Desafio
de Rossidê Rodrigues Machado
Rio
Claro, interior do país. Um vale de leito profundo e águas calmas que correm
sobre um relevo pouco acidentado, com uma densa vegetação que o margeia. Nada arranha,
nada aflige a paz, a harmonia daquela gente, dezenas de fazendeiros que, em
enormes e colossais
fazendas, ali se fixaram. Pelo dia, o trabalho árduo na plantação do arroz,
milho, feijão, pomares com inúmeras espécies de árvores frutíferas, hortaliças
e a pecuária; no rio, realizadas a pescaria, lazer e aguada para o gado.
Nos finais de semana,
um encontro da vizinhança para um momento de distração, celebrar um casamento, um
aniversário, um santo padroeiro... Ninguém isolado, trancafiado em casa. A festança
com um repertório sertanejo alto-astral; se não há um violeiro por perto é
convidado alguém de longe para animar o festejo; não importa de onde venha, a
música tem que fazer barulho, um som que sacode até o chão, e mais, o povo arrasta
o pé, enquanto no céu as estrelas não forem embora e o sol não vier, todo mundo
não arreda do rancho. À meia noite, servida a refeição, e tem que ser saborosa,
da melhor e com fartura; reclamação é ofensa, nem pensar! Nenhum convidado pode
voltar para casa se queixando que faltou o rango.
Paixão e dedicação pelo trabalho. Sempre muito
compromisso, muita obrigação, mas compensado pelo lucro, a grana no bolso e
pelos momentos dos finais de semana que sobram para o lazer, cair na diversão.
Os dias correndo em ordem, na calmaria, até que em um entardecer, num céu que
desponta a lua cheia, a noite chega nervosa, pavorosa, soprando um vento forte,
estrondoso, amedrontador, o qual cruzou pelos os sítios, as árvores sacolejadas,
os galhos encurvados, os animais na correria e desorientados. Em meio àquela agitação tempestuosa, os moradores ouvindo
pavorosos roncos, grunhidos estarrecedores, ofegantes, que ecoaram lá do rio e
foram se afastando rumando para distante, mato a dentro. Assustados, aflitos e inquietos, os moradores que
residem por ali interrogando a si mesmos sobre a origem daquele alvoroço, daquela
aparição, assim, tão de repente, e que deixou todos trêmulos, sem fôlego, em
pânico, um assombro que dissuadiu a tranquilidade, o sono de todo aqueles
moradores!
Na madrugada, no
primeiro cantar de galos, ninguém mais na cama, todo mundo desperto, de pé, olhos
em sobressalto, coração disparado, andando para os lados e falando ao mesmo
tempo e sem colocar ponto final, implorando uma explicação sobre essa noite
medonha, arrepiante. Nenhum pensa em ir ao trabalho, os equinos prontos e
arriados; não se pode perder tempo, sair pelos caminhos que levam ao rio e ao
campo, descobrir algumas pegadas, alguns rastros, um vestígio que venha dar uma
resposta sobre a origem daquele terrível causador de tanta aflição, de tanto
pesadelo; mas nada! Apenas o seu poder de devastação, terror, ficou concreto na
paisagem, e na memória de quem ainda guarda no ouvido aqueles roncos
ensurdecedores, um alvoroço pela perturbação que a maioria acredita que pode
ser um fantasma aquático que saltou das profundezas do rio, atraído pela força,
o imã da Lua Negra, agitando as serenas águas, e em terra firme invadiu o
mundo, a sorte é que ninguém perambulava pelos caminhos, pelas estradas, todo
mundo acolhido em sua casa.
