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Feriadão WebTV: A Grande Chance

Conto de Luciano Kendzierski
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Sinopse: Um jovem é selecionado para uma vaga de emprego que dizem abrir muitas portas, mas ele estaria disposto a pagar o preço?


A Grande Chance
de Luciano Kendzierski


— Está contratado! 

Essa foi a frase que mudou definitivamente a vida de Felipe, um jovem paulista que emigrara para o Rio Grande do Sul em busca de algo que nem ele sabia o que era. Para ele o futuro era algo que existia apenas nos sonhos, um lugar distante e dourado que magicamente o ejetaria daquela condição que tanto odiava. Embora fosse inteligente e esforçado, ele só conseguia se focar em juntar suas forças todos os dias para ir de sua cama até a garagem do ônibus, onde trabalhava como cobrador, para que, no final do dia, voltasse ao pequeno quarto onde morava de favor na casa de seu avô, o lugar era resumido à uma cama e um guarda roupas velho, onde mantinha tudo que possuía. Embora totalmente bem fisicamente, sentia-se como se todo dia precisasse arrastar-se de um lado para o outro, desprovido da energia necessária para quebrar as grades daquela prisão do dia a dia. 

Esse sentimento de impotência foi como um ácido que pingava diariamente em cima de sua alma, corroendo cada milímetro de suas esperanças. Foi nesse cenário que, finalmente, ele se jogou em uma última tentativa de mudar o próprio destino, candidatando-se à uma vaga na loja "Direto da China", um estabelecimento que vendia diversos itens importados, mas que, por trás da fachada simples, tinha uma fama regional de elevar alguns de seus funcionário à uma vida profissional próspera. Para algumas pessoas, era como ganhar na loteria, diziam que alguns dos felizardos chegaram a ser enviados para o exterior, para trabalhar nos negócios da família. 

Os Yangs eram um casal de idosos, na faixa dos 60 anos, possuíam um aspecto cordial, porém reservado, que encantava a comunidade a qual faziam parte. Eram reconhecidos tanto pelo sucesso nos negócios, já que possuíam uma variedade de empresas, quanto pela humildade e apego à pequena lojinha onde iniciaram sua jornada empreendedora assim que chegaram ao Brasil. Outro traço vital é que, embora amassem sua pátria natal, jamais falavam como foram as coisas na China ou o porquê de saírem de lá. 

Felipe mal acreditou que havia sido escolhido, lembrava que em meio à entrevista, a sra. Yang falava abertamente "ele está gordo, vai atrapalhar no serviço", "Parece ser meio molenga e de baixa qualidade", "essa vaga é importante demais pra esse daí", enquanto o sr. Yang analisava um pouco cético e concordava com a cabeça. Mas isso era o passado, agora se focaria em mudar a ideia deles, finalmente seria alguém, teria um futuro. Estava tão empolgado, que concordou com tudo que eles exigiram sem praticamente nem tomar conhecimento, afinal, o universo finalmente sorrira pra ele. 

Os próximos meses foram transformados em trabalho duro e sem folgas, se submetia à jornadas de 14 horas por dia. Não havia caixa que ele não carregasse com alegria e agradecimento e qualquer ordem era executada com o rigor de uma lei. Mesmo assim, os donos chamavam-no apenas quando necessário e sempre com uma expressão de indiferença, aumentavam a carga de trabalho, reduziam as expectativas dele, "está saindo na média, mas não se preocupe que não esperamos muito de vocês", falou o sr. Yang em uma das vezes que ele tentou pedir uma avaliação do seu trabalho. Mas Felipe via tudo como um teste, que era um incentivo para que fosse ainda mais dedicado. Afinal, já passara tanta coisa pior, era sua responsabilidade que fosse determinado, não deixar aquela chance escorrer-lhe por dentre os dedos. Ele sabia, bem em seu íntimo, que se fosse reconhecido por aqueles dois, ele ganharia o bilhete dourado pro mundo deles, seria um igual. Afinal, eles também eram emigrantes, vieram de muito longe para viver e prosperar, no caso deles era muito pior, pois precisaram vencer as barreiras da cultura e da língua. Passaram pelo mesmo que ele passou, ele tinha certeza. 

