Deveras Natal
de Maria Eunice
De
uma janela do décimo andar, da grande cidade do Rio de Janeiro, avisto lá
embaixo tudo piscando em formas e cores: azuis, verdes, vermelhas... Papais
Noéis gigantes, barrigudos, barbudos; as vezes assustadores, inflados à mercê
do vento; árvores de Natal, quase arranha céus, compunham o cenário natalino. Daqui tudo tão pequeno
aos meus olhos. Os carros parecem brinquedos de controle remoto, ocupando suas
pistas de corrida. Pessoas que transitam num vai e vem; entram, saem, escolhem,
compram. Ou apenas olham, naquela imensa passarela, desfilando suas vontades.
As
vitrines abarrotadas de novidades para todos os gostos e bolsos. Adultos e
crianças, com seus presentes, estampando sorrisos. Afinal, é Natal! É tempo de
alegria, de celebrar o nascimento de Jesus. Mas quem ganha os presentes?
Diga-se de passagem, que o aniversariante nem é lembrado. Alto-falantes gritam que é
Natal, apresentando seus produtos etiquetados. Ofertando suas propostas de
pagamento.
Olho
para o céu tão estrelado, unicolor. O piscar das estrelas me convida a viajar
nas lembranças do meu outrora. Eu, criança do sertão nordestino, lugar ermo,
distante do que se diz civilização urbana. Nada difere entre as estações, pois
o sol escaldante deixa a paisagem tórrida. Nenhuma planta sobrevive a
essa estiagem infinita. Apenas os mandacarus espinhentos tingem de verde a
caatinga, deixando a paisagem menos inóspita.
Após
o almoço, ouço vó Tonha, em sua voz rouca: "se apressem em seus afazeres.
Hoje vamos todos à capela da vila. Será o início da novena de Natal. Preparação
para o nascimento de Jesus".
Um
corre-corre, e as tantas tarefas realizadas: buscar água na
cacimba, recolher gravetos para o fogo do amanhecer. Ainda sinto o calor
da areia quente sob meus pés descalços. Também o cheiro dos gravetos queimando
nas labaredas e o sabor do café.
Quando
saíamos ao entardecer, o sol ainda clareava os estreitos caminhos de areia. Vó
seguia na frente, fumando o seu cachimbo, a espantar as mutucas com a
fumaça estonteante que se espalhava rapidamente. E a fila
indiana a seguia em silêncio. A cada baforada, já ia recitando uma ladainha de
deveres: não faça isto, não faça aquilo... Comportar-se era a lei.
Ao
longe, já se ouvia o badalar do sino convidando os fiéis para o momento cristão.
Após
algumas curvas, enfim a vila, a capela... O presépio composto por: Maria, José,
pastores... Os camelos deitados, descansando da longa viagem. Afinal, foram
muitos dias de caminhada até chegar a Belém. Mas a manjedoura estava vazia. Aos
cochichos quis saber: Cadê o Menino Jesus?
Ainda
não nasceu! - disse alguém.
-
E por que os Reis Magos já chegaram se Ele ainda não nasceu?
-
Por que Maria e José deixaram o pobrezinho sozinho? Ele deveria está aqui.
- Porque...
porque...
Vó
Tonha me repreendeu com o olhar. Mas sabia que eu estava certa.
Velas
acesas nos tantos castiçais sobre o altar. As chamas bailavam ao sopro do
vento que entrava porta adentro.
Benditos,
ladainhas e uma reza que parecia não ter fim. O Amém era a parte mais esperada
pela criançada. Era o anúncio do final!
De
volta, a escuridão era quebrada pelo brilho das estrelas e um candeeiro aceso
no alto da cabeça da matriarca.
Chegando,
cada um se dirigia para a sua tipoia, a redigir lindos sonhos. Sonhos de
Natal! Mesmo que esses fossem distantes daquela realidade.
A
cada entardecer, o mesmo trajeto, as mesmas rezas. Até que numa noite, Ele
estava ali na manjedoura: Jesus nasceu! Para nos salvar dos pecados. Também da
dor da fome? Para uma criança não há explicação. Por que uns com tanto e outros
sem nada. É assim e pronto! Mas Jesus estava ali, tão pobrezinho tal qual os
viventes daquele torrão. E isso bastava. A fé, o amor que supre a dor, a
tristeza, a mágoa...
Continuei
ali, na janela, olhando as estrelas. As mesmas estrelas do meu outrora que me
levaram até Jesus.
Lá
embaixo, tudo parecia tão completo. Não faltava ninguém, mesmo que a
manjedoura estivesse vazia.
Nunca
desembrulhei um presente e tampouco tinha conhecimento de "ceia".
Bastava-me o pão nosso de cada dia (arroz, feijão...)
Ali
da minha janela, vi um cometa que riscou o céu. Certamente a me mostrar que
Jesus nasceu no meu sertão, na mesma capela de outrora, longe dos holofotes.
Ele é a própria luz. Lágrimas rolaram em minha face. Eu vivi o verdadeiro
sentido do Natal.
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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