Mas como ficar inerte,
de braços cruzados, tranquilo no seu aconchego se tudo continua oculto, um
mistério ainda sem explicação? O horizonte em sombra, a próxima noite já acenando
a sua chegada! Sabe-se lá o que o inimigo incógnito está tramando para esta
noite em que a lua cheia volta a pratear na negrura do infinito, reinar o
espetáculo assombroso, o show atroz e fremente da lua negra; um convite para os
seres invisíveis vagarem sem rumo, se jogando, avançando no que pela frente
encontram, sedentos e famintos pela crueldade, jorram impiedade, atrocidade; devastam
a vegetação, pisoteiam a fauna, sacodem o vento. Para esse fenômeno tétrico,
medonho a vida não faz o menor sentido, não vale nada, ninguém tem ideia se
este cruel pensa apenas aplicar um susto, ou quer desafiar, atacar com as suas
garras afiadas, anavalhadas, aqueles seres que são chamados de humanos, capturá-los,
deixá-los em fiapos, triturados.
Como diz o ditado, seguro
a sete chaves! Tudo silencioso! Ninguém menciona uma só palavra, apenas o tique-taque
do ponteiro e o reflexo dos números brilhantes e luminosos do relógio anunciam
a hora e os minutos. Meia-noite!
Auuuuu! Auuuuu! Recomeça! Uma fera invisível, valente, impetuosa, não dá trégua,
ninguém imagina uma atitude, uma saída; o pavor toma conta, domina a força, a
mente; como reagir perante algo que causa horror, pavor, desmaio de tanto medo?
Todos se veem atados e aniquilados pela sua fúria, pelo seu ódio e sua ira. O
espantalho quer agarrar e seu adversário em um salto selvagem, um golpe mortal.
Ninguém pega no sono, todos isolados, trancados, apenas ouvindo os bramidos, os
roncos e os assovios intermináveis de um indomável, de um poder atroz, brutal,
um desumano! Ninguém ainda o confrontou, viu seu perfil, mas já se sabe, essa
figura cruel ninguém topa encará-la!
Rompe-se a aurora, nem
apetite para o café, o assunto é o bugio, o lobisomem, o desafiador. Alguém
comenta: é preciso nos organizarmos! Juntos em um batalhão esse perverso
encontrarmos, eliminarmos esse tormento, esse pesadelo que arruína, incomoda
nossa noite, o nosso descanso, preocupação e desconforto para o nosso dia. Em grupos nos espalharmos, não darmos brecha para
quem quer nos destruir, nos derrotar! Mas vem a pergunta! Se o monstro ninguém
vê, não mostra a sua cara, só revela a sua força, o seu poder! Como eliminá-lo,
rendê-lo? Caçá-lo será um tempo perdido! Porém, ninguém deve desistir, mas sair
por aí, regressar de manhãzinha, assumir um compromisso de quem se preocupa com
a vida, a proteção de sua família! Se alguém também achar necessário, que vale
a pena, um grupo tentar cumprimentar e dialogar com o pavoroso, mostrar que o
povo aqui não se intimida, não se amedronta com assombração, alma penada. Ninguém
temeroso, desbancado, vencido!
Alguém levanta a mão e
dá também uma sugestão: que tal chamarmos um padre? Não desmerecendo os outros
profissionais, mas o sacerdote se aproxima mais de Deus, nos intermediará,
levará o nosso problema ao Criador, que com certeza com atenção irá nos atender
e nos restituir a paz, o nosso bom humor, nossa liberdade, que a gente tanto
almeja e sonha. Deus nos olhará lá do alto, verá seus filhos inseguros,
trêmulos, ardorosos por um milagre, afastar esse fantasma insolente, hostil,
que não cabe no mundo. Não pretendemos um duelo, competir com este espectro, com
suas ameaças, apenas cada um no seu lugar, sem um e outro perturbar.
A partir desse
momento, uma força invade a mente, o pensamento de quem está angustiado e
orando pedindo uma bênção. Essa atitude ajuda psicologicamente, mas a aparição
continua macabra, intranquilizando, parece que tenciona fazer vítimas, revelar o
seu gesto sinistro, imperar nas noites um tempo de terror! A notícia chegou até
o vilarejo e atemorizando o povoado; quem mora na roça não aparece no arraial,
e quem vive na área urbana jamais pisará no campo.
