10 Segundos
de Caos Prestes
00:00
10 segundos podem parecer um tempo insignificante, mas eles não são quando são o único tempo que você tem para mudar o Mundo...
“Você tem dez segundos”
“Filosofia”
“Quantos passos são necessários para alcançar a verdade? ”
00:01
Um letreiro acima de um timer não é algo que se encontra todo o
dia na sua cabeça desse jeito. Poderiam ter lhe mandado flores, ou chocolates.
Sinceramente, Luna não se importaria de estar agora sentada no sofá de sua sala
pensando que esse seria mais um aniversário vazio. Mas esse ano ela decidiu que
faria algo um pouco diferente. Extraordinariamente, diferente.
O ano era 2515 e naquela época os sofás eram coisas raras de se
encontrar por aí, salas então, 1 para cada 1.000 casas. Mas Luna tinha sido
criada por uma família diferente, os Celeste eram, como carinhosamente a
população atual chamava, “históricos”. Se apegavam a coisas que não eram mais
utilizadas há alguns séculos. Como salas e sofás, que há muito tempo haviam
sido substituídos por flutuadores massagistas em uma residência que as pessoas
adotaram o nome de “quarsa” (uma casa que era constituída apenas por um cômodo
com uma cama).
As necessidades das pessoas dos dias de hoje eram satisfeitas por
dutos, que lhes alimentavam a partir de aparelhos intravenosos, anulando,
assim, a necessidade de as pessoas excretarem qualquer coisa que o seu
organismo não tenha absorvido. Luna daria seu braço direito para ter comida de
verdade, e a perna esquerda para ter um banheiro, mas ela não era tão histórica
assim.
O maior orgulho de Luna não era o seu sofá, ou a sua sala, mas uma
antiga, enorme, e maravilhosa coleção de livros que vinha sendo passada de
geração em geração dentro da sua família.
Depois que a fabricação de papel foi cancelada mundialmente pela falta
de produção de oxigênio no planeta, sua família tinha orgulho de ser a maior
colecionadora de livros que ainda existia dentre o restante da população que
sobreviveu aos Anos de Pouco Ar. E, como uma criança curiosa em um mundo
totalmente automatizado, onde as pessoas simplesmente baixavam a informação de
que precisavam de um Centro de Conhecimento. Ela devorou cada página, cada
romance, drama, comédia, aventura ou terror que se acumulavam no porão da casa,
e sim, Luna havia crescido em uma casa de verdade, eles tinham até cadeiras, e
não várias quarsas acopladas uma à outra para cada membro da família.
Sim, Luna também se utilizava dos Centros De Conhecimento, mas como era
de Classe 3, o conhecimento que disponibilizavam para ela não era muito grande.
Claro, maior do que aos humanos de Classe 4, mas ainda assim, menor do que os da Classe 2 e 1, mas nunca teria
conseguido baixar dos Centros De Conhecimento como o caçador matou o lobo mau,
como Frodo destruiu o anel, como calcular equações quadráticas ou fazer um
cálculo estequiométrico. Esse tipo de conhecimento estava acima da sua classe,
e esse tipo de entretenimento, perdido nos anos em que humanos brincavam com a
natureza, como crianças brincam com seus (antigos) brinquedos. Tudo mudou desde
então, e certamente não para melhor.
Luna agora só podia olhar para o relógio à sua frente, e usar todo o
conhecimento que vinha sendo mantido em segredo do mundo durante séculos. Sua
família havia lhe deixado, mas ela nunca estaria sozinha enquanto carregasse
tudo que eles haviam guardado através dos anos. E sim, ela tinha passado por
todos esses artefatos, seja lendo citações marcadas por seus ancestrais, se
apaixonando e relendo algumas vezes o mesmo volume, ou apenas lendo um título,
mas ela tinha pego todos eles em suas mãos, e cuidado como os filhos que nunca
pode, e nunca poderia ter.
O relatório de nascimento de Luna chegou dois dias depois do parto
(algo que a tecnologia ainda não conseguiu substituir). Nele, constavam todas
as informações médicas que os pais precisavam saber, tudo que ele tinha, o que
não tinha, o que iria ter e o que poderia ter. Lá também constava o que ela não
poderia ter, Luna era estéril, tinha dois dias de vida, e seus pais sabiam que
não teriam netos, pois a taxa de natalidade permitida por casal eram dois
garotos ou uma garota para essa geração, porque os homens atualmente formavam
apenas 30% da população mundial.
Tinha sido muito difícil chegar até aquele ponto, ela não poderia
desistir agora, e não iria, respirou fundo, e quando olhou para o relógio
novamente, ele já marcava seu primeiro golpe de segundo. Restavam apenas 9
deles, enquanto 9 mil pessoas assistiam uma garota de Classe 3 na última
pergunta de “Mude o mundo”.
00:02
Sim, o planeta Terra dispunha apenas de 9 mil pessoas no ano de 2515, e
todas elas estavam conectadas ao terminal óptico que transmitia o “Mude o mundo”
dessa metade do século.
De 50 em 50 anos, a partir do ano de 2265, foi estipulado pelo Governo
Mundial que seria dado ao cidadão que tivesse um poder de conhecimento
inalcançável, independente de que Classe ele fizesse parte, de poder criar uma
Lei Universal. Muitas pessoas vêm estudando por suas vidas inteiras desde então
para que tal dia chegue. Nenhuma delas que
estivesse na Classe 2 para baixo sequer teve chances de chegar perto do prêmio.
Dois grandes pensadores da Classe 1 conseguiram chegar até a final, que
se constitui de 50 perguntas de conhecimentos técnico e profissional em áreas como
matemática, física, química e outras. O primeiro Legislador Universal foi
Marcos Wolf, que salvou todas as árvores restantes do nosso planeta tornando-as
Objetos Intocáveis, para qualquer ser. “Mais um primeiro passo” foi o que
disse, quando conquistou sua vitória. Deste dia em diante, tudo passou a ser
fabricado a partir de metal ou pedras, muitas matérias-primas foram perdidas e
o mundo teve que se adaptar, mas depois de 100 anos, a humanidade finalmente
conseguiu acabar com os Anos de Pouco Ar.
Quatro edições mais tarde, tendo em vista a quase extinção de qualquer
tipo de papel da face da Terra, um histórico chamado James Flow criou os hoje
muito utilizados Centros De Conhecimento a partir do seu próprio cérebro, um
terminal onde as pessoas poderiam saber tudo que ele sabia, infelizmente, Flow
morreu no processo de captura de informação cerebral. Muitas pessoas dizem até
hoje que isso foi um ato proposital do governo, para poder dividir o
conhecimento de tal homem do jeito que bem entendessem entre as classes. A ideia primordial de Flow era disponibilizar esse
conhecimento para tudo e todos. Ele tinha orgulho em ser chamado de histórico
pelas outras pessoas de Classe 1, e dedicava todo o seu tempo a ler e restaurar
livros em sua mansão. Luna daria qualquer coisa para poder ver a famosa
biblioteca de Flow e todo o gigante conhecimento que havia nela, mas logo após
a morte, e remanejamento de sua morte de acordo com o governo, sua casa e todos
seus pertences foram incinerados por causa de dívidas que Flow veio acumulando
através dos anos, segundo as autoridades.
O calor gerado por todos aqueles pertences, dizia o governo,
alimentaria a população mundial por, no mínimo, mais cinco anos, então os
trabalhadores das Usinas Térmicas ganharam uma boa folga e nunca mais falaram
nada sobre o assunto, mesmo depois daquele massacre aos últimos pedaços de
livros da humanidade.
Mas após essas duas únicas vitórias o nível de conhecimento da
população mundial diminuiu drasticamente devido à brilhante ideia de Flow. As pessoas que ocupavam a Classe 1 deixaram de se
importar com tal coisa, pois a vida deles era boa, e esperar por algo que só
acontece de 50 em 50 anos parecia entediante demais. Alguns da Classe 2 se
aventuravam ainda, pois se consideravam inteligente o suficiente, e, sem a
concorrência da Classe 1, realmente tentavam de tudo para chegar lá, assim como
os sonhadores da Classe 3 e da Classe 4.
Então, o “Mude o mundo” passou a ser visto como um programa de humor
por aqueles que não se importavam mais com o mundo (novamente), pois se tornou
muito engraçado um Classe 4 tentando fazer uma conta de multiplicação, ou um
Classe 3 explicar o que foi a Ascensão Lunar em 2145. O programa teria perdido
cada vez mais audiência, se isso ainda existisse, e se ele não fosse
transmitido para o mundo inteiro obrigatoriamente.
Tudo isso, e muitas outras coisas passavam pela cabeça de Luna enquanto
ela permanecia em pé naquele palco. A última competidora restante, de frente
para a pergunta de número 50. Uma simples mulher da Classe 3, que tinha os
olhos de toda a (pequena) população mundial voltados para si. E que agora
começara a lembrar de uma vida que havia muito tempo passado, e sequer parecia
sua, mas estava lá, em todos os momentos, em todas as alegrias e tristezas.
E também estava lá naquele relógio gigantesco na sua cabeça, agora com a última pergunta a ser respondida. E mais um segundo se deixando passar.
00:03
Luna não tinha sequer uma memória de si mesma pequena sem estar perto
de algum livro. A infância naqueles dias foi praticamente reduzida a “esperar
crescer”, pois crianças não tinham nenhuma funcionalidade para a sociedade
atual, não podiam trabalhar, e as instituições de ensino foram substituídas
totalmente por Centros De Conhecimento.
Assim, Luna gastava todo o tempo do seu dia enfiada no porão escondida
da família, desde os 3 anos, que era a idade mínima para se usar um Centro De
Conhecimento. Então, seus pais a levaram até lá, e baixaram nela a capacidade
de ler. Foi a primeira, e uma das poucas vezes, que Luna usou um Centro de
Conhecimento.
Sempre que seus pais estavam em casa eles lhe ajudavam com matérias
acadêmicas e coisas das quais envolviam mais raciocínio, lhe contavam que
antigamente, há muitos séculos, as crianças se reuniam em um local grande,
inundado por todas elas, onde um adulto iria lhes ensinar coisas novas todos os
dias, e que as lendas diziam que elas odiavam esse lugar. Eles chamavam isso de: “escola”.
Luna achava impossível odiar um lugar tão perfeito como esse parecia
ser, então ela apenas ria das histórias absurdas do passado, mas sonhava em
poder ter vivido nele. Quem sabe até ter feito amigos nessa tal de Escola.
Amigos de verdade, de carne e osso, diferente dos amigos que Luna
sempre teve. Não que ela não gostasse dos seus espantalhos falantes, ou bravos
guerreiros com espada, até dragões ela já tinha visitado, mas sempre acreditou
que todas aquelas incríveis histórias seriam ainda mais impressionantes na
realidade.
E assim Luna foi contando seus livros, um por um. Somando na sua pilha
de leitura que jamais poderia ser contada a alguém, mas que era seu maior
orgulho, e que só fazia com que ela desejasse que ficasse ainda maior e maior.
Quando tinham tempo, seus pais também contavam histórias de livros
perdidos para ela, ou lhe ensinavam coisas que não tinham nos livros, sempre a
incentivando a não usar os Centros De Conhecimento para algo que estivesse ali,
ao alcance da sua capacidade própria de aprender. Foi se tornando cada vez mais
independente e única.
Existia, porém, um livreto do qual gostava muito, e sempre andava com
ele pra lá e pra cá. O livreto era totalmente ilegível, pois seu interior
estava colado, e ela nunca o conseguiu abrir. Havia apenas um título gasto, e
uma nota abaixo dele escrito J.F.
