Meu Primeiro Natal
de Leide Freitas
Eu
morava em uma casinha de taipa, no meio do mato, longe, bem longe da cidade. A
gente quase não saia de casa porque tudo era muito longe.
Para
chegar a cidade de Aracoiaba, a cidade do meu município, a gente caminhava a pé toda uma manhã.
Era
muito difícil ir para a cidade porque não tinha transporte que passasse na
pequena estrada de terra que ligava o povoado a cidade. Os únicos carros que
percorriam essa pequenina estrada era o carro do fazendeiro aos finais de
semana e os caminhões que transportavam lenha no verão.
A
minha vida simples de menina se resumia em ajudar meus pais na roça no período
da manhã e ir para a escola à tarde. Nada eu sabia da cidade e do que acontecia
lá. Não tinha nenhuma ideia de como era viver na cidade, nem mesmo do que o
povo da cidade vivia.
No
inverno quando chovia nos primeiros meses, meu pai me levava juntamente com meus
outros irmãos para o roçado. Chamava-se “roçado” o pequeno espaço de terra que
meu pai roçava (derrubava) as árvores e limpava o terreno para plantar milho,
feijão e algodão, raramente se plantava arroz naquele tempo porque o arroz
exigia que a terra fosse bem molhada.
Mas
como eu ia contando, a gente ia para a roça ajudar a semear as sementes e
depois de alguns meses nosso pai voltava a nos levar para ajudar a limpar o
roçado. Limpar nesse caso era arrancar os matos com as mãos para que não
sufocassem a plantação. No inverno eram feitas duas limpas para que as plantas
crescessem viçosas e pudessem produzir com abundância.
Na
época da colheita a gente também ajudava a colher o feijão, o milho e o
algodão. Metade da colheita era do fazendeiro em troca do uso do terreno.
Na
época da broca que sempre era no verão, meu pai me levava para ajudar a tocar
fogo nas coivaras.
A
broca era o tempo em que o papai derrubava as árvores e arrancava as raízes,
depois esperava um tempo para que o sol secasse as raízes e os galhos pequenos,
após estarem secas era o tempo da queima, ou seja, era o tempo de ajuntar as
raízes em pequenas coivaras ou fogueiras e queimar. Depois da queimada meu pai
retirava o que sobrava limpando totalmente o terreno. Depois de todo esse processo
era praticamente o fim do ano, depois era só esperar a chuva chegar para
começar tudo de novo. Era assim a vida simples da minha família.
Quase
no fim do ano, neste
ano em especial, chegou uma visita na nossa casa. A visita quase sempre eram os
parentes que vinham de longe para ver como a gente estava vivendo, para ver se
a gente não estava passando fome, não era necessidade porque gente pobre vive
diariamente na necessidade. A preocupação era a fome mesmo. E nesse fim de ano em questão foi
minha avó, mãe do papai, que todos nós, os netos, chamávamos de Mãe Didi que
chegou para alegar a nossa vida.
Dessa
vez, Mãe Didi trouxe meu primo Antônio José que era mais esperto do que a
gente, já tinha ido algumas vezes a cidade, foi ele que me falou pela primeira
vez sobre o “Natal”.
Imaginem
que fiquei animada com a história.
Meu
primo me contou que no fim do ano, na cidade tinha uma festa de Natal.
A
festa de Natal era chamada assim porque comemorava o nascimento de Jesus Cristo
e nesse ponto, meu primo me perguntou se eu já tinha ouvido falar em Jesus
Cristo. Eu afirmei que tinha ouvido falar porque estava tendo aulas de “Catecismo”
e pedi que continuasse a história, de olho arregalado e muito atenta.
Diante
de tal espectadora, meu primo não se fez de rogado, contou que na cidade as
pessoas enfeitavam as casas com pequenas luzes coloridas que mais pareciam
arco-íris, com estrelas e outros enfeites.
Falou
que o prefeito mandava colocar luzes coloridas nas árvores das praças e que
essas mesmas luzes ficavam piscando a noite toda, que na praça da igreja se
reunia muita gente para esperar a hora da missa que nesse tempo era rezada pelo
padre religiosamente às
doze horas da noite, as doze em ponto, nem um minuto a menos.
Contou
que na praça ficava armado um monte de brinquedos como barquinhos, patinhos e
cavalinhos para crianças pequenas e uma tal de “Ola Gigante” para as crianças
maiores, mas essa tal de “Ola Gigante” era mais alta do que uma casa.
Tudo
isso, meu primo me contava, e eu, de olhos arregalados tentava imaginar todas
essas maravilhas da cidade grande, mas o que mais me encantou foi o Papai Noel.
Meu
primo falou longamente do Papai Noel. Disse-me que ele era um bom velhinho,
gordo e rosado que vestia uma roupa de frio vermelho porque morava no norte do
mundo, isso, ele não sabia dizer onde ficava, mas o que realmente me deixou
maravilhada foi meu primo falar que esse Papai Noel distribuía presentes para
todas as crianças boazinhas, na noite de Natal.
Nesse
ponto eu fiquei muito animada porque há muito tempo eu sonhava com uma boneca
que eu tinha visto na televisão do dono da fazenda. De olhos muito arregalados
perguntei ao meu primo como a gente fazia para pedir o presente ao Papai Noel,
onde ele ficava e como a gente fazia para falar com ele.
Meu
primo olhou para mim penalizado, achando que eu era muito boba e falou com a
superioridade de primo mais velho, de primo que sabe tudo. A gente não consegue
falar com ele porque tem muitas crianças no mundo, sua boba, mas a gente pode
escrever e pedir o presente, e em seguida, me disse que era muito simples, era
só escrever o bilhete e colocar debaixo da janela, na véspera do Natal. Se ele
passasse e visse o bilhete você ganharia o presente, mas se ele não visse,
adeus presente.
Na
véspera de Natal a mamãe falou que a gente ia para a cidade para a missa de
Natal que também era chamada de Missa do Galo, pois segundo o povo da roça, o
galo cantava pontualmente às
doze horas da noite. Perguntou se a gente aguentaria ir, pois a gente iria a pé. No nosso entusiasmo
de criança, eu e meus irmãos afirmamos que a gente aguentaria, que a gente
poderia ir.
Essa
notícia foi realmente uma grande alegria para mim. Primeiro porque eu iria ver
se as casas eram como o meu primo tinha dito, ia ver os brinquedos na praça,
mas já sabendo que a gente não iria brincar porque meus pais não tinham
dinheiro, e segundo porque de qualquer forma, eu iria pedir meu presente para o
bom velhinho, para o Papai Noel.
Na
véspera do Natal, fiz secretamente meu bilhetinho para o Papai Noel explicando que
eu queria uma boneca e explicando que meu pai não tinha dinheiro para comprar e
que eu ficaria muito feliz, se ele pudesse me dar. Para meus irmãos qualquer
coisa que ele pudesse dar estaria bem. Dobrei a folha de caderno e coloquei
debaixo da janela, antes da gente pegar a estrada para a cidade.
Fomos
a pé, com os sapatos e as meias em um saco de plástico para calçar só quando
estivesse perto da cidade. Um pouco antes da cidade tinha uma ponte num pequeno
riacho e foi lá que lavamos os pés. A mamãe tinha levado um paninho para a
gente enxugar os pés e calçar
os sapatos. Depois a mamãe colocou nossos chinelos em uma sacola e fomos para a
cidade.
Quando
chegamos na primeira rua, eu comecei a olhar para todos os lugares, para todas
as casas, mas foi na rua grande da cidade que vi as casas enfeitadas com as
luzinhas coloridas verdes, azuis, vermelhas, piscando sem parar, também vi nas
paredes fotos de um velhinho com barba branca, vestido de vermelho com um gorro
na cabeça e um grande saco nas costas, entendi logo que era o Papai Noel.
A
noite foi mágica com tantas coisas na rua para ver.
A
mamãe comprou um ingresso no barquinho de balanço para duas pessoas e me
colocou no colo do meu irmão, disse que eu era muito pequena para ir na ponta
do brinquedo sozinha. O rapaz que vendia os ingressos viu logo que era porque
não tinha dinheiro para outro ingresso e fez vista grossa, mesmo assim eu
aproveitei o brinquedo com o vento batendo no meu rosto e nos meus cabelos.
Depois
ficamos olhando sem parar para as crianças arrumadinhas comendo maçãs do amor,
picolés e sorvetes. A mamãe viu o nosso
olhar pidão e comprou dois picolés para quatro crianças, mesmo dividindo o
picolé com um irmão, o picolé foi devidamente apreciado.
Um
brinquedo e dois picolés para quatro crianças. Ficamos felizes, mesmo assim,
melhor isso do que nada.
Depois
de toda essa farra fomos para a calçada da igreja que o padre só iria abrir
perto das doze horas. Algum tempo depois minha irmã caçula disse que estava com
fome e pediu rapadura. Todos nós estávamos com fome porque o jantar tinha sido às três da tarde, mas a
gente não queria dar trabalho. O papai ficou com pena da gente e foi em uma
bodega comprou uma rapadura e um pacote de bolachas doces, das redondas.
Comemos ali mesmo, na calçada da igreja. A mamãe não comeu estava com vergonha
do povo que passava na rua, mas levou a gente na casa de uma antiga conhecida
para pedir água para nós. De barriga cheia e saciados voltamos para a calçada
da igreja matriz.
Muito
tempo depois a igreja foi aberta e a missa aconteceu e foi devidamente
apreciada pelos adultos. Eu e meus irmãos já estávamos cansados e com sono, nem
prestamos atenção na missa, ficamos mesmo foi pelos pés das paredes cochilando.
Quando
a missa terminou o meu pai e os homens do nosso povoado fizeram uma vaquinha
para pagar um caminhão para levar a gente para casa porque era muito longe e
ele sabia que a gente não aguentaria voltar a pé porque já estávamos cansados
demais para andar.
Quando
chegamos em casa, na nossa casinha de taipa já era madrugada.
O
papai armou nossas redes e caímos dentro para dormir, ainda dei uma longa
olhada para a janela, antes de dormir.
No
dia seguinte, acordei cedo e corri para a janela para ver se o Papai Noel tinha
passado e deixado minha boneca, mas o meu bilhetinho estava lá, no mesmo lugar
que eu tinha deixado.
Olhei
tristemente para o bilhete.
O
Papai Noel não tinha passado na minha casinha, talvez porque a gente era muito
pobre, quem sabe, talvez ele viesse no ano seguinte.
Estava
pensando nisso quando minha mãe passou no corredor, olhou para mim e perguntou:
_ Que cara de choro é essa Francileide?
Não pude responder, pois tinha um grande nó preso na minha garganta.
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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