela locação seria, possivelmente, um exagero e que eles não iriam para tão
longe. Mas estava, completamente, enganado.
Havia
chegado em um veículo offroad e dali pra frente, tive que me acostumar com duas
novidades: uma câmera me seguindo e ficar completamente nu na frente de
estranhos.
Pouco
mais de uma hora depois, estava no fim de uma quase imperceptível trilha que me
levaria aos dois integrantes e atuais companheiros que ficariam comigo por um
mês.
A
partir daquele dia, um cinegrafista nos acompanhava todos os dias, para
registrar o programa. Não era sempre o mesmo, havia um revezamento entre eles.
Chegava logo pela manhã e ia embora assim que escurecia. Juntamente com uma
equipe que o “resgatava” do lugar para levar ao acampamento da produção em
segurança.
Durante
a noite, tínhamos instruções de como utilizar uma câmera com visão noturna, que
eles deixavam conosco para continuarmos registrando o que podíamos.
Minha
mente então foi trazida para o momento presente, por alguém que me abordava.
Vi
que Carla já devia estar falando comigo há um tempo e minha percepção
simplesmente havia se ausentado.
—
Leandro. O que faremos? – me perguntava ela, enquanto os demais olhavam para a
escuridão da mata afora.
Foram
várias tentativas. O rádio passava de mão em mão como se alguém acreditasse ter
algum truque mágico ou mais sorte que os demais. Mas nenhum sinal havia do
outro lado, apenas uma estática esquisita, da qual não nos lembrávamos de ouvir
anteriormente, nas poucas vezes que fizemos testes de rotina com o rádio.
—
Troço esquisito Leandro! Será que deu merda? – perguntava Gilberto de olhos
arregalados.
—
Gente. Também estou preocupado, mas não temos o que fazer. E não vamos tirar
conclusões precipitadas. – eu disse.
—
Vamos fazer turnos em duplas. A cada meia-hora a dupla acordada tenta um
contato pelo rádio, até o sol raiar.
—
Daí, pela manhã, alguns integrantes da filmagem vão estar aqui, como de praxe,
no mesmo exato horário e a gente vê o que aconteceu.
Eva
ainda estava atordoada, apenas olhava para nós, seu olhar estava longe dali.
Sobre
a coisa que ela disse ter visto e que parecia ser maior do que qualquer um ali,
ninguém mais se atreveu a comentar. Talvez por desacreditarem no julgamento de
Eva, ou então, por quererem negar possibilidade tão assustadora.
Não
muito depois, tivemos a certeza de termos ouvido sons de tiros, muito distante,
quilômetros, mesmo no meio de toda aquela vegetação densa.
Talvez
fosse do acampamento da produção.
Aquela
noite durou uma eternidade.
Passamos
em claro.
Algo
estava acontecendo por ali.
Foi
uma noite inteira com os nervos à flor da pele.
E
nenhuma resposta pelo rádio.
No
dia seguinte, não víamos a hora da equipe chegar logo.
Mas
ela não chegou.
Pela
posição do sol, sabíamos que já estava próximo das dez horas da manhã e a
equipe costumava vir sempre assim que amanhecia.
Se
naquele momento os meus companheiros estavam como eu, então o que antes era
preocupação, tinha evoluído para outra coisa bem pior.
Havia
um silêncio pesado no ar.
— Sejamos realistas e percebamos os
sinais. Tem alguma coisa muito errada rolando por aqui. – disse Gilberto.
— Podemos nos apressar para o
acampamento de onde Eva veio, deve ser provavelmente mais perto do que o
acampamento da produção. – disse Carla.
Eva
com olhar, desesperançoso, apenas balançou a cabeça negativamente.
— Concordo com a “gringa”. Sinceramente
eu acho má ideia. – disse Gilberto.
— E por quê? – indagou Carla.
— Por que ela fugiu de lá. – Gilberto apontava para Eva, enquanto falava.
— Se você ouviu bem a, curta,
narração de nossa visitante, as coisas não ficaram legais por lá, e eu não
quero testemunhar um cenário, perfeito, de filme de terror.
— Foi só uma ideia! – reclamou
Carla.
— Desculpa Carla. Eu não sei se você
percebeu, mas eu estou apavorado.
— Todos estamos, Gil. Temos que nos
acalmar. – eu disse.
Recolhemos poucas coisas essenciais
para seguirmos rumo ao acampamento da produção há aproximadamente uma hora dali.
Não havia muito, afinal de contas, estávamos todos largados e pelados.
Tínhamos algumas lanças improvisadas;
bordões; uma faca de sobrevivência que eu carregava e Gil tinha um facão.
Partimos.
Qualquer
ruído na floresta era o suficiente para nos fazer pular de susto.
Cerca
de uma hora depois, havia mais moscas do que de costume naquela parte da
floresta. Eram nojentas e aumentavam em quantidade à medida que seguíamos.
Logo
avistamos o acampamento da produção em uma grande clareira, um alívio que mal
começava a nascer em nossos âmagos, apenas para ser esmagado, sufocado, por uma
estarrecedora cena.
