Os dois saem do prédio da prefeitura, passam pela grande varanda e descem às escadas. Há um caminho de placas de pedras até o portão da frente, que é cercado por jardins bem cuidados, onde há várias espécies de plantas e flores, além de grandes árvores. Há quatro bancos de granito no caminho até a saída da prefeitura. Odílio caminha irritado à frente; Odilon caminha mais lento e olhando para as flores do jardim.
Odílio para em frente ao último banco antes do portão da
saída e aponta para ele.
– Senta aí.
Odilon senta vagarosamente, ergue a cabeça.
– O que foi?
– O que que o secretário Fagundes falou da varíola e do
sarampo? – questiona Odílio.
– Que ultimamente não morreu ninguém... Foi isso?
– Se eu não tiver ouvindo demais, acho que foi isso mesmo.
Odilon coça o queixo.
– Olha, vou te dizer uma coisa: eu acho que é conversa fiada
dele. Eu acho que essas doença ainda
matam gente aqui.
– O prefeito acabou de dizer que fizeram até uma festa. Você
tá surdo? – diz Odílio, irritado.
– E você acha que ele ia admitir que aqui ainda morre gente
de tuberculose, de varíola, de sarampo? O homem só faltou se oferecer pra
engraxar nossos sapatos só porque nós viemos de São Paulo. Você não viu a
vergonha que ele tem daqui? É um lambão que puxa-saco de gente de fora –
ironiza Odilon.
Odílio está prestes a “explodir”, mas respira fundo.
– Odilon, quanto tempo você ficou aqui em São Pedro?
– Por que cê quer
saber? Você já não sabe? Eu passei dez dias aqui. Se você quiser eu te levo lá na pensão da dona Creuza e
ela confirma. Quer ir lá?
– E em quantos enterros você foi?
Odilon ergue os olhos, colocando o dedo indicador no queixo.
– Aqui foram três. Não! Foram quatro.
Odilon coça a cabