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Quando Ana Olhou para a Direita: Capítulo 04

Minissérie de João Paulo Coca
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QUANDO ANA OLHOU PARA A DIREITA - CAPÍTULO 04


CASOS DE FAMÍLIA
 

            Naquela mesma semana, Ana estava em seu apartamento, já de pijama e pronta para seu merecido descanso, quando recebeu uma ligação por volta das dez da noite. Colocou o copo de água quase vazio em cima da pia, olhou para tela do telefone e viu que não conhecia aquele número de telefone fixo. Quase não atendeu, mas acabou não resistindo e cedeu aos chamados do celular.

            A ligação era da delegacia, mas não da sua, e sim de outro distrito. Seu irmão, Dione, havia sido detido e ligou para pedir a ajuda de Ana. O irmão também pediu que ela não falasse nada com o pai, pois o rapaz não estava com muitos créditos com o patriarca dos Torosídis.

            Ana desligou o telefone bufando e desabafou com Perseu.

            — O que vamos fazer com essa família, Perseu?

            Perseu olhou bem para Ana, como se pudesse entender sua dona, mas seguiu seu caminho em direção à sua vasilha de ração ao lado do balcão da cozinha, ignorando os problemas da família. Minha vontade também é essa, pensou Ana em resposta ao desprezo do seu Buldog.

            A família de Ana era muito complexa, então ela evitava falar sobre eles com quem não os conhecia. Ela foi adotada ainda bebê quando seus pais já tinham dois filhos legítimos, Antero e Andreas.

Após o nascimento de Andreas, sua mãe não podia mais ter filhos, mas seu pai, sim, e teve vários outros filhos fora do casamento. Porém, o poderoso Konstantinos dizia que seus descendentes seriam criados com ele, e sua palavra sempre foi a última na casa dos Torosídis. Dessa forma, a família continuou crescendo. Depois da adoção de Ana, chegaram à família os irmãos Alexandre, Dione e os gêmeos, Hélio e Helena. Ou seja, eles eram uma família incomum criada com muito conforto e com poucas regras para seus caprichos. Como era de se imaginar, a mãe de Ana acabou criando todas as crianças como seus filhos. Ao menos, era algo que ela sabia fazer muito bem, ser mãe em tempo integral.

Enquanto descia no elevador, Ana ligou para o irmão mais velho, Antero.

— Oi, Antero! Tudo bem? Desculpe a hora, mas preciso de um favor. O Dione foi detido por desordem. Estou indo lá resolver a situação, mas preciso de alguém que possa assinar a papelada dele. Você poderia me encontrar lá?

— Claro que sim, Ana! Estou indo agora mesmo. Me envie uma mensagem com o endereço — respondeu o prestativo Antero.

Ana desligou o telefone, pesquisou e enviou o endereço da delegacia ao irmão. Entrou no seu carro, e, antes de dar partida, bufou mais uma vez de ódio e partiu.

Ao chegar na delegacia, ela já viu o irmão sentado em uma cadeira ao lado de outras pessoas, aparentemente detidas também. Ao ver a irmã se aproximar, Dione abriu um sorriso, estendeu os braços algemados pra ela e cochichou para as pessoas ao lado.

— Eu disse que minha irmã iria nos tirar daqui.

— Cala sua boca, idiota! — retrucou Ana, empurrando as mãos do irmão para baixo e agachando para falar com ele, olhos nos olhos.

 ­­— Tira logo esse sorriso do rosto! Você é um grande irresponsável! Eu deveria ter ficado na minha casa dormindo ao invés de vir aqui te fazer esse favor — desabafava Ana em um tom de voz baixo, mas muito agressivo.

— Calma, Ana! — Dione tentou em vão amenizar a bronca.

— Calma, nada! Já passou da hora de você crescer ou começar a pagar pelas suas irresponsabilidades. Uma vergonha, eu ter que tirar um irmão arruaceiro da cadeira. É a última vez que ajudo você nas suas encrencas. A última! — Finalizou seu sermão se levantando e saindo em direção ao balcão para falar com o policial responsável.