Parecia
que um furacão tinha dizimado o local.
As
tendas destroçadas; diversos equipamentos dos mais variados tipos, de toda uma
equipe de produção, quebrados e espalhados por todo o canto; e sangue podia ser
visto em algumas partes.
O
chichiar constante de insetos, junto ao zumbido de muitas moscas, tomavam conta
do ambiente.
Então
vimos os primeiros corpos, quase se movendo de tanta fauna cadavérica que os
cobriam.
Carla
deu um estridente grito de terror. Foi acudida de imediato por Eva, que tinha,
naquele momento, um ar mais firme diante da situação.
—
Porra Carla! – protestou Gilberto, esforçando-se para não gritar, suas veias
saltavam aos olhos diante da ira que sentiu. — Metade da Amazônia sabe que estamos
aqui agora.
Carla,
com os olhos arregalados e chorando de soluçar, naquela hora, já não estava tão
preocupada com o que Gilberto reclamava.
Mas
Gilberto tinha razão. Aquele comportamento era como um clichê do insucesso.
Eu
e Gilberto nos olhávamos estarrecidos e com um pensamento em comum, que não
precisava ser nenhum vidente para se saber do que se tratava: se não
encontrássemos ninguém daquele acampamento vivo, por perto, ou pelo menos algum
sistema de comunicação funcionando, estaríamos em maus lençóis. Estávamos a
mais de seis horas de carro de qualquer civilização, em algum ponto no meio da
floresta amazônica.
Alguns
corpos dos participantes da produção, nós conseguimos reconhecer. Outros
estavam desfigurados demais.
—
Sabe Gil. Eu to achando que tem algum urso por aqui, e dos grandes.
—
Não há ursos no Brasil, Leandro.
—
Não, mas pode ter sido trazido por acidente e deu um jeito de viver, sei lá.
—
Vamos fazer uma varredura no acampamento. Precisamos achar algum celular,
rádio, comida ou qualquer outra coisa que nos ajude.
Com
pressa, eu e Gilberto reviramos o que pudemos.
Alguns
minutos e tínhamos achado alimentos e água. Mas parecia que quase tudo estava,
propositalmente, destruído por evidente força bruta.
—
Você está entendendo alguma coisa? – perguntou Gilberto.
—
Nem mesmo um urso, dos maiores que fosse, poderia fazer esse estrago.
—
Meu amigo. – disse então. — Eu não quero ficar dando uma de investigador
forense aqui não.
—
Vamos focar em pegar o que pudermos e dar o fora daqui.
Dentro
de uma das tendas, eu e Gilberto quase saímos correndo quando avistamos o corpo
de uma mulher próximo a nós, sentado em uma cadeira.
No
seu crachá estava o seu nome seguido de um sinal que indicava seu tipo
sanguíneo: Isadora, B-.
Ela
estava ressecada, como se fosse uma múmia, daquelas que tem apenas pele e osso.
Uma sequência de furos, distribuídos uniformemente, ocupava quase todo o seu
tórax, mesmo por cima da roupa perfurada. E no centro desses furos, um profundo
e mortal orifício.
Gilberto
então me chama.
—
Veja Leandro.
Rastros
evidentes de alguém, que ensanguentado se arrastou para dentro da mata mais fechada.
—
Pela quantidade de sangue, não deve ter ido muito longe.
Juntamos todas as provisões e
algumas ferramentas que poderiam ser úteis.
Achamos
algumas armas de fogo, mas nenhuma munição.
Havíamos encontrado também, peças de
roupas e calçados que não tinham sido usadas, estavam em ótimo estado, e muitos
deles, condizentes com os nossos tamanhos.
Mal começamos a sair do acampamento
e pudemos ouvir um forte estalar de um galho se partindo, que ecoou alto.
Pássaros
alçaram voo, indicando a direção em que o som tinha vindo.
Podia
falar por todos ao dizer que naquele momento, nossos corações se aceleraram. Aceleramos também nossos passos e
seguimos o rastro do suposto ferido.
Minutos depois, encontramos o corpo
de um homem da produção. O rastro de sangue levava a ele.
Estava recostado há um tronco caído.
Ferido e muito empalidecido, o pobre coitado deve ter se arrastado até ali para
morrer.
Todos pararam há certa distância do
cadáver, decidindo então o que fariam.
Tive a ideia de verificar seu corpo
para ver se havia alguma coisa. Gilberto veio comigo, enquanto Carla e Eva, abaladas
demais, ficaram paradas um pouco mais atrás, totalmente vigilantes.
O homem estava recostado ao tronco
de uma árvore. Marcas de cortes, profundos, se encontravam evidentes em seu
corpo. Garradas de alguma fera.
Em sua mão direita estava um
revólver. Suspirei profundamente de alívio ao ver munição nele. E na sua mão
esquerda, o que parecia ser um pequeno item de plástico com um formato similar
há um isqueiro.