Luna crescia como uma garota saudável e forte, conhecia poucas
crianças, mas sempre que as via, tentava ensinar pra elas, sem chamar atenção,
coisas que não estavam disponíveis nos Centros De Conhecimento da sua Classe.
Foi se tornando uma leitora, e então, uma sonhadora cada vez melhor,
aprendeu a calcular e a discutir. Aprendeu história e biologia. Coisas
inimagináveis para os seus vizinhos, coisas incontáveis para qualquer um. Adorava principalmente os números, fórmulas e
desenhos, suas memórias e anotações feitas com pedras nas paredes lhe renderam
umas boas questões para que seguisse em frente no “Mude o mundo”. Usou
multiplicação, aplicou Thales e Baskara mais para frente, as perguntas iam
sendo respondidas, e a dificuldade começava a aumentar.
A atenção do público realmente foi totalmente voltada para ela quando
respondeu uma conta a partir do Cálculo de Retroesfera. Uma teoria que foi
descoberta logo após a Ascensão Lunar para calcular o retorno conjuntivo das
marés com a nova órbita do então satélite natural do planeta, hoje substituído
pelo que nomearam como Luna II, que, porventura, foi lançado em órbita no dia
de seu nascimento, e batizou a então finalista ali presente com seu nome.
Os anos se seguiram, e os livros continuavam a ocupar o dia de Luna. Ela
gostaria de ler todos, mas nunca pôde, sequer estava na metade do acervo quando
os dias mudaram. Seus cabelos castanhos haviam crescido, seus braços e pernas
alongados, parecia ter mordido a boca uma sequência de vezes, pois seus lábios
agora eram maiores e mais vermelhos, haviam curvas no seu corpo, e partes
crescendo. Seu rosto afinou, e os olhos azuis ganharam um brilho verde quando a
luz os tocava, suas mãos eram cada vez mais ágeis para folhear e seus dedos
mais delicados para tocar.
Luna não era, e nem poderia ser mais uma criança que vivia no mundo dos
livros, ela havia crescido, havia lido tudo o que podia, mas agora seu tempo
estava acabando, e com a adolescência chegando, haveriam de chegar os
compromissos com a sociedade também. E com certeza eles vieram bater à sua
porta com uma cobrança pesada de que o tempo passa, e que se não o usasse com a
maior intensidade possível, se não o sugasse até a última gota, ele se esvairia
pelos dedos, e deixa apenas memórias.
E foi com a memória do número 3 sumindo da sua vista que Luna remeteu a um outro passado, mas agitado, e um pouco mais sombrio.
00:04
Luna agora tinha seus 16 anos, e, de acordo com o governo atual,
atingira sua maior idade. Deveria começar a trabalhar para receber seu próprio
mantimento através de seu próprio duto, e não através do duto de dependente que
seus pais receberam quando a levaram para casa depois do parto.
De acordo com o governo, ela seria designada para uma tarefa com a que
estivesse capacitada a realizar, e lá, interagir com outros jovens parecidos
com ela para que assim pudesse se casar e procriar.
Foi assim que os seus pais se conheceram, na Usina Térmica do Distrito
2. Os jovens poderiam ser alocados em outros distritos de acordo com a
necessidade de que o distrito apresentasse no momento.
A família de Luna vinha sendo alocada nas Usinas há muito tempo.
Ninguém saberia dizer desde quando, mas era o trabalho dos jovens produzir
calor para que o mundo continuasse a funcionar.
Luna, e todos os outros humanos sabiam como era gerado esse calor, de
onde vinha a energia do planeta, e todos sabiam que essa era a melhor fonte de
calor que se pode ter visando o custo benefício, então, todos aceitavam, e
ninguém comentava sobre. A não ser, é claro, pelas pessoas da Classe 4, elas
ficavam felizes ao chegar à puberdade e começarem a “ajudar” o planeta.
Quando a carta de convocação de Luna chegou, ela foi exatamente para
lá, uma convocação do Distrito 4 para todos os jovens de Classe 3 que
estivessem completando 16 anos naquele ano. Ela não entraria em contato com as
pessoas em si da Classe 4, seus colegas seriam todos da sua Classe, e seu
superior, um veterano da Classe 2. Nunca tinha saído do seu distrito, e Luna
estava arrasada, pois descobrira que não poderia levar sequer um livro consigo
para a Usina. O que ela faria lá, além daquilo?
A semana de que antecedeu a viagem foi a que ela mais leu em toda a sua
vida. Lia dois, três livros por dia, e seus pais, sempre que podiam, sentavam
ao seu lado, e liam com ela, ou para ela, quando seus olhos se cansavam demais
e ela estava prestes a cair no sono.
Foi nessa época, que decidiu estudar Biologia, especificamente o corpo
humano, tendo em vista o que iria fazer por algum tempo. Então essa semana lhe
garantiu mais umas boas respostas a algumas perguntas atrás, sobre o sistema
linfático, reprodução e até vírus e bactérias nocivas para os seres humanos,
algo que havia sido erradicado a muito tempo, mas, ainda assim foi exigido pelo
jogo, e, cada vez com menos tempo de
resposta, porém, Luna se saiu bem nessas perguntas também.
Ela não saíra bem de casa, pois, tendo aprendido tudo o que poderia
sobre o corpo humano nos livros gastos, de desenhos irreconhecíveis de uma
sessão escondida da sua pequena biblioteca, ela foi até os pais para saber se o
que estava prestes a fazer para gerar energia não traria possíveis
consequências. Os pais de Luna explicaram para ela que tudo era feito com o
maior cuidado, evitando todo e qualquer perigo, mas que às vezes o pior
acontecia, por acidente, ou porque os jovens burlavam os procedimentos. E foi
então que contaram a Luna de seu problema, que até então haviam mantido em
total segredo. E nesse dia, ela descobriu o pior sentimento que teve até então:
incapacidade.