Um belo dia, o sr. Yang, interceptou-o no meio da loja e, sem qualquer aviso ou cerimônia, entregou-lhe as chaves da loja. Em uma breve conversa, explicou que precisava de alguém de confiança para cuidar de alguns aspectos do negócio, e que ele provara ser um pouco menos burro do que achara inicialmente. Eles precisaram demitir o supervisor e pensaram que Felipe poderia cuidar dos afazeres dele, eram coisa pequena. Claro que em nenhum momento Yang falou em aumento, apenas em atribuições adicionais. Reforçou que ele poderia até usar uma cama no estoque para dormir, quando perdesse o ônibus. Felipe explodiu de alegria, pois era o sinal que tanto esperara, o sinal de confiança, de que estava indo na direção correta. Aquela noite foi de felicidade pura, trabalhara depois do expediente catalogando uma carga de mercadoria nova e dormira em meio às caixas empoeiradas e barulho de ratos, mas estava tão feliz, como nunca estivera antes e, no mesmo dia, a sra. Yang começou a trazer-lhe comida, um bônus pela jornada extra, "Comida boa para manter a força", ela dizia. 

Em um julho chuvoso, Felipe andava como um fantasma pela loja, suas forças estavam exauridas, seu espírito e corpo pareciam padecer de uma doença brutal, os olhos começaram a tomar uma cor amarelada. Ele ouvia seguidamente os colegas rindo de sua cara, "olha o capacho do chefe", ele escutava em sua cabeça a cada risada que davam, "acha que vai ser alguém", imaginava conversas completas, cheias de ironias e escárnio, só não lhes dava uma lição pois mal aguentava o próprio corpo e até respirar já lhe parecia com uma tortura. Pedira algumas vezes para ir ao médico, afinal, só funcionavam em horário de expediente, embora não conseguisse mais discernir o que era o seu horário de descanso. Os Yang diziam que essa medicina ocidental não sabia de nada, que lhe convenceriam que trabalho causa doença, o tornariam em um fraco indolente, Felipe não queria deixar tudo que conquistara, embora fosse difícil pensar naquilo que realmente era uma conquista. Ele apenas resistia e pensava em dias melhores, eles virão.... precisam vir. 

Pouco a pouco, a função braçal foi deixada de lado. No lugar, assuntos administrativos foram incorporados. "Controle esses molengas!!", dizia o sr. Yang ao jovem pupilo. Felipe dominava seus colegas com um punho de ferro, pensava que se ele conseguira subir ao posto de gerente, eles tinham de dar mais do que suor, deveriam dar o sangue pela loja, pelos Yang, se não fosse a bondade deles, estariam todos na rua, sem emprego e passando fome. 

Em uma tarde sufocante de verão, os Yangs pediram que Felipe fosse ao escritório. Nervoso, adentrou o recinto com o coração acelerado, eles nunca o chamaram com tanta urgência. Os pensamentos saltitavam em sua cabeça, cada grande esperança era lavada com um medo profundo de ser mandado embora. Assim que adentrou, fecharam a porta. Sentado em um sofá estava um velho senhor chinês, rapidamente o sr. yang explicou que era seu pai, que estava ali para uma situação verdadeiramente especial. Eles decidiram reconhecer todo o sacrifício de Felipe, o indicariam para uma vaga em uma empresa da família em Londres, receberia o estudo e treinamento para assumir um cargo lá e fazer parte dos negócios. Ele podia jurar que seu coração parou por um segundo, um longo suspiro, que não conseguira evitar, tirou de seu peito uma angústia criada por mais de 2 anos, finalmente a vez dele chegou. Ele sorriu nervoso, perguntando se era uma brincadeira, mal podia acreditar: 

— Ora, Felipe. Sabes muito bem que não brincamos com as indicações. Vamos te dar a honra máxima, será praticamente da família e conhecerá a verdadeira extensão dos nossos negócios. 

Explicaram que ele teria uma semana para ajustar todo o trabalho, para que o próximo a ser contratado pudesse se organizar rapidamente. Esse tempo também serviria para ajustar os assuntos pessoais, além de avisar aos amigos e parentes de sua saída do país. Ele só pensava em uma coisa, Sorte grande! Sempre deixava tudo organizado, para no caso de precisar sair, ou fosse demitido, tudo estava organizado. Quanto aos amigos e família... bem, 2 anos trabalhando para se tornar um grande homem, esse foi o tempo necessário para matar qualquer laço, usaria essa semana para ir ao médico e descansar um pouco. 

A semana transcorreu tranquilamente e a grande noite finalmente chegara. Um motorista fora enviado e ele chegou rapidamente na mansão dos Yangs. A miséria iria ficar para trás, nada mais importava. Ele fizera um juramento para si mesmo, qualquer exigência por parte deles, seria aceita sem pestanejo, afinal, o mais importante era sair de onde estava. O mundo seria seu. 