Assim que tocamos o corpo, levamos
um susto, ao percebermos que ele ainda estava vivo. Despertou com um engasgo,
diante de nossa presença.
— Calma, a gente vai te ajudar. –
disse aquilo mais por dizer.
Ele
estava longe de qualquer ajuda, mesmo conhecendo técnicas de primeiros
socorros, eu não fazia ideia de como ele ainda podia estar vivo com aqueles
ferimentos.
Eu
sabia que eram seus últimos momentos antes de sua morte, que iria acontecer a
qualquer momento.
Sem forças para sequer se mexer, ele
balbuciou palavras com extrema dificuldade e que mudaram completamente nossa
perspectiva sobre o que fazer.
— Aqui, está toda a verdade. – ele
ergue o pequeno item de plástico. Olhando melhor, era algum tipo de mini estojo
para guardar cartões de memória.
— E isso aqui. Usem em último caso.
– ele ergueu então o revólver para nós. Peguei-o e percebi que havia, ainda,
três balas em seu tambor.
— Agora podemos dar cabo do que está
por aí, seja o que for. – disse Gilberto com uma fagulha de empolgação em seu
olhar.
— É inútil. – disse então o homem.
—
Guardem para vocês mesmos.
De
repente ele começou a ter convulsões terminais e em seu último suspiro apenas
disse:
—
Folclore...
Então
sua cabeça pendeu para o lado e seu corpo desfaleceu sem vida.
Com
a arma na mão e o mini estojo em outra, apenas me voltei para Carla e Eva com pesar.
Foi, então, que o meu coração parecia que iria parar, quando vi através de ambas,
há pouco mais de trinta metros de minha posição atual, que algo estava agachado
depois delas, lá atrás na trilha que viemos.
Eu
e Gilberto devemos ter feito um semblante de tamanho horror, que ambas
dispararam em nossa direção sem olharem para trás.
Por
estarmos contra a luz do sol, podíamos ver apenas a silhueta daquilo, como uma
grande sombra, imóvel nos observando.
A
princípio, pensamos ser alguma fera local, como algum grande felino ou outra
criatura de grande porte. Mas então ela começou a se levantar lentamente, e foi
quando percebemos que Eva não esteve enganada, ou mesmo exagerando, em relação à
altura da coisa, agora bípede.
Apontei
a arma, tremendo incontrolavelmente. Segurei firme, com as duas mãos e mirei.
O
alvo não estava nem a quarenta metros de nós. Já havia acertado coisa mais
difícil em caças que já fiz, o problema é que nenhuma das caças que encontrei
em minhas aventuras tinham me deixado com tanto medo quanto aquilo.
—
Atira! – disseram baixinho, tanto Gilberto quanto Carla, colados ao meu lado.
Carla
empunhava uma das lanças improvisadas e Gilberto com o seu facão de abrir
trilhas. Eva estava atrás de mim, apenas como se tentasse se esconder do olhar
da coisa.
As
últimas palavras do recém-falecido assombraram meus pensamentos naquela hora, mas
duvidei delas e, também, não podia perder aquela chance.
Disparei
duas vezes, contra a coisa. A arma parecia poderosa pelo seu coice e barulho.
Acertei
em cheio e ela tombou. Um impacto abafado de seu corpo pesado no solo da
floresta pôde ser ouvido dali.
Ainda ficamos totalmente paralisados
por mais de um minuto, sem nos atrevermos a falar sequer.
— Vou me aproximar para ver se está
morta. – disse pegando coragem.
— Vamos todos. – disse Carla
colocando uma mão apoiadora em meu ombro.
— Imbora. – disse Eva, com uma voz chorosa.
— Vamos lá ver que porra é essa. –
falou Gilberto.
Foram três passos apenas, e então a
coisa se moveu. Dali mesmo, dei um terceiro tiro, que acabei errando.
Mirei
para dar um quarto, mas não havia uma quarta bala.
Lentamente
a coisa continuava a se levantar.
—
Corre!
A
única trilha, da qual tínhamos vindo, havia sido bloqueada pela criatura. Só
nos restava a mata densa adiante.
O
incomparável urro que ouvimos atrás de nós, emitido por algo que parecia errado
pelas lógicas de nosso mundo, nos deu a certeza de que se na nossa frente,
fosse uma floresta de navalhas e arames farpados, a atravessaríamos sem pensar
duas vezes, o importante era irmos para o sentido oposto daquilo.
Corremos o máximo que pudemos. Os
galhos nos açoitavam; o chão era traiçoeiro e irregular. Felizmente estávamos
todos vestidos.
O som da respiração pesada dos
demais a minha volta era como uma linguagem primordial da necessidade de
sobreviver.
Havíamos
virado a caça.
Minutos depois, não aguentávamos
mais. Tivemos que parar para retomarmos o fôlego, pelo menos um pouco.
— Tomamos uma boa distância. – disse
Gilberto parecendo que iria passar mal, de tanto que arfava.
— Da trilha. Isso não quer dizer que
tenhamos tomado a devida distância daquela coisa. – comentou Carla.