Luna não quis acreditar no que haviam lhe dito. Por que guardaram esse
segredo dela? Eles não tinham o direito, pensou. Mas, logo após, lhe abateu uma
ideia ainda pior. Ela seria a última. Seu tio havia sofrido um acidente trágico
trabalhando em uma mina de extração de Gerdium, um novo mineral descoberto após
a queda do Meteoro Alfa na Terra, outra calamidade. Então, seu pai se tornara
filho único, e sua mãe, como mulher, não tinha irmãs.
Descobriu isso enquanto chorava silenciosa em um canto escondido do
porão, e quando ouviu a campainha, subiu correndo achando que fossem seus pais,
e iria abraçá-los e se desculpar por não conseguir.
Porém, não eram seus pais que ela viu quando abriu a porta, mas sim o
Serviço de Recrutamento, e, implacavelmente, eles estavam prontos para levá-la.
E foi assim que Luna deixou a casa dos pais, à força, prometendo a si mesma que
pediria perdão quando voltasse, e que não deixaria isso abalar ela mais do que
deveria. Foi posta em um trem junto com os outros jovens, assim, vestindo a
peça de roupa mensal que o governo enviava e nada mais, como todos os outros
jovens.
Em suas cabines, encontraram armários com seus uniformes e dutos para
nutrição durante a viagem. Eram divididas para
quatro pessoas, e foi nesse dia que Luna conheceu seus primeiros amigos: uma
garota, chamada Clara, e dois rapazes, Ethan e Maicon. Era difícil conversar, porque, até então, os outros três adolescentes
não haviam feito nada além de “crescer”.
Os quatro apenas se olhavam sem trocar nenhuma palavra, Luna mantendo
seus segredos, e os outros três jovens apenas fazendo o que eles haviam feito a
sua vida inteira. Até que se ouviu um baque na porta e um outro garoto caiu
para dentro da cabine, sendo chutado por outros três aos gritos de “você nunca
mais vai ficar perto da gente, Ander! Fiquem com ele!”.
A porta se fechou atrás de um monte de carne jogada no chão, e Ander
levantou a cabeça para mostrar a nós um sorriso sangrento, e foi então que a
viagem, e a adolescência de Luna, realmente começou.
Ander contou aos quatro que aqueles eram seus amigos de infância, que
eles eram vizinhos e ele os havia ensinado brincadeiras para que se divertissem
enquanto eram crianças. Porém, alguns anos depois, alguém havia contado aos
amigos de Ander que essas tais brincadeiras eram coisas de históricos e então
decidiram parar de brincar com Ander.
Ethan e Maicon acharam incrível fazer algo antes dos 16 anos, e, um
pouco envergonhados, aceitaram quando Ander se ofereceu para ensinar as
brincadeiras para eles, sentaram no beliche de baixo dos garotos enquanto
absorviam informações sobre coisas como pega-pega, esconde-esconde, cabra cega
e outras coisas que Luna sabia bem como era, mas só tinha visto nos livros.
Sentiu como se as suas histórias realmente estivessem se tornando
verdade. Então subiu até a cama de cima onde Clara estava e deu um sorriso pra
ela, perguntando:
- O que acha?
- Parece divertido. – Clara respondeu, devolvendo o sorriso.
Foi assim que sua juventude começou. Luna passou 4 anos na Usina
Térmica, o acaso levou ela a ser companheira de Ander, e Carol, de Ethan.
Maicon ficou com uma outra garota que não conhecíamos, mas quando fugíamos nos
finais de semana para passear entre os de Classe 4 ele às vezes a levava junto,
para poderem se divertir fora do trabalho também.
Foram quatro curtos anos em que Luna quase esquecera dos pais, mas
agora, olhando para o relógio, ela se punia por isso, e por tudo o que viria
pela frente ainda, pois o contador havia mudado mais uma vez.
00:05
O trem havia parado mais uma vez,
mas desta vez, em casa. Luna tinha agora 20 anos, e já era uma mulher formada.
Passou quatro anos trabalhando com Ander e seus amigos, e agora só queria saber
de chegar em casa, descansar, e.... conversar com seus pais.
Seus sentimentos por Ander
estavam mais fortes e mais firmes quatro anos depois daquele encontro
inesperado no vagão do trem. Ela não queria admitir isso enquanto estavam
trabalhando juntos, mas começou a aproveitar as horas de encontro depois de
certo tempo.
Pensou até em levá-lo para casa
para apresentá-lo aos seus pais, afinal, os dois também se conheceram assim, porém, precisava conversar com eles sobre sua incapacidade
sozinha. Além disso, não sabia se Ander tinha sentimentos por ela assim como
ela tinha por ele, e pior do que isso: se aceitaria seu problema.
Então, se despediu dos seus
amigos, agora velhos, Maicon e sua agora esposa, Melissa, de mãos dadas, Ethan
e Clara zangados um com o outro sequer se olhavam, mas Luna deu um abraço e um
beijo em todos, e até em alguns outros colegas de trabalho que conhecia de
vista, e então partiu.
A casa deles continuava a mesma,
parecia que nada tinha mudado nesses cinco anos, embora Luna tenha ficado cada
vez mais alta, bela e inteligente, ela não deixaria de acrescentar. Agora
tinha um corpo formado, a perspicácia de um Inspetor de nível 2, uma bela
cintura e táticas de trabalho que não se recebia nos Centros de Conhecimento,
segundo Ander. Cortara o cabelo, usava um rabo de cavalo curto e um semi
sorriso no rosto. Quando chegou à porta e tocou a campainha, esperou.
Ninguém atendeu, o que era
estranho, pois era final de semana e eles deveriam estar em casa. Luna resolveu
entrar com a chave biométrica, que identificava o gene da família para liberar
a porta. Passou o dedo na porta e quando olhou para dentro de casa quase voltou
correndo para o trem.
Estava escura, e cheia de poeira
e teias de aranhas. Se não fosse a foto da família em representação eletrônica
na parede ao fundo, ela teria achado que errou de casa. Mas realmente era a sua
casa, e ali estavam seus pais sorrindo com ela nos braços para provar isso.
Entrou na casa com cuidado, sabia
que tinha algo errado ali. Seus pais nunca se mudariam daquele lugar, pois era
uma das poucas casas que existiam, e seria impossível mover toda a biblioteca
dali para outro lugar. Andou até a correspondência e encontrou um envelope
eletrônico com o selo do governo endereçado a ela.
O envelope fez um rápido
reconhecimento facial, e então se abriu para mostrar um holograma de um homem
vestido de preto que olhou para Luna e começou a dizer:
“Srta. Luna F. Valdez.
O Governo vem através desta carta
lhe informar que um grave acidente de sonicmóvel veio a acontecer com
seus pais dois anos atrás levando-os a falecer instantaneamente.
Como testamento é um documento
obrigatório, seus pais deixaram tudo que tinham para a Srta., tanto esta casa
quantos todos os seus outros bens.
O Governo presta suas
condolências, e pede para que grave seu testamento agora, tendo em vista que a
Srta. já adquiriu posses.”
Luna levou um tempo para entender
o que tudo aquilo significava. A comunicação entre distritos era proibida,
então seus pais nunca puderam falar com ela durante esses quatro anos em que
esteve longe. No entanto, ela esperava que eles a aguardassem com histórias
novas, e quem sabe até, livros novos, seria incrível estar de voltar, se não
estivesse sozinha.
Percebeu então que seus olhos
começavam a se encher de lágrimas, e que aquele homem holográfico ainda olhava
para ela, se sentiu constrangida por chorar na frente de um estranho que não
era real, assim decidiu deixar tudo que tinha, e que ainda teria, para Ander,
apenas para dispensar o homem. Fecharam o testamento com um reconhecimento
facial que teve que ser repetido três vezes, pois Luna já havia caído no choro
e foi difícil manter o rosto limpo.
Luna então caiu sentada no chão
empoeirado da sua antiga casa, e chorou até adormecer de exaustão. Só queria
não estar ali, queria que nada daquilo fosse verdade. Então, apagou o mundo de
4 anos atrás, voltou a ser uma criança, e se escondeu no porão por dias e dias.
Não deu notícia aos seus amigos, nem mesmo a Ander. Ninguém soube dela pelos
próximos seis meses, que era o tempo de descanso que eles davam aos jovens,
agora adultos, quando voltavam do seu primeiro trabalho.
Em seis meses, Luna se agarrou
aos, agora seus, e só seus, livros e estudou tudo que podia sobre a morte. Queria
poder entender onde seus pais estavam agora, ou o que estavam fazendo. Leu sobre
diversas culturas, e muitos momentos da história recente e antiga do Planeta. Descobriu os Egípcios, os
Romanos, e até os Valsares, que levaram a Terra ao estado crítico de 2100, onde
um genocídio biológico quase extinguiu a raça humana.
Seis meses de reclusão lhe
garantiram aceitação, e um conhecimento amplo e diferenciado sobre a pós-vida,
mas em uma coisa todos concordavam, pessoas boas, mereciam coisas boas. Então, aceitou que
seus pais agora estavam em um lugar bom.
E o segundo atual, partiu para outro lugar também.
00:06
Luna foi realocada para trabalhar
em um subsetor do Governo no Distrito 2, mais precisamente no setor de
Distribuição. Como o Governo estava acima até mesmo dos humanos Classe 1, eles
não interagiam com as outras pessoas, apenas mandavam ordens de como deveriam
ser as coisas dentro de cada Distrito via carta eletrônica e hologramas para o
superior do Centro de Governo de cada distrito.
Luna achava o trabalho simples. O
Setor de Distribuição tinha como função distribuir igualmente aos moradores
aquilo que o Governo lhe enviava: os nutrientes chegados do Setor de
Desalimentação, onde transformavam a comida em tubos de líquidos incolores que
denominavam vitrum. Lá estava tudo que um ser humano precisaria receber adequado
ao corpo que veio sendo moldado desde o desastre dos Valsares. Dentre outras
coisas que o Setor de Distribuição distribuía, ele também ficava encarregado
dos Centros de Conhecimento, o que foi um espanto para Luna, pois ela
acreditava que, mesmo não os utilizando muito, os Centros de Conhecimento eram
iguais para todos os humanos da Classe 2. Mas descobriu que não, os Centros de
Conhecimento, assim como as Quarsas tinha um reconhecimento biométrico, e
sabiam quais informações eram possíveis disponibilizar para quais pessoas. Algo
ainda mais chocante foi saber que algumas informações tinham um prazo de
validade. Depois de um certo tempo, desapareceriam da cabeça de quem as tivesse
obtido.
Ao descobrir isso, conectada ao
seu Centro de Conhecimento de iniciação ao emprego, sabia que essa mesma
informação agora sendo baixada na sua cabeça, seria deletada no final do seu
expediente, para ser realocada no dia seguinte, e assim, dia após dia, até que
ela alcançasse finalmente a idade estipulada pelo governo para receber a sua
aposentadoria. E foi assim que Luna seguiu pelos anos seguintes de sua vida,
sabendo de algo durante o trabalho, em que todos não pareciam se importar com,
e esquecendo-o no final do dia.
Nunca perdera o seu hábito de
leitura, até porque tinha alcançado o incrível resultado de conseguir ler
metade de todos os exemplares que repousavam abaixo da sua casa, e sonhava com
o dia que leria todos eles. Lia após o trabalho, e ainda mais nos finais de
semana. Seu tempo livre havia diminuído muito desde que era criança, mas
aumentara desde quando era uma adolescente, e era
grata por isso sempre que estava lendo, mas não quando estava trabalhando.