Era uma grande propriedade isolada com uma casa era imponente. Ninguém, nem mesmo Felipe, poderia imaginar que os dois possuiriam aquele tipo de patrimônio. As colunas gregas da entrada eram simplesmente monumentais, tudo parecia ser imponente e opressivo. Ele nunca vira esse tupo de luxo, nem mesmo em revistas ou na televisão. A porta estava aberta e, na entrada, um mordomo aguardava-o. 

— Estão lhe esperando ansiosamente para o jantar — Falou com um sotaque que Felipe mal conseguia discernir. Tudo que ocupava sua mente era que aquela seria sua nova realidade, ele entrara naquele universo. 

Adentrando no ambiente de festa, Felipe notara ao menos 20 pessoas que, para o seu espanto, não eram todos orientais. O sr. Yang puxou as palmas, e apresentou a todos. A felicidade era tanta, que Felipe não conseguia prender sua atenção, só escutava "sir fulano de tal", "gerente de empresa x ou y". Tudo era glamour e poder. 

Fizeram um brinde, a taça reservada a ele era de cristal, nunca nem vira cristal de verdade, como poderia resistir. "Precisa tomar tudo!", disse um homem para Felipe, que assim o fez. As coisas começaram a tornar-se brilhantes e sombrias, ao mesmo tempo. Perdera a noção do tempo, embora o tempo começasse a ter consistência para ele. Ele ria de coisas que mal ouvia, parecia estar em um mundo mágico onde grunhidos faziam sentido e tudo era lindo. Até que começou a ser engolido por uma espiral de escuridão, quente e reconfortante. 

Vagarosamente, Felipe começou a retomar a consciência. Assim que a sala começou a tomar foco, ele começou a entender que estava amarrado em uma grande maca de madeira, na cabeceira de uma mesa enorme. Os convidados estavam todos em suas cadeiras, sorridentes e ansiosos. 

— O convidado principal acordou! — Bradou o sr. Yang. 

— Felipe, meu jovem aprendiz, você não entende a importância do que aconteceu! Demoramos anos para encontrar uma jovem tão servil, ao ponto de fazer cada vírgula do que mandávamos!! — Exclamou com entusiasmo. 

O sr. Yang parecia ser outra pessoa. Ele se comportava de forma jovial, gesticulando e explicando como precisavam de alguém tão faminto por mudança, ao ponto de fazer, comer e agir como eles mandassem. 

— Antes de vir para o Brasil, passei pela França e provei o famoso Foie Gras deles. Fiquei tão maravilhado que fui obrigado a aprender essa técnica. Afinal, se era tão bom com patos, IMAGINA COM UMA CARNE DE UM ANIMAL MAIS NOBRE! — Bradou para a plateia animada. 

Felipe não conseguia entender nada, era como uma linguagem alienígena. O que diabos era o tal de foie gras? 

Habilmente, Yang sacou uma faca de cozinheiro e iniciou os preparativos. Desesperado, mas com esperança que fosse uma peça, Felipe gritava. Entendera o que estava acontecendo ali, ele seria o prato do dia. Era por isso que eles se importavam tanto que ele comesse unicamente aquilo que fosse ofertado pela sra. Yang, mesmo que sua alimentação fosse praticamente apenas frutas, principalmente maçã e abacaxi, frango, cereais e especiarias. 

O primeiro corte foi seco, abrindo as suas entranhas, ele gritava e tentava se debater, o que era impedido pelas amarras precisas. Um cheiro metálico tomou o ar e o sangue fresco parecia animar os convidados. Rapidamente, a sra. Yang tomou a frente e começou a mexer no buraco aberto na barriga de Felipe, não te preocupa meu amado, depois disso é rápido. E, após alguns puxões e cortes, levantou o fígado, morno e com uma pequena fumaça saindo. Felipe, talvez por perda de sangue, talvez por entrada no mundo dos mortos, começou a ver todos como demônios. Chifres, caudas, peles vermelhas e olhos em chamas tomaram as feições antes amistosas e alegres. Após algumas preparações, seu órgão foi servido aos convidados, que comiam de olhos fechados, saboreando o quitute servido com maestria. Pedaços de sua carne foram cortados e, como por um transe mágico, Felipe viu e sentiu, pouco a pouco, sua carne sendo retalhada e servida àquela sociedade que tanto desejava ser parte e que, de forma irônica, agora seria.


Conto escrito por
Luciano Kendzierski

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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