— Sim. Vamos só retomar o fôlego e
continuarmos o mais rápido que...
Sons começaram a surgir à nossa
volta, antes que estivéssemos recuperados.
Foi como se tivéssemos atraído algo
ruim com os nossos pensamentos, quando a coisa pulou de algum ponto, das vastas
copas, acima de nossas cabeças, em cima de Gilberto, afundando-o imediatamente
sob o seu peso.
O
impacto do seu corpo sobre o de Gilberto fez em um único estrondo, um impacto
seco, mesclado ao som de ossos se partindo junto a um grunhido, alto e agudo,
de uma agonia, rapidamente silenciada, de quem outrora era Gilberto.
Então,
pudemos ver a criatura de perto, mesmo que por um breve instante.
Aquilo
não se parecia em nada com as coisas de que já tínhamos, pelo menos, ouvido
falar.
Grandes
olhos insectóides, como os de uma mosca; musculoso e recurvado, braços curtos
para o seu tamanho, terminados em três dedos alongados com garras; uma pele
predominantemente cinzenta, similar à pele reptiliana. Onde deveria ser sua
boca, estavam quatro tentáculos, pegajosos e curtos, repletos de dentes
pontiagudos.
Ela
mal tinha acabado de esmagar Gilberto e urrava para a nossa direção,
escancarando sua boca de outro mundo, como se nos desafiasse.
Ainda
não tínhamos recuperado o fôlego, mas a percepção eminente da morte nos deu um
“gás extra”, para corrermos enquanto abandonávamos a lógica gritando em nosso
cérebro, de que não adiantaria mais nada.
Estava
em nosso encalço. Podíamos ouvir suas passadas rápidas e espaçosas indicando
sua aproximação, como se nossa gravidade mal o incomodasse.
Corríamos
e chorávamos como crianças indefesas, que fugiam de um pesadelo do qual não
conseguiam acordar.
Então,
segundos depois, nos demos conta de que não mais estávamos sendo seguidos.
Parei
me apoiando nos joelhos achando que iria desmaiar. Carla e Eva não estavam
muito diferentes.
Meu
coração parecia que iria sair pela boca, estávamos no nosso limite.
Vomitei
de nervoso e exaustão.
Carla
puxava o ar, como se estivesse sufocando, tamanha força que fazia para estabilizar
a respiração, ao mesmo tempo em que engasgava em soluços de choro.
Apesar
de também estar esbaforida, Eva não estava tão exausta quanto nós. Tinha uma
disposição invejável. Ficava fácil entender o que ajudava a moldar o seu corpo.
E diferente de nós, Eva possuía uma calma que revelava uma racionalidade digna
de uma líder. Não que ela não expressasse medo, mas era de longe, a mais
centrada. No princípio, até pensei que fosse algum estado de choque ou algo do
tipo, mas depois fui percebendo que se tratava de firmeza mesmo, quase como uma
fleuma.
Sem
conseguirmos dar mais um passo. Lutávamos para ficarmos pelo menos de pé.
Ainda
não estávamos tranquilos. Vimos como aquela coisa conseguia nos alcançar com
facilidade; ser furtiva e ainda demonstrar vigor sobre-humano.
Sutis
sons de farfalhar de folhas e galhos quebrando, começaram a se manifestar à
nossa volta. Abraçamo-nos, tentando fazer o mínimo de ruído e esperando pelo
pior, mas o que apareceu não foi a besta.
Índios
de alguma tribo que eu desconhecia. Dezenas deles.
Todos
armados com suas armas rústicas e com pinturas, variadas, que lhes cobriam os
rostos.
Parecia
um grande grupo de caça.
Primeiro
apontaram suas armas para nós. Levantamos as mãos em resposta, acreditando que
aquele gesto tão comum, fosse compreendido ali também.
—
Por favor! Não nos ataque.
—
Há um monstro aqui, ele matou nosso amigo.
—
Nos ajude, por favor!
Era
evidente que nenhum deles parecia entender nossa língua, mas entenderam nossas
intenções quando um deles sinalizou para os demais baixarem as armas.
Passaram a comunicarem-se entre si.
Pareciam vigiar a floresta em nosso entorno, apontando suas armas para todas as
direções, como se estivessem cientes do que havíamos dito.
Ficamos
todos ali por alguns minutos.
Eles
ficaram praticamente imóveis e furtivos; e nós encolhidos, no meio deles,
esperando por algum milagre.
Um
deles, com aspecto mais velho, gesticulou para que os seguíssemos.
“Não
precisa pedir duas vezes”. Pensei.
No
caminho, chorávamos a morte de nosso amigo.
Eva,
não chorava. Não chegou a conviver com Gilberto. Não a julgava.
Não
pude deixar de admirá-la, mesmo sob aquelas circunstâncias, além de sua beleza
física, que já seria o suficiente para enamorar a quase todos.
Entreolhamo-nos
de forma diferente, por longo tempo. Senti um arrepio percorrer o meu corpo e
naquela hora, sabia que precisaria estar por perto de Eva assim que aquilo tudo
acabasse e fiquei feliz em perceber reciprocidade em seu olhar esmeralda.