Um fazendeiro chega
da cidade, e com ele, o pároco
da igreja. Sua santidade portando velas, vidros de água benta, dezenas de
terços e milhares de santinhos, tudo para serem distribuídos e exposto nas
residências. Os moradores se unem, se animam, uma multidão em companhia do
homem de Deus começa uma caminhada, uma procissão, em oração, pelas estradas, e
descansam embaixo das frondosas árvores; às margens do rio, sentam-se sobre as
pedras que ornam aquele cenário paradisíaco, onde a água se movimenta dando energia,
vida à natureza. Aquelas pessoas se encontram ali, fervorosas e com fé, em busca
de uma resposta, se livrar de um misterioso inimigo que salta das profundezas
das águas do rio, vai distante, impõe sua fúria atemorizante, o seu revelar
hostil de ódio e vingança.
O padre pede a todos
que o acompanhem e diz: ninguém se deixar abater pelo susto, pela afronta, o
pânico dos últimos acontecimentos. Tenham uma fé fervorosa, todos os dias rezem
o terço; não esqueçam de expor os santinhos e espalhar água benta pelos cômodos
de suas casas; à noite, ninguém sai. Se acreditamos e amamos a Deus, façamos a
nossa parte, o resto ele fará. O povo
ouviu o conselho que veio para amenizar o ímpeto, o tormento que já a algum
tempo tirou de todos o sossego, a paciência.
Alguém pede a palavra e
reclama: E agora? Não se realiza mais festa de casamento, ninguém mais se reúne
nos batizados e nos aniversários... Os sábados e os domingos perderam a graça,
acabaram os nossos encontros de amigos, nossa alegria! O padre olha para todos,
pede licença e dá uma sugestão: enquanto aguardam sanar o perigo que ronda pela
sombrosa noite de lua cheia, realizem os festejos no decorrer do dia, comemorem
no brilho do sol, na luz abençoada que tudo ilumina. Um aplauso geral, e logo são
feitos alguns convites.
O pessoal pronto para
partir, voltar aos seus lares, e para se despedir dá uma olhada sobre o rio, e se
surpreendem! A água se agita, em fúria, ondas vão cobrindo as margens, a água
invadindo a terra firme. Um estrondo, um frêmito rugido assola os tímpanos de
quem está ali, pavor e espanto geral! Alguns desacordados, outros perdem a fala,
muitos saem em disparada. Ninguém vê, mas algo se debate sobre as águas e vai
ao encontro do grupo que, pelo susto, fica sem forças para fugir e se proteger.
O padre em oração acende uma vela, olha para o céu, pede ajuda do além, tudo
vai se acalmando e volta ao normal.
A noite em passinhos se
aproximando, o sol sonolento e em cochilos se encobre, se esconde no horizonte;
o luar ainda um pouco pálido,
mas já assumindo no céu o seu lugar, que ao chegar expressa um largo sorriso
para o universo e para aquela gente que desolada volta para casa, porém, com a
certeza, que pela fé foram salvos. Veem-se longe do que lhes amedronta e lhes
traz assombro, drama, é um dever de quem preza a vida, sua tranquilidade e a de
seus entes queridos. Alguns fervorosos e movidos pelas orações insistem em ali à
margem do rio continuar, pretendem ver de perto, concreto, este monstro despontar-se
das águas e seguir sua trilha, olhar, analisar as suas pegadas, por onde passa,
onde vai e vê-lo quando volta. Querem descobrir também o seu ninho embaixo d’água,
nas profundidades do Rio Claro.
Não se sabe até
quando, mas enquanto houver o despontar da lua cheia envolta pelo véu da lua
negra, o poder de uma energia, uma força bruta, oculta, que ocorre sob um manto
no firmamento e invade a superfície do planeta iluminado pela ofuscante luz desse
satélite, que estimula e incentiva a
escrever milhares de soturnas e sombrias histórias de tenebrosas bruxas, lobisomem,
assombração... É um gênero literário divertido, às vezes assustador, temas que fascinam, espantam, mas também proporcionam
curiosidade, infindas surpresas. A lenda, inspiração de façanhas, contos de terror,
de horror, com obscuros e horripilantes cenários turvos e enigmáticos pela magia
da lua negra. Superstições e crendices que desnorteiam, desafiam autores,
leitores, tanta gente!
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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