— É, galera... Pelo jeito, agora, é cada um por si — disse Dione, meio sem graça, para os companheiros de algemas.

Após conversar com o policial responsável pela denúncia, mesmo contra seus princípios, Ana conseguiu a liberação do irmão sem acusações formais, mas pediu a ele um favor.

— Gostaria que o deixasse passar a noite aqui e o soltasse de manhã. É possível? — perguntou Ana com um tom levemente cínico.

— Seria um prazer! — respondeu o policial, sorrindo.

Quando finalizava a conversa, Ana viu o irmão Antero entrando pela porta da frente e acenou pra ele. Enquanto caminhava em direção ao balcão, o irmão mais velho olhou com sua peculiar expressão carrancuda, e ergueu o punho em direção a Dione como se dissesse: ‘Você merece um soco’.

Ana recebeu o irmão com um abraço e disse que já havia resolvido a situação, que nem mesmo precisaria que ele assinasse nada. Explicou que fizera um acordo com o policial e Dione passaria a noite ali e liberado de manhã, sem acusações.

— Excelente! Disse Antero após uma boa risada.

— Então. Já que não temos nada mais para fazer aqui, que tal tomarmos um café ali do outro lado da rua? — perguntou Antero.

— Ótima ideia. Minha noite já está perdida mesmo. Uma dose de cafeína não vai fazer diferença ­­— respondeu Ana com um sorriso.

— Até logo, irmãozinho! Já resolvemos tudo — disse Ana andando em direção a porta.

— Aonde vocês estão indo? Esperem por mim! — gritou Dione, na esperança que o policial fosse libertá-lo das algemas a qualquer momento.

Ana passou seu braço em torno do braço do irmão para descerem as escadas da frente da delegacia. Antero usava uma bengala para ajudá-lo a caminhar com mais facilidade, pois tinha a perna esquerda menor que a direita devido a um problema de nascença.

— Obrigado, Ana Banana! — disse Antero, sorrindo e agradecendo a ajuda da irmã.

— Nossa! Quanto tempo não ouço esse apelido. Eu odiava quando o Tio Dimitri me chamava assim, mas agora, até que acho bonitinho — respondeu, acariciando o braço do irmão.

Entraram na cafeteria 24 horas e se sentaram em uma mesa ao lado da janela. As poltronas confortáveis eram um aconchego para Antero. Mesmo não tendo nem chegado aos cinquenta anos, caminhar era sempre cansativo, principalmente depois de um dia inteiro de trabalho. Sentou com um gemido espontâneo de alívio.

— Nossa! Não fique velha! Você não vai gostar nada disso! — disse Antero, rindo.

—  Nem me fale! Eu fiquei tão velha depois dos 30 que já sinto dores só de respirar — comentou Ana com tom de deboche sobre si mesma.

A atendente chegou à mesa para anotar seus pedidos. Ana pediu um mocaccino duplo com pedacinhos de chocolate em cima do chantilly, era seu preferido. Enquanto o irmão optou por um expresso comum, sem açúcar.

Aos risos e comentários sarcásticos, os dois continuaram sua conversa.

— E como está sua vida de velha solteirAna?

— Corta essa! Não me venha com esse papo que preciso de um marido e estou ficando sem tempo para filhos.

— Longe de mim fazer uma pergunta dessas... Eu sei que ninguém se casaria com você, querida!

— Obrigada pela generosidade! — respondeu Ana, levantando sua xícara de mocaccino, como se brindasse com o ar.

 — Mas e você, Antero? O que tem feito além de trabalhar?

— O que se faz nessa vida além de trabalhar? Siderurgia é a única coisa que sei fazer nessa vida — respondeu o outro, retribuindo ao brinde no ar com seu expresso. — Desde que eu vi o Lula discursar naquele palanque, eu me tornei um trabalhador! — disse Antero, todo orgulhoso de sua história.

— Quando você tinha uns 17 anos, foi fazer um estágio em uma siderúrgica em São Bernardo do Campo, você viu o Lula discursar para os trabalhadores em cima de um palanque improvisado em cima de um caminhão ­— completou Ana, que já escutara a história uma infinidade de vezes, e riu.

— Então já te contei essa história? — respondeu Antero em tom cômico

— Que nada! Apenas umas mil vezes, desde que eu era criança.

Os dois riram e deram mais um pequeno gole em suas bebidas.

— Por falar em trabalhar — continuou Antero ­—, o que vamos fazer com o Dione? Ele precisa tomar um rumo na vida dele.

— Como disse a ele, e sou uma mulher de palavra, foi a última vez que limpei as merdas dele. Ele não é problema meu, mas sempre acabei sendo responsável por ele, desde cedo.

— Exatamente como a minha vida em me preocupar com as confusões do Andreas na juventude — completou Antero. — Desde criança, o Andreas causava problemas, seja com outras crianças ou com as babás que passavam por nossa casa.

— Mesmo? As babás? — respondeu Ana, chocada.

— Sério! Uma vez, ele inventou que a babá havia agredido ele. Aquele pestinha tinha apenas 8 anos. Nosso pai acabou demitindo a Dona Bernadete sem sequer ouvir a versão da pobre mulher.

            Após uma pausa para mais goles no café, Antero continuou sua fala, agora com um tom mais sério que antes.

            — Sei que não se deve falar isso do próprio irmão, mas Andreas é uma pessoa ruim. Ele tem o mal vivendo dentro dele, adora a guerra, o conflito e o caos. É uma doença! — continuou Antero com um tom de voz entristecido. — Talvez eu tenha desistido dele muito cedo, mas não queria passar minha vida tendo que tirá-lo de confusões.

            — Claro que não, Antero! Isso não era seu papel — disse Ana, confortando o irmão.

            ­— Hoje, nossas poucas conversas são apenas nos almoços da família. Sempre terminam em alguma briga política. Como viu no domingo passado, discordamos veementemente. Essa família Torosídis é uma máquina de gerar problemas, isso sim! ­— finalizou Antero.

— Ainda bem que sou adotada! — respondeu Ana, quebrando o clima completamente.

— Sua sortuda! — disse o irmão com uma gargalhada.

— Pelo menos, as crianças não puxaram nosso lado da família — disse Antero se referindo aos irmãos caçulas, os gêmeos Hélio e Helena.

— Antero, sabe que as crianças já têm 20 anos, não é?

— Nossa! Isso tudo? — disse o irmão, espantado. — Então já são 20 anos sem o todo poderoso Konstantinos Torosídis trazer um filho bastardo pra casa? — completou, arrancando risos de Ana.

— Mas, sim, as crianças são ótimas! — Ana fez sinal de aspas quando se referiu aos irmãos mais novos como crianças. — Além de serem os mais bonitos.

— Os jovens são sempre os mais bonitos! — completou Antero.

Após algumas risadas e assuntos do dia-a-dia, o papo acabou se tornando um pouco mais sério. Principalmente quando o assunto passou pela situação de sua mãe, Vera.

— Você tem visitado a mamãe?

— Não tanto quanto eu gostaria! — respondeu Ana, um pouco envergonhada.

— Nem eu, infelizmente — lamentou Antero.

O tom triste na fala dos irmãos era reflexo da situação que a mãe enfrentava. Desde que os gêmeos Hélio e Helena passaram no vestibular da Unicamp e se mudaram para Campinas, a mãe entrou em um estado de depressão que já se arrastava por quase dois anos. Mesmo o acompanhamento psicológico e tratamentos clínicos não surtiram muito efeito nesse período, nada além de uns poucos momentos de alegria da mãe.

— Você acha que a depressão da mamãe é apenas por causa da ida dos meninos pra faculdade? — perguntou Ana.