Andamos
por mais de uma hora, e enfim, chegamos a uma grande aldeia que parecia
intocada pelos homens.
Eles
nos tratavam com um misto de distanciamento e curiosidade, mas foram gentis nos
oferecendo, de imediato, água e comida. Havíamos largado tudo para trás, ao
corrermos daquela coisa.
Ninguém
que falasse nossa língua apareceu.
Carla
já não tinha mais aquela energia e brilho da Carla que havia conhecido.
Eva
que já era quieta tinha ficado muda de vez, diante daquilo tudo. Todos tínhamos
ficado, pesarosamente, mais quietos.
Ficamos
até o dia seguinte na aldeia deles.
Aqueles
índios tinham sido anfitriões que me deixaram emocionado, pela sua humildade e
atenção às nossas necessidades, apesar de sempre se manterem com cara de que
não éramos bem-vindos.
Sei
que tivemos muita sorte, por que já tinha ouvido histórias de nativos
inóspitos.
Aquele
tempo ali tinha sido ideal para recobrarmos nossas forças; organizar nossos
pensamentos e reunirmos coragem para o desafio que viesse adiante.
Antes
de dormir abri, discretamente, o mini estojo do integrante da produção morto lá
atrás, ainda em minha posse. Havia apenas um cartão de memória dentro dele.
Adormeci
com mil perguntas na cabeça.
Sentimo-nos
seguros, suficiente, para dormirmos.
“Desmaiamos”
de tanto cansaço.
Então,
no começo da tarde do dia seguinte, um ancião daquele povo, com um belo cocar;
muitas tatuagens e adornos, que furavam muitas partes do seu corpo e face,
aproximou-se de nós e fez um gesto, para que nos levantássemos de onde
estávamos e o seguisse.
Um
grupo de índios, armados e pintados, como os que haviam nos encontrado,
pareciam nos esperar nos limites da aldeia.
O
velho índio nos levou para perto daquele grupo, pegou uma espécie de erva que
estava próxima de uma fogueira, lembrava uma sálvia queimando. E fez o que
parecia ser uma espécie de reza ou algo do tipo, com um cântico baixinho em sua
língua, enquanto assoprava aquela fumaça de aroma, adocicado, por todo nosso
corpo e dos outros sete índios que ali aguardavam.
Então
ele disse alguma coisa para eles e fez um gesto repetido com as mãos, para que
os acompanhássemos.
—
Tenho medo de sair dessa aldeia. – disse Carla.
—
Acho que todos nós, Carla. Mas algo me diz que nossa salvação está com eles.
Afinal de contas, se quisessem nos fazer mal, já teriam feito, e pelo
contrário, devemos nossas vidas a eles.
Andamos
por mais de quatro horas por dentro da floresta, e no meio da tarde, pudemos
ouvir o que pareciam sons de algum motor.
Eu,
Carla e Eva nos entreolhamos, incrédulos.
Atravessando
uma parede de arbustos. Pudemos ver ao longe, o que parecia uma vasta clareira
no meio da floresta, com um grande helicóptero e muitas pessoas em volta.
No helicóptero estava o logo do
programa. Achei que Carla fosse desmaiar, de emoção. Tive que apoiá-la para que
não caísse.
Apenas nós três saímos do mato,
gritando e acenando. Fomos recebidos com algumas armas de fogo, rapidamente, apontadas
para nós, até eles perceberem de quem se tratavam.
Paramédicos correram para nos
auxiliar.
Ao
olhar para trás, pude ver o paredão de mata do qual havíamos saído, e sabia que
em algum lugar ali, nossos salvadores nos olhavam, indetectáveis à nossa visão.
Enquanto éramos atendidos, permaneci
ereto, olhando para lá.
Lágrimas
brotaram de meus olhos, vindas da mais profunda gratidão.
Aparentemente
não havia ninguém da imprensa por ali, mas uma avalanche de perguntas se lançou
sobre nós, como se vindas de uma comitiva de repórteres.
Fiquei
zonzo diante de tamanha confusão e barulhos.
O
que parecia ser um médico, ou paramédico que estava ali ordenou com autoridade:
—
Senhores! Eles não devem falar nada agora. Deixem-nos em paz.
—
Vocês terão tempo para perguntarem o que precisam para eles amanhã. Hoje eles
estarão confinados a enfermaria e se estiverem realmente bem, descansarão o
resto da noite no hotel.
“Santo
médico!” – pensei.
A
cada momento em que nos aproximávamos de sair daquele lugar, meu coração batia
mais forte. Sentia um medo crescente de que aquela coisa iria aparecer ali, a
qualquer momento, e dilacerar a todos, sem nos deixar partir jamais dali, e que
nossos corpos, se juntariam aos demais, presos a todo aquele mistério e
devorados pelos bichos daquele lugar.
Acreditava
plenamente que ela nos observava de algum ponto nas sombras da floresta ao
nosso redor.