Passou anos pensando em um jeito
de tirar aquela informação de dentro do Setor de Distribuição, porque se fosse
algo que ela adquirisse por si própria, o
Governo não tinha como remover das suas lembranças, assim esperava. Mas não
tinha muito tempo para pensar em estratégias ou coisas elaboradas enquanto
trabalhava, pois, mesmo que parecesse fácil, o trabalho ainda era exaustivo.
Houve uma noite em que Luna estava procurando um novo volume sobre
algo que ela ainda não soubesse na sessão mais escura da biblioteca, e, por um
acaso, atrás de um livro sobre aviões, gigantes máquinas de metal que cortavam
o céu no século XXI, encontrou um velho livreto, gasto, sujo e colado.
Luna se perguntou como poderia
ter esquecido desse livreto até o dia de hoje, já que era seu xodó,
simplesmente porque era um segredo. Nunca soube, e acreditava que nunca saberia
o que estava escrito nele. Mas ainda assim o pegou, guardou-o no bolso para que
pudesse apreciá-lo mais tarde, e se dirigiu ao centro da biblioteca com o
volume sobre aviões de baixo do braço para conhecer aquelas máquinas que lhe
encantaram, e lhe renderam também uma grande resposta no “Mude o mundo” ao saber
que o primeiro deles foi denominado 14-bis.
Naquela noite, adormeceu com o
volume aberto sobre o peito na página em que havia parado, e acordara assustada
com o despertador no andar de cima anunciando que deveria ir para o trabalho ao
invés de deitada em um porão com um livro sobre objetos voadores que deixaram
de existir cerca de 300 anos atrás.
E foi assim, exasperada e
apressada que ela saiu para trabalhar naquele dia, que recebeu a informação que
vinha atormentando seus dias de trabalho há mais de 20 anos todos os dias, e
que ela vinha ignorando a partir do momento em que deixava o local.
Porém, aquele foi um dia
diferente, porque Luna não foi trabalhar como tinha ido nos últimos 20 anos de
sua vida. Naquele dia, Luna tinha seus 40 anos, era uma mulher vivida dentro da
sua sociedade, conhecia seus direitos e deveres segundo o governo, e enquanto
ela era reconectada ao Centro de Conhecimento do Setor de Distribuição, um
livreto leve e gasto repousava em seu bolso.
Quando Luna chegou em casa depois
daquele dia de trabalho distribuindo coisas, ela agradeceu por ninguém ter
reparado no seu livreto durante o dia, tirou ele do bolso e estava, como sempre
esteve, exceto por uma coisa. Estava aberto
na metade, como se tivesse apenas uma folha, grande e grossa, negra. E nela, em
letras garrafais, estava escrito: “O GOVERNO MENTE”.
Olhando agora para o relógio na sua cabeça, e vendo que mais um segundo havia sido gasto, Luna sentiu o peso do seu caderno, que não pesava praticamente nada, no seu bolso de trás da calça.
00:07
Estava ali por um motivo, e sabia
qual era esse, pois no dia seguinte em que foi para o trabalho, com a certeza
de que o governo mentia, e tendo aprendido isso sozinha, ela raspou por cima das
primeiras letras de afirmação o que vinha acontecendo ao longo dos anos com a
população mundial em letras muito pequenas, não era algo simples de se fazer,
pois só havia escrito quando criança com pedras vermelhas que seus pais traziam
às vezes da rua para ela, e em paredes enormes. Letras pequenas em um caderno
pequeno levaram cerca de um mês para fazerem sentido no final do dia, quando
Luna abria finalmente o seu livreto quando chegava em casa.
E foi assim, dia após dia,
escrevendo cerca de uma letra ou duas no seu livreto, que Luna pôde alcançar a
verdade. Memórias temporárias eram como fazer da humanidade fantoches. Ter uma
memória temporária de que memórias temporárias existiam já era algo difícil de
se lidar. O que mais o Governo poderia fazer com isso?
Luna pensava em muitas coisas, em
como um humano poderia fazer algo que não queria simplesmente por se plugar à
um Centro de Conhecimento e o Governo interferir em sua transferência com uma
memória temporária, mas esse conhecimento, assim como todo o outro em que Luna
havia adquirido através dos anos, não poderia ser compartilhado com ninguém,
porque, se o Governo descobrisse, ele jamais permitiria que Luna
sobrevivesse.
Luna começou a ler sobre política
dentro da sua biblioteca desde então, um assunto pelo qual nunca havia se
interessado, porque, embora amasse ser uma histórica, sabia que algumas coisas
do passado jamais seriam como eram antes, e acreditava que o Governo fizesse o
máximo que podia para manter a população humana a salvo.
Luna descobriu que estava errada.
Descobriu formas de política e de economia também, respostas fáceis em “Mude o mundo”
quando foi interrogada sobre o Socialismo e até o Feudalismo. Leu sobre reis, imperadores,
sacerdotes e presidentes. Conheceu um termo chamado democracia e se apaixonou
por ele. Tornou-se uma idealista, mas também gostava
de se denominar em segredo mental como uma rebelde. E um rebelde não pode ficar
parado quando vê algo errado. Foi assim que Luna decidiu se inscrever para o “Mude
o mundo” que aconteceria no ano seguinte, foi assim que Luna viu mais e mais
livros passando por seus olhos enquanto se preparava para o maior teste da sua
vida. E foi assim que, agora, Luna viu um novo número no grande contador na sua
cabeça.