— Claro que não! — afirmou Antero. — Quando você era criança, a mamãe já passava por alguns momentos assim.

— Mesmo? Não sabia disso! — Ana se espantou com o que o irmão dizia

— Sim, sim! E, sempre que nosso pai trazia um novo filho pra casa, ela se curava. Se apegava naquele bebê como se fosse filho dela e seus olhos voltavam a brilhar.

— Uma coisa é certa: todos nós tivemos sorte de termos uma ótima mãe.

— Com certeza! — concordou Antero, também acenando com a cabeça. — Quanto ao lado paterno, nem tanto — completou sua fala com um tom irônico.

— Pra mim, é claro que a depressão da mamãe não tem nada a ver com a vida que ela foi obrigada a levar. A carga psicológica que foi criar cinco filhos de seu marido com outras mulheres — dizia Ana, indignada. —  Chega a ser desumano.

— Nosso pai sempre achou que o dinheiro e o poder suprem qualquer sentimento que alguém pode ter — continuou Antero.

 — A mamãe entrava em depressão, ele trazia o que ela mais gostava, um filho pra ela cuidar. Para os filhos, muitos brinquedos e passeios ao parque, mas não com ele, sempre com os empregados.

— Teve uma época que eu fingia que o meu pai era o nosso motorista, o Jarbas. Lembra dele? — perguntou Antero. — Às vezes, eu tinha vergonha de ir aos lugares enquanto as outras crianças estavam com seus pais. Além do mais, o Jarbas era um ótimo pai pra gente! ­— completou Antero, rindo do fato.

Os dois seguiram conversando por mais alguns minutos, mas o assunto ficou um pouco mais leve e as risadas anteriores voltaram à mesa. Antero solicitou à atendente que trouxesse a conta, que ele fez questão de pagar.

— O papo foi ótimo, mas é melhor irmos pra casa. Amanhã, minha rotina começa cedo — disse Ana, já colocando o celular dentro da bolsa. —  Eu ainda não sou patrão, como você!

Antero era dono de uma siderúrgica em São Bernardo do Campo, mas costumava ficar parte da semana na sua casa de São Paulo.

— Patrão também trabalha! Mas, pelo menos, posso dormir até mais tarde — disse ele, sorrindo enquanto se levantava apoiado em sua bengala.

Ao saírem da cafeteria, os irmãos se abraçaram para se despedir. Nenhum dos dois imaginava que aquela noite poderia ter terminado tão bem quanto ela prometia. Ana acompanhou o irmão até o carro, acenou com a mão se despedindo novamente e atravessou a rua em direção ao seu carro.

Ana chegou em casa por volta de duas da manhã, sua noite seria curta, mas acabara valendo a pena, pois ela adorava o irmão mais velho. A dedicação de Antero pelo trabalho sempre foi inspiração pra ela. Chegou no apartamento, conferiu o sono de Perseu, que ainda roncava, e foi se deitar. Cada minuto de sono agora era precioso.

Horas depois, ao amanhecer, Ana recebeu uma mensagem em seu telefone.

Em tom irônico, a mensagem de seu irmão Dione dizia: Obrigado pela noite que você me proporcionou nesse maravilhoso hotel! A mensagem vinha acompanhada de um emoction com expressão de raiva. Após ler a mensagem, Ana seguiu sua rotina matinal e foi trabalhar.

Encerra com a música: (Família - Titãs).


autor
João Paulo Coca

elenco
Giovanna Antonelli como Ana Torosídis
Sheron Menezzes como Letícia
Cauã Reymond como Felipe Morfeu
Otávio Muller como Antero Torosídis
Antônio Fagundes como Konstantinos
Alexandre Borges como Georgios
Miguel Falabella como Dimitri
Carmo Dalla Vecchia como Andreas Torosídis
Larissa Manoela como Helena Torosídis

trilha sonora
Família - Titãs

produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela

Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO


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