Las Brujas
de Carla Di Mancuso
Já fazia algum tempo que Léo despertara,
mas não ousava se mexer. Temia
acordar Vera, deitada ao seu lado, que dormia profundamente. Sobre a mesa de cabeceira, avistou seu celular,
esticou a mão até alcançá-lo.
Sete e meia, era domingo, mas preferiu
se levantar. Foi
escorregando as pernas, lentamente, até encontrar os seus chinelos, sentou-se na
beira da cama, calçou-os, ergueu-se e saiu do quarto, sorrateiramente, fechando
a porta com cuidado. Ela dormiria até umas 9 horas, pelo menos.
Foi para a cozinha, precisava
de cafeína, era um vício que se não satisfeito, o deixava desanimado o dia todo,
feito um zumbi. Então, o melhor que tinha a fazer era começar preparando uma
xícara, enorme, de café puro, logo cedo.
A bebida exalou um cheiro
inigualável e ele sentiu cada gole, descer
pela garganta, com extremo prazer. Quando terminou, instintivamente, olhou o
fundo da xícara e lembrou-se de uma noite, há dez anos, na casa de Elisa.
Era uma sexta-feira e Elisa
convidou três colegas do trabalho, para
um encontro no apartamento dela. Chamou Léo, por mensagem no celular, frisando
que fosse sozinho, alegou ser uma reunião pequena, só para os mais íntimos e
que a namorada dele ficaria deslocada.
Naquele dia, ele mentiu para Vera. Inventou que fora
escalado para terminar um importante trabalho, o que implicava ficar na empresa
até de madrugada, mas isso lhe traria prestígio e, talvez,
uma promoção. Embora fosse sexta-feira, ela engoliu a história sem muitas
perguntas. Talvez a palavra “promoção” tenha deixado implícito
aumento salarial e isso a convenceu, pensou Léo.
Ao final do expediente, ligou
de novo para a namorada, alicerçando a mentira. Disse que ficaria incomunicável,
portanto, se precisasse dele, seria melhor mandar mensagem, que ele responderia o mais breve possível. Despediu-se
enviando um beijo e a promessa de um jantar romântico no dia seguinte. Pegou o
carro e foi para o seu compromisso, que ficava a poucos quilômetros dali.
Enquanto procurava uma vaga
para estacionar, sentiu remorso, não estava correto agir daquela maneira, mas
algo o instigava a comparecer ao chamado de Elisa, como se houvesse uma
pendência a resolver.
Depois de uma volta no
quarteirão, estacionou bem próximo ao destino, desceu do carro, entrou no
prédio e após ser anunciado pelo porteiro, subiu de elevador e, num instante, viu-se na porta do
apartamento dela. Tocou a campainha e
Elisa abriu, ela usava uma roupa rosa, com lenços, véus, penduricalhos e os
cabelos presos, em um rabo de cavalo, no alto da cabeça. Encantado com a visão,
embora os trajes fossem estranhos, Léo admitiu que ela estava mais linda do que
nunca. Sentiu um calafrio dos pés à cabeça, lembrando-se dos momentos
apaixonados que viveram e esqueceu das suas questões com Vera.
─ Segura o seu queixo. Estou
vestida de odalisca, preparei algumas surpresas para vocês ─ afirmou Elisa, beijando a face do
rapaz carinhosamente, bem próximo à boca.
Na casa, estavam Edu e Milena
sentados em poltronas nos cantos da sala de estar. Na mesa de centro, havia
potes de tâmaras, pratos com pães sírios, pastas de grão-de-bico e berinjela,
além de outras iguarias árabes. Para beber, água, cervejas e chás gelados. Léo se
afundou entre as almofadas do sofá e tentou puxar conversa, falando sobre
coisas banais como o tempo e o trânsito. Estavam todos apreensivos. Havia um clima de
mistério no ar.
Quem abordou primeiro o
assunto foi Milena, que segredou em voz baixa, para não ser ouvida pela amiga
na cozinha:
─Elisa anda muito estranha, soube
que fez cursos esotéricos
e agora afirma aos quatro ventos que consegue ver o presente, o futuro e o passado.
De repente, Elisa entrou na
sala trazendo um copo d’água com sal e colocou-o no centro da mesa de jantar, ao
lado acendeu um incenso de lavanda num recipiente.
─ Isso limpará as energias,
trará bons fluídos e acalmará o ambiente ─ dizia ela, com as mãos em oração
sobre o peito, depois abaixou a cabeça, como se contemplasse alguma divindade.
Eles a olhavam em silêncio,
enquanto ela completava o ritual de purificação.
─ Comam e bebam, meus queridos, em breve
saberemos o futuro de cada um de vocês ─ completou Elisa, com um sorriso
enigmático no rosto, acomodando-se no sofá ao lado de Léo.
Embora, a situação fosse
estranha, resolveram relaxar. Elisa era uma amiga querida, divertida e sempre
cheia de novidades.
Enquanto comiam, conversavam sobre
política, trabalho e do nada estavam falando de religião, adivinhações e magias.
Léo, declarando-se agnóstico, dava opiniões evasivas sem se comprometer, não
queria polemizar. Milena contou que, certa vez, uma cigana leu sua mão, acertando
muitos prognósticos. Edu olhava com desdém, achando tudo bobagem. Então, o tema
da conversa passou para destino e livre-arbítrio.
─ Se você acredita em destino,
não pode acreditar em livre-arbítrio. Se já nascemos com um destino, então Deus
é o diretor de nossas vidas, nem precisamos nos preocupar com nenhuma escolha,
o destino já está traçado. Ler a mão é prever o futuro, é confirmar que tudo já
está escrito. Eu não acredito nisso, porque somos livres para fazermos escolhas
e isso que vai definir o futuro. Destino não existe─ afirmou Edu, encarando os
outros com ar de quem dá um veredicto.
─ O que existem são
tendências, explicou Elisa, eu posso ler o seu futuro e ver o que está na sua
trajetória, coisas que podem acontecer. Você escolhe trabalhar com elas ou não,
e daí escrever o seu futuro. São previsões de acontecimentos que poderão fazer
parte da sua vida, porque as decisões são suas.
─ E que roupa é essa, Elisa? Lembra-me
o gênio, da lâmpada mágica, que assistíamos num seriado antigo, embora o cabelo
dela fosse loiro e o seu é preto ─ disse Edu à queima-roupa, com um sorriso de
escárnio.
Ela, sem se abalar, respondeu,
em tom sério:
─ Eram as odaliscas dos
sultões antigos que previam qual seria a escolhida para a noite, lendo a borra
de café. Estou vestida assim para receber as influências delas. Esta noite,
preparei para vocês uma sessão de “cafeomancia”
─ respondeu Elisa.
─ Ah, que pena! Pensei que
você fosse nos conceder três desejos ─ interveio Léo, dando risada. Edu também
riu da piada, Milena murmurou, revirando os olhos:
─ Homens!
Elisa ignorou a brincadeira,
provaria estar falando sério. Em seguida, convidou-os para se sentarem nas cadeiras à mesa de jantar e aguardarem em
silêncio. Foi para cozinha preparar algo, voltou em alguns minutos, com um
bule, xícaras e pires brancos, anunciando a chegada do grande momento.
Eles poderiam se recusar a
participar do ritual, mas ninguém o fez, afinal nada tinham a perder, resolveram
deixar a amiga exibir o que aprendeu em seus cursos.
Ela entregou uma xícara com
pires a cada um deles, depois encheu de café e explicou:
─ É café turco, preparado sem
coar o pó, portanto vocês devem beber lentamente, dando tempo para que se forme
a borra no fundo da xícara. Quando terminarem, cubram com o pires, depois, emborquem
a xícara de cabeça para baixo, na direção do coração e mentalizem a pergunta
que desejam fazer ao oráculo ─ instruiu a mulher vestida de odalisca.
Nenhum deles havia escolhido
viver aquele momento, mesmo assim, por mais incômoda que fosse a situação, seguiam atentamente as
instruções, aguardando os próximos passos. Elisa fechou os olhos e se
concentrou, como se estivesse entrando em comunicação com espíritos.
Milena não brincava com o sobrenatural,
supondo que poderiam se zangar, por isso, obedecia, temia provocar a ira dos
espíritos. Léo, analisava em silêncio, não acreditava e nem duvidava, sem
opinião formada sobre o assunto, estava indiferente, aceitando qualquer coisa.
Edu achava tudo ridículo, sem a menor coerência, concordava apenas para não
magoar a amiga.
Elisa arregalou os olhos,
parecia estar em transe, pegou primeiro a xícara de Milena que estremeceu na
cadeira, olhou para a borra formada no fundo, e fez a previsão:
─ Vejo uma árvore desenhada à
direita da asa da xícara. Sim, o seu projeto será realizado, pode demorar um
pouco, mas trabalhe nele e alcançará bons resultados. A árvore é a indicação de
bons frutos, mas você deve ter paciência para colhê-los. Essa é a resposta do
oráculo. Milena ficou visivelmente satisfeita e aliviada.
Então, Elisa passou para a
xícara de Edu, que se recostou na cadeira, instintivamente, arqueou as
sobrancelhas, desdenhando do que estava por vir. Elisa, sem dar atenção à
indiferença do amigo, continuou:
─ Eu vejo uma foice, próximo
da asa da xícara. Não é um bom sinal. O oráculo pede cuidado, pois algo ruim
está na iminência de acontecer. A resposta do oráculo para você é atenção, prudência. Você pode
mudar o rumo dos acontecimentos, seguindo esses conselhos e desviar-se do mau
presságio.
Edu ouviu impassível, não se
impressionaria por uma borra de café, no fundo de uma xícara, que uma maluca,
pretensiosa, acreditava ler e prever no futuro. Era surreal demais, pensava ele.
Chegou a vez de Léo, Elisa
pegou sua xícara e analisou:
─ Vejo um coração, à esquerda
da asa. Significa que ainda persiste na sua vida um amor do passado, que não
foi resolvido, não foi esquecido, pois, vocês permanecem ligados. O oráculo lhe
diz que você pode reviver esse amor ou deixá-lo para trás, mas você jamais irá
esquecê-lo.
Léo fitou os olhos da moça,
sabia quem era esse amor, tiveram um romance no passado. Talvez, ela tenha
montado todo esse circo apenas para dizer-lhe isso. Deixou-o por último, pediu-lhe
para não levar Vera e agora vinha com aquele jogo de palavras, pensava ele.
Sentiu-se usado e aborrecido.
Terminada a sessão, não
voltaram mais a falar do assunto, depois de algumas horas, despediram-se de
Elisa e cada um tomou o seu rumo. Milena foi embora feliz e cheia de ideias.
Edu e Léo, contrariados, acreditando que tudo não passara de uma maluquice de
profundo mau gosto.
Isso aconteceu há dez anos e
Léo, sempre que terminava uma xícara de café, olhava para o fundo dela, lembrando
das previsões do oráculo. Em seguida, todos os acontecimentos vinham com
detalhes à sua memória. Não conseguia evitar.
Após aquela sessão na casa de
Elisa, Léo passou a evitá-la. Dois anos
mais tarde, a moça conheceu um homem, com quem se casou e foi morar nos
Emirados Árabes, em Dubai. “A
odalisca encontrou o seu sultão”, desdenhava ele.
Milena foi fazer um
intercâmbio em Dublin, na Irlanda, e acabou ficando por lá. Léo tinha ótimas notícias dela, pelas
redes sociais.
Edu, uma semana depois daquela
noite, faleceu num grave acidente de carro. Falava ao celular, numa estrada,
quando perdeu a direção, entrou na pista contrária e se chocou, de frente, com
um caminhão.
Léo, pretendendo contrariar o
oráculo, ficou com Vera e tentou esquecer a ex-namorada. Porém, lembrava-se de
Elisa diariamente, com saudades, o que o levava à depressão. Mergulhado nas
lembranças, ele não viu que Vera se aproximava, ela o abraçou e disse-lhe:
─ Dou-lhe tudo que tenho, para
saber no que está pensando.
Ele, sorriu sem entusiasmo e mentiu
dizendo pensar nela. Em seguida, passou-lhe
pela cabeça, um provérbio popular espanhol:
“No creo en brujas, pero que
las hay, las hay”.
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
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