00:08
Algumas respostas foram fáceis
para Luna, as 20 primeiras não exigiram muito do seu raciocínio, mas eliminaram
mais da metade dos concorrentes. Eram coisas como matemática simples e
ortografia. Seu português, sem sombra de dúvida, era melhor do que o de
qualquer pessoa ali em pé tentando mudar o mundo, então a primeira fase passou
despercebida. As pessoas acreditavam que todos os Classe 3 que tivessem chegado
até ali, tinham chegado por pura sorte,
nada mais do que isso.
O público estava tendo o seu
espetáculo, afinal, e era isso que todos esperavam ver, perguntas básicas sendo
respondidas de maneiras totalmente absurdas, humanos que sequer sabiam que “m”
precede “b” e “p”. A Classe 4 foi dizimada antes do final da primeira fase
junto a uma onda de risadas e aplausos que eram transmitidos para eles através
de autofalantes instalados ao redor do estádio que recebiam informações
emocionais dos espectadores em suas casas com seus canais ópticos conectados.
A primeira fase era desenvolvida
a partir de transferências mentais para os participantes, assim como nos
Centros de Conhecimento, e a partir do momento que o participante respondia,
também mentalmente, essa resposta era exibida aos espectadores acima da cabeça
de quem a respondeu.
O sistema da segunda fase era um
pouco diferente da primeira, onde todos os participantes recebiam a mesma
pergunta. Nela, os participantes restantes recebiam uma pergunta diferente cada
um, que também era exibida apenas para os espectadores e, fora isso, havia uma
restrição de tempo para cada pergunta, que variava de acordo com a dificuldade
que era dada no momento que a pergunta aparecia. Aqueles que respondiam
corretamente, a resposta brilhava verde acima de suas cabeças. Aqueles que
respondiam errado, recebiam uma luz vermelha sobre si, assim como os que
deixavam o seu tempo se esgotar.
Foram mais 20 perguntas onde, um
por um, os participantes foram sendo eliminados, tanto por respostas absurdas,
para delírio do público, como por esgotamento de tempo. Luna ia ficando cada
vez mais sozinha no palco, e a cada pergunta que respondia corretamente,
chamava mais a atenção de todo o público, e de outras pessoas também.
Depois da pergunta de número 18
da segunda fase, não havia mais ninguém ali, exceto ela. O show deveria ter
terminado já a essa hora, e as pessoas começavam a ficar irritadas em suas quarsas
porque não queriam mais ver uma sabichona Classe 3 acertando perguntas das
quais elas não faziam a mínima ideia de qual seria a resposta.
Depois de fechar a vigésima
questão e terminar a segunda fase, foi dado o intervalo para os participantes
(no caso só um), o que não acontecia há muito tempo. As dez últimas perguntas
eram severamente difíceis, os mais idosos diziam que você poderia sair louco de
lá, porque, diziam eles, ela às vezes
tratava de algo desconhecido e repugnado por todos os seres humanos que viviam
naquela época. Era o que eles chamavam antigamente de Filosofia.
Luna tinha ouvido falar dessa tal
de Filosofia logo após decidir participar do “Mude o mundo” e ir atrás de
idosos que já tivessem assistido, ou conhecessem histórias sobre o programa. E
após saber de tal coisa, descobriu também uma sessão antiga e totalmente
inutilizada a alguns bons anos, talvez nem seus pais tivessem lido sobre
filosofia, mas ela deveria ler. Ela precisava daquilo.
Estava sentada na sala de espera
tentando relembrar os conceitos de Sócrates, Descartes, Nietzsche e até mesmo
do que chamavam de O Último Filósofo da Terra. Ninguém sabia seu nome ao certo,
mas ele se denominava Lobo, e ajudou a humanidade a seguir seu caminho depois
de todos os desastres e massacres, porém, havia desaparecido e ninguém nunca
soube ao certo o que acontecera com ele. Também não havia muita coisa sobre ele
nos livros de Luna, mas ela encontrara alguns pensamentos e críticas dele sobre
a vida de toda a incrível população de 10 bilhões de habitantes na Terra
enquanto ele ainda andava sobre ela. Luna mal podia acreditar que cabiam tantas
pessoas assim no seu planeta, era como um sonho. Lobo tinha ótimos pensamentos
e citações, como: “Uma multidão de humanos vazios pode esvaziar um mundo”. Lobo
estava certo, estava acontecendo. No entanto, a que Luna mais gostava era uma
que dizia “Os maiores objetivos estão à distância do primeiro passo”, ou algo
extremamente semelhante que não faria diferença.
Alguém então entrou pela porta, e
Luna se sobressaltou ao ver o homem de preto que havia aparecido para ela no
holograma de falecimento de seus pais vinte anos atrás. Ela nunca esqueceria
aquele rosto na vida. Não soube o que falar, será que mais alguém teria
morrido? Quem, se não mantivera contato com mais ninguém a não ser seus livros
depois de voltar pra casa? Havia cruzado com Ander na rua anos atrás, mas ele
sequer a reconhecera, e teve certeza que suas escolhas estavam certas até ali, e
esperava que estivesse certa dessa vez também.
Porém, o homem não veio para
anunciar a morte de ninguém, não ainda. Fez questão de deixar claro: ele veio
portando uma ameaça, de que aquilo estava indo longe demais, de que uma humana
Classe 3 nunca poderia mudar o mundo apenas pela sorte, que se ela estivesse
trapaceando de qualquer jeito, o Governo descobriria e as consequências seriam
graves, e que, mesmo que a sorte viesse a abençoá-la com a vitória, sua lei universal
não deveria interferir drasticamente na forma de governo atual, pois o último
que tentou fazê-lo, era um gênio louco, e o mundo perdera um intelectual de
grande valia para sua insanidade.
Luna se assustou com a confissão
velada da morte de Flow. Havia ouvido poucas coisas confiáveis dos idosos sobre
esse fato que acontecera há tanto tempo na história, mas nunca duvidara de uma
intervenção do governo na sua vitória, e agora tinha certeza de que foram eles.
