Odilon e Odílio caminham pela rua deserta e escura. Várias casinhas germinadas umas nas outras têm portas e janelas que dão para a rua de paralelepípedos; algumas janelas estão abertas, outras estão fechadas. Os dois caminham calados, com passos rápidos. Logo, Odilon puxa um molho de chaves e para em frente a uma porta; coloca as malas que carrega no chão e põe uma chave na fechadura da porta. Odílio o cutuca e aponta para o fim da rua.
– Aquela estrada é a que o ônibus veio?
– Sim. Foi por ali que a gente veio.
Odilon abre a porta e ambos entram; ele acende a luz. A sala
está praticamente vazia, tendo apenas três cadeiras e uma pequena mesa no
centro.
– Tá faltando algumas coisas. Como eu só vim pra acertar a
compra da casa, não tive tempo de comprar outros móveis. Nós vamos ter que
dormir em redes hoje, mas tem tudo o que a gente precisa – explica Odilon.
Odílio senta-se, acende um cigarro e encara Odilon.
– Vamos lá. Abra o bico. Me explique aí, que tem coisa que
não tá batendo com o que o Pirão te falou.
– Aqui tem duas famílias que disputam por causa de política
e de terras. De vez em quando morre um – justifica Odilon.
– Odilon, eu não sou idiota. Eu escutei muito bem o que o seu Pereira disse.
Odilon permanece um tempo calado. Coça o queixo. Enfim, diz:
– Meu amigo, pense. Você acha que isso é coisa que as
pessoas gostem de comentar? Ainda mais pra dois recém-chegados? Você acha que
uma pessoa distinta vai ficar se gabando por que as pessoas se matam feito
bandidos na cidade?
– Eu só tô achando
que o Pirão possa ter contado vantagem, Odilon.
Odilon ri.
– Contar vantagem de que? O que ele ia ganhar com isso? –
questiona Odilon.
– Respeito na cadeia, ora. O sujeito chega na cadeia e fica
dizendo pra todo mundo que já matou oito pessoas, que era capanga de uma
família na cidade que morava. Aquela história que você já repetiu dezenas de
vezes.
– Mas ele matou um sujeito numa desavença. E foi lá em São
Paulo. Todo mundo sabe disso – retruca Odilon.
– É. Ele te falou dessa história. Mas, por acaso você viu o
defunto? Eu não tenho nada a ver se vocês ficaram amigos de cela. Mas se não me
engano, você disse que ele foi em cana porque roubou um leitão no Natal de 52?
Não é verdade?
– Ele foi preso por isso. Do homicídio, ele matou e não
deixou vestígios, por isso não deu em nada. A polícia nunca descobriu e nem
prendeu ninguém.
Odílio dá uma gargalhada.
– E você acha mesmo que no xadrez vão respeitar um
ladrãozinho de galinhas? No caso, um ladrão de porco? O sujeito inventou toda
essa história pra impressionar e ser respeitado; você caiu na conversa mole
dele.
– Odílio, eu acredito que o Pirão pode até ter mentido sobre
o assassinato de São Paulo. Mas também acredito que o seu Pereira disse aquilo pra gente não achar que tem dessas coisas
na cidade. Pelo menos o tempo que eu fiquei aqui, não perguntei nem pra ele e
nem pra ninguém. Nem na pensão que eu fiquei a primeira vez, ninguém comentou
nada, porque poderia levantar suspeitas: “que danado um sujeito vem de São
Paulo pra perguntar sobre assassinatos em São Pedro da Cachoeira?”. Mas vamos
esperar; com o tempo nós vamos descobrir.
– Espero que os casos de tuberculose e varíola sejam
verdade.
– Isso acontece mesmo. Os surtos
acontecem mesmo, como em todo lugar. Inclusive, até a prefeitura compra os
caixões de uma funerária de Taubaté pras
famílias pobres que não têm dinheiro – revela Odilon.
– Cê sabe que o
que foi dividido não deu lá essas coisas todas, né. Compramos essa casa e agora
vamos montar a casa funerária. Não vai sobrar quase nenhum dinheiro. Isso não
pode dar errado. Pense: voltar pra São Paulo, com esse rebuliço do assalto, tem
grande chance de pegarem a gente. Se os polícia
pegam dois peixes pequenos, você sabe que se a gente abrir o bico, depois os
chefes fazem picadinho da gente. Eu fiquei esses dois meses escondido, só
resolvendo os documentos pra gente ficar como irmãos, pra ficar mais fácil de
montar esse negócio e viver tranquilos. Então, não bote tudo a perder – explica
Odílio.
– Não vai dar nada errado, homem. Você tem que ser mais
otimista. Parece que você não confia em mim.
– O problema é que você fala demais. Se alguém perguntar,
diga só que nós somos irmãos e que os pais morreram, igual fizemos com o seu Pereira. A mesma história que
combinamos; nem mais, nem menos – cobra, Odílio.
Odilon balança a cabeça.
– Você é muito desconfiado, Jorjão – diz Odilon, sorrindo.
Odílio se irrita.
– Não repita isso, seu calhorda!
– Tenha calma. Não vai se repetir. Escapou sem querer –
promete Odilon.
– Eu tô começando
a achar que foi um erro confiar em você pra escolher a cidade. Eu achava que
uma daquelas cidadezinhas da região de Ribeirão Preto era melhor pra mim. Lá
tem as usinas de cana e sempre tem gente se acidentando e morrendo; não ia
faltar trabalho. E você que fizesse o que quisesse com a sua parte. Eu não
devia ter dado ouvidos a você.
– Odílio, presta atenção: eu tive por lá. Todas as cidades têm funerárias. A gente ia chegar pra
começar a concorrer com gente da cidade. Aqui em São Pedro ainda não tem
nenhuma; nós vamos ser os primeiro donos de uma casa funerária. Acredite: vai
dar tudo certo.
Odílio faz uma expressão de dúvida.
– Fazer o que, né? Se der errado, a merda já tá feita mesmo...
Tereza
direção
Carlos Mota
Cristina Ravela
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