Quando
decolamos, nós três chorávamos de alegria, abraçados, envoltos em cobertores
térmicos.
Eva
apertou forte minha mão e olhou em meus olhos. Tive vontade de beijá-la, ali
mesmo.
Recebemos
muita atenção de toda a equipe, por toda a viagem.
As
demasiadas perguntas feitas outrora estavam represadas em perguntas
relacionadas à nossa saúde e bem-estar naquele momento.
Havia
uma preocupação evidente por parte deles. Não poderia responder pelas demais,
mas aquilo não iria me desencorajar de processá-los. Estava curioso para saber
o que eles teriam a dizer.
Mas
tudo ao seu tempo.
Chegamos
ao meio da tarde em um dos melhores hospitais de Manaus.
Dei
um abraço carinhoso em Carla e Eva antes de entrar. Ficaríamos obviamente
separados.
Horas
depois, pude deixar o hospital, fui antes para o mesmo banheiro que havia usado
ao entrar.
Em
uma caixa de descarga peguei de volta o mini estojo com o cartão de memória que
deixei envolto em papel higiênico e bem escondido. Sabia que se não fizesse
aquilo, nunca mais veria aquele cartão e o seu conteúdo.
Dali,
fui hospedado em um hotel cinco estrelas quase do lado, por volta das dez da noite.
Antes
tinha feito um pedido, em que fui prontamente atendido. Havia solicitado um
notebook, emprestado.
—
Infelizmente só não poderemos lhe disponibilizar internet ou qualquer outro
meio de comunicação. Pelo menos até amanhã, Sr. Oliveira. – disse um dos
agentes ao me entregar o notebook.
Aquilo
havia me deixado intrigado. Percebia-me em algo, talvez muito grande, mas
estava cansado demais para protestar sobre qualquer coisa, mesmo após o repouso
no hospital, que havia sido, felizmente, breve.
Muitos
andares acima, depois. Encontrava-me no melhor que o conforto daquela cidade
poderia oferecer.
Estava
preocupado com as duas. Não parava de pensar nelas.
Não
as tinha visto mais, desde que havíamos chegado ao hospital, há horas atrás.
Após
um, demorado e luxuoso, banho. Sentei em uma parte da suíte, com bela vista para
a cidade, através de uma grande janela que ocupava quase toda a parede.
“Descanse
em paz, meu amigo”. Pensei com lágrimas nos olhos.
Depois,
liguei o notebook e coloquei o cartão.
Então
uma senha foi solicitada. Aquilo foi como um “balde de água fria” para mim.
“Chutei”:
‘amazônia’.
O
programa informou que só poderia realizar mais duas tentativas ou bloquearia o
acesso.
Levantei.
Tomei um drink do frigobar, enquanto pensava com calma em alguma coisa que
tivesse visto no acampamento deles que poderia ser a senha.
Segunda
tentativa: ‘discovery’. Nada.
Era
minha última tentativa, pensei por muitos minutos enquanto olhava para o
pequeno estojo.
‘Folclore’.
Quase
gritei de empolgação ao ter acertado.
O
arquivo de centenas de gigabytes começou a carregar.
Quando
havia terminado o carregamento, bateram à minha porta. Já era quase meia-noite.
Olhei
pelo olho-mágico e, para minha surpresa, pude ver Eva.
“As
meninas!” Pensei empolgado.
Mas
apenas Eva estava ali, sozinha e silenciosa.
Um
arrepio correu da sola dos meus pés até os fios de cabelo de minha cabeça,
quando pude ver que ela estava apenas com um roupão de banho, aberto, deixando
escapar sua nudez, que ainda me desnorteava.
Naquele
momento, exalava uma sensualidade evidente, estava no seu perfume, que
adentrava minhas narinas e em um olhar obstinado e malicioso, que me trouxe
excitação imediata.
Sem
dizer nada, ela me abraçou e me beijou avidamente.
Mal
consegui fechar a porta, tamanho desejo que se apossou de nós naquele momento.
Acordei
depois. O relógio indicava 03:15 AM.
Eva
“dormia como um anjo”.
Fiquei
contemplando-a um pouco, em silêncio, me sentindo o homem mais sortudo do
mundo.
Lembrei
que tinha algo para ver no notebook.
O
cartão possuía vários arquivos de vídeos e também de documentos. Parecia um
registro.
Os
vídeos datavam de pouco mais de sete anos até alguns dias atrás.
Havia
dezenas de horas de filmagens, no que pareciam ser os registros e todos os
bastidores de alguma expedição arqueológica e científica com dezenas de
envolvidos.
Fortes
luzes de ambulância do hospital em frente, e possivelmente de giroflex da
polícia, refletiam fortemente dentro da penumbra tranquila do meu quarto,
interrompendo minha atenção.
Tive
que fechar as cortinas da janela e percebi movimento grande lá embaixo, mesmo
naquela hora.
O
coração de Manaus era mais agitado à noite do que eu poderia imaginar.
Voltei
para os vídeos.
Não
tinha tempo de assistir tudo, em breve iria amanhecer, e apesar de estar com um
sono terrível, ao mesmo tempo não conseguia mais dormir, mesmo após o delicioso
cansaço que Eva havia me dado.
Após
alguns minutos assistindo uma coisa aqui ou ali, fiquei pasmo ao perceber que todo
aquele trabalho e investimento, aparentemente milionário, tratavam-se de uma
busca pela mítica criatura da criptozoologia denominada de Chupa-cabra.
Pude
entender que apesar de haverem vídeos que datavam de pouco mais de sete anos
atrás, as buscas daquela expedição se iniciaram desde os meados da década de
noventa.
Eles
percorreram praticamente todas as Américas atrás daquilo.
Concentrei-me
nas filmagens mais recentes, ainda daquela semana, e foram naqueles momentos
que havia ficado sem fôlego.
Vídeo nº 902: as
imagens mostravam que várias das pessoas do nosso programa, eram na verdade as
mesmas pessoas envolvidas naquilo. Pude reconhecer vários rostos com qual eu
havia conversado.
Toda
a logística; o logo da emissora; os equipamentos; o roteiro. Parecia ser tudo
falso, tudo uma fachada para esconder aquilo.
Ficava
difícil entender onde começava o que era falso e onde terminava o que era real,
relacionado àquela produção toda.
Vídeo nº 924: o
homem que encontramos próximo à morte e que tinha estes registros, falava
empolgadamente sobre a descoberta, com uma das falsas produtoras do programa:
— Isadora, tudo indica que é
este o ponto. – dizia o homem com um olhar quase maníaco de empolgação,
apontando para um mapa topográfico em um quadro.
— Será, doutor?
— Isadora! Compreendo
totalmente sua descrença nesta possibilidade depois de tantos anos buscando
isso. Mas eu aposto com você que é hoje que faremos justiça a todo trabalho de
nossos pais e de parte de nossa vida.
— Já fizemos todos os testes,
todos os sinais nos trazem para cá. Se não for dessa vez, não será nunca mais.
Vídeo nº 929: eles
estão caminhando e abrindo caminho na floresta. Parecem cansados.
Vídeo nº 931: o que
vi dali em diante, não parecia fazer parte do conteúdo que tinha assistido até
então.
Nela,
o que assemelhava-se claramente a uma enorme edificação, quase que
irreconhecível, por estar tomada por densa vegetação, encontrava-se em uma
vasta clareira, totalmente coberta pelas copas de árvores seculares.
Com
a mudança do ângulo do cinegrafista, notava-se que a estrutura era metálica.
Seja
o que fosse estava com boa parte enterrada sob o solo.
Havia
apenas o som do ambiente e a respiração pesada dos demais.
— Quanto tempo você acha que
tem isso, doutor?
— Vou precisar fazer muitos estudos
Isadora, mas especularia não menos que mil anos.
Vídeo nº 927:
— São exatamente 19:20 - GMT
-4. Dia sete de março de 2019.
— Eu sou o Dr. Ávila.
— Enfim depois de mais de
vinte e cinco anos, tivemos sucesso em nossa busca.
— Ainda é cedo para dizer se o
que encontramos é exatamente o que meus pais, e consequentemente eu e dezenas
de outros envolvidos, vêm buscando por toda uma vida, mas de fato, há algo lá
que irá colocar a comunidade científica de pernas pro ar.
— Parece existir uma abertura
no casco, da estrutura, e amanhã a adentraremos para averiguar o seu interior e
recolher amostras.
Vídeo nº 930: a
escuridão do interior foi iluminada por lanternas.
Não
acreditava que estava vendo aquilo, era o interior de uma estrutura
aparentemente alienígena.
Uma
parte da minha mente tentava desacreditar aquilo constantemente, puxando-me
para a lógica de um mundo com tantas montagens e falsos vídeos que
encontravam-se pela internet afora. Mas algo me dizia que o que assistia não se
parecia em nada com o que eu já havia visto, e eu não conseguia desacelerar o
meu coração a cada segundo que o vídeo avançava.
Após
andarem por algum tempo dentro da estrutura, arquitetonicamente indescritível,
eles chegam ao que parecia uma câmara com vários compartimentos similares a
esquifes ou tanques.
Pulo
da cadeira, quando um forte som, similar ao de algum gás escapando com muita pressão
surge na filmagem. Todos eles gritam e então começam a sair correndo.
— Merda! Não mexam em nada. –
grita o doutor, e ocorre mais um corte na filmagem.
Vídeo nº 932:
— São exatamente 21:45 - GMT
-4. Dia oito de março de 2019.
— Eu sou o Dr. Ávila.
— Os achados na nave foram
muito além das expectativas.
— Apesar de estar há séculos
naquele lugar, tirando a câmara onde se encontra o rombo de entrada, todo o
restante da estrutura parece estar em ótimo estado de conservação.
— Tivemos trabalho com alguns
animais da floresta que adentraram o local e passaram a usá-lo como morada,
alguns deles muito peçonhentos.
— Dentre os achados, dois
foram os que mais nos chamaram a atenção:
— Um deles é uma área repleta
do que pareciam casulos ou câmaras que caberia qualquer pessoa dentro. Eles têm
formato similar a uma gota invertida. São estruturalmente de algum tipo de
metal, com alguns fios, tubos e botões, ao que tudo indica, inúteis agora. Todos
possuem uma espécie de tampão de aspecto vítreo, para guardar o que quer que esteja
dentro.
— Quase todas as câmaras estão
enegrecidas e com evidentes sinais de danos.
— Outras estão abertas e
apresentam irreconhecíveis detritos em seu interior, cujas amostras estão sendo
recolhidas.
— Mas uma delas, porém, está
de pé, no meio de muitas, ligada a tubos e fios de propósito desconhecidos e
com luzes e indicadores completamente alienígenas para nós.
— Há algo lá dentro e
descobriremos amanhã.
— E o outro achado intrigante,
é o que parece ser um gigantesco cilindro, com quase três metros de altura e
com um diâmetro aproximado de dois metros. Em seu interior, há um líquido de
cor cinza escuro, que agita-se como se houvesse algo vivo em seu interior.
— Mesmo diante das luzes das
mais fortes lanternas, não conseguimos ver o que está lá dentro com clareza,
mas pudemos perceber que é algo humanóide e grande. Não consigo conter
empolgação, ao pensar que aquilo pode ser o que tanto procuramos por tantos
anos.
Vídeo nº 934: a imagem
mostrava uma daquelas várias câmaras contendo o suposto casulo ainda funcional.
Sua tampa vítrea, muito embaçada, revelava sob a forte luz dos equipamentos,
uma forma humanóide em seu interior que, naquele momento, se movia.
Armas
foram sacadas.
— Afastem-se. –
disse o doutor. — Por favor, não
estraguem tudo. Façam apenas o que eu mandar.
Como
em quase todo vídeo falso que mostra contatos alienígenas pela internet, a
câmera tremia igual. O que dava uma profunda raiva de quem a controlava. Mas
naquela hora eu até compreendia quem a portava.
Um
urro ecoou dentro da nave e também dentro de minha mente, resgatando na memória
aquele som inconfundível: era o som da coisa que nos seguiu na floresta e matou
Gilberto.
Distantes
tiros e de gritos de agonia sucederam aquele urro.
— Vamos. Temos que sair logo
daqui.
Vídeo nº 936:
— São exatamente 06:05 - GMT
-4. Dia dez de março de 2019.
— Eu sou o Dr. Ávila.
— Inacreditavelmente a coisa
do tanque gigante se soltou dele ontem. Matou três de nossos homens, feriu sete
e colocou todo mundo para correr do lugar. Outros quatro estão desaparecidos.
— A coisa que escapou parece
estar por perto.
— Alguns dos nossos homens
dizem tê-la avistado, mais de uma vez, próxima à nave.
— Vou ter que acionar um
resgate para fazer a retirada de todos os demais participantes do programa, que
não estão sabendo de nada do que está acontecendo aqui.
— Confesso que não fazia ideia
de que isso poderia acontecer e que mesmo armados, o que temos não está sendo o
suficiente contra aquilo.
Vídeo nº 939:
— Fiquem atentos para o caso
daquela coisa voltar. – algum integrante da equipe dizia.
— Aquilo foi visto mais por
aqui do que em qualquer outro lugar. Parece como um cão guardando seu osso.
— E quanto a ela? –
perguntava Isadora.
— Vamos levá-la conosco, não
podemos deixá-la aqui.
— Talvez ela tenha despertado
por nossa culpa e poderemos prejudicá-la de alguma forma. Portanto, na
dúvida...
Então,
a tampa, deslizou para o lado, enquanto o ser humanóide saia de dentro da
câmara, sendo focada aos poucos pela nervosa cinegrafista.
Era
uma forma feminina. Uma mulher de pele alva; parecia perfeita e completamente
nua e molhada de alguma substância que lembrava suor.
A
cinegrafista, para variar, tinha dificuldades em focar na suposta tripulante,
que parecia zonza, desnorteada, como se acordasse de profundo sono.
—
Ninguém faça barulho ou fale nada. –
sussurrou o doutor.
— Fique calma.
— Você me entende? Somos
amigos. – o doutor falava muito pausadamente e em baixo tom.
Com
um traje antirradiação, assim como todos os demais, ele estendeu a mão,
lentamente, para a figura feminina, que apenas parecia observar tudo. Até que a
câmera enfim começou a focar o seu rosto.
Longos
cabelos ruivos; olhos verdes com brilho não natural, como se tivesse luz
própria; lábios que pareciam desenhados para um propósito unicamente sedutor,
tais quais muitas outras partes de seu corpo.
Meu
coração pareceu parar dentro do peito.
— Venha. Venha com a gente!
Pode vir!
A
fêmea nua estende sua mão, aceitando o convite do doutor.
— Eva! Vou lhe chamar de Eva.
— O que acha?
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