Sua mente pareceu brilhar com uma
lembrança distante, uma memória perdida, ou algo assim, mas decidiu se livrar
disso para se concentrar no que estava por vir, as próximas perguntas
decidiriam o rumo da humanidade e nada poderia tirar seu foco. Deu mais uma
olhada ao homem do Governo antes que ele saísse e de seus lábios ouviu a
seguinte frase: “Você não será o último filósofo”.
Olhou para o relógio e agora
aquela frase retumbava na sua cabeça, ou melhor, uivava dentro dela, faminta,
querendo sair e mostrar sua raiva para todos que estivessem ali, mas ela
aguardou mais um pouco, e o relógio mudou sua contagem novamente.
00:09
Luna estava de pé, parada, em seu
último segundo, depois de ter respondido todas as outras nove perguntas
corretamente, essa era a que decidiria tudo. Realmente havia sido difícil
chegar até aquela fase, a pergunta número um veio com o tempo de 1 cengundo,
uma nova medida de tempo adotada devido ao conflito de órbitas que a Terra e o
Sol obtiveram em resposta a Ascendência Lunar. Agora os dias eram divididos em
5 milgundos de 100 cengundos de 100 segundos.
A partir da primeira pergunta,
seu tempo ia diminuindo de 10 em 10 segundos a cada resposta que ela dava, e as
perguntas realmente ficavam mais difíceis cada vez que ela se aproximava mais
da pergunta final. Respondeu duas perguntas sobre filosofia, que, para o
espanto do mundo inteiro, nem pestanejou em responder. Estava na ponta da
língua, a pergunta caia, e ela a eliminava, como se não fosse nada. Houve
também perguntas sobre química e física, que se surpreendeu com um cálculo
mental que ela conseguiu fazer em apenas 60 segundos sobre uma conversão de
medidas que não eram usadas há séculos para medir o tempo. Costumavam chamar
essas medidas como horas e minutos.
A cada resposta que dava, um
quebra-cabeça milenar ia se formando em sua mente: lembranças, frases, objetos,
e uma série de fatores se uniam de uma maneira tão incrível, que por um
momento, se imaginou dentro de um livro de um incrível detetive que lera certa
vez. Sherlock Holmes era o nome dele, mas ela sempre preferiu seu assistente,
Watson. E imaginava se Sherlock diria a ela quando finalmente encontrasse a
resposta para o seu quebra cabeça: “Elementar minha cara F...”.
Sempre foi curiosa para saber o
que aquele “F” no seu nome significava, porém, seu pai, que recebera o nome de
seu avô, não saberia dizer, e sempre deixou claro que o avô de Luna também
nunca soube explicar, mas era um orgulho, que deveria sempre ser passado
adiante, algo que Luna não poderia fazer. Ela seria a última...
... “o último que tentou fazê-lo”
“Você não será o último filósofo”
F...
Foi então, que ela percebeu algo,
logo após responder a pergunta de número 9. Ela percebeu que não seria a
última, seria a primeira. A primeira a entender o que tudo aquilo significava,
a juntar o quebra-cabeça. Luna finalmente tinha entendido tudo, e quando a
décima pergunta surgira na tela a sua frente, junto com ela surgira um sorriso
e um suspiro de alívio do fundo da alma de Luna que durou exatos 9 segundos.
Ela faria do jeito certo, colocaria seu nome na história com a Lei Universal
que revolucionaria o mundo, e agora abria a boca para responder, sem qualquer
sombra de dúvida, a décima pergunta da terceira fase.
Luna passou muito tempo tentando
montar uma lei incontestável e imutável, mesmo perante a sua morte acidental,
caso viesse a acontecer. Acreditava que havia chegado a uma resposta final. Ela
não iria criar uma lei para si mesma, ou para o povo. Ela iria criar uma lei
para o Governo, para impedir que o Governo manipulasse os poucos humanos
restantes, ou para que fizesse o que ela bem entendesse. Ela estava pronta, e
tinha a certeza absoluta que ninguém iria pará-la.
Luna Flow Valdez. Seu interior
queimava com o conhecimento, que ela tinha em si. Conhecimento de séculos e
séculos, que tinha sobrevivido a uma incineração total em forma de um livreto
pequeno e queimado de título “A verdade é o maior objetivo”. Assinado por um
parente distante, J.F. (James Flow), o Legislador Universal. Vindo de uma
linhagem salvadora e ainda mais distante, que passara por uma época onde o
sobrenome de pessoas foragidas do Governo foi secretamente invertido, onde há muito,
e realmente muito anos atrás, os Flow eram chamados de Wolf, como Miranda Wolf,
a primeira Legisladora Universal. Mas ainda não chegamos ao princípio disso,
pois Wolf não era um sobrenome realmente dito dos ancestrais de Marcos. Eles o
adotaram, ainda há mais alguns muitos anos, e esse nome em homenagem a uma
autodenominação d’O Último Filósofo, conhecido como Lobo.
Lobo sempre disse ao mundo: “Os
maiores objetivos estão à distância do primeiro passo”
Wolf sentenciou: “Mais um
primeiro passo“
E Flow sussurrou para Luna: “A
verdade é o maior objetivo”
E agora Luna apenas poderia
sorrir ao ver a pergunta que lhe haviam feito, a pergunta que ninguém, além
dela, saberia responder:
“Filosofia”
“Quantos passos são necessários para alcançar a verdade?”
- O PRIMEIRO! O PRIMEIRO! – Luna
gritou, para que todos pudessem ouvir, uma luz verde brilhou acima de sua
cabeça, o timer agora havia sumido, e em seu lugar um grande “PARABÉNS!
” brilhava na tela.
O sorriso em seu rosto
desapareceu.
Caos Prestes
ELENCO
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Cristina Ravela
REALIZAÇÃO
Copyright © 2021 - WebTV
www.redewtv.com
Comentários:
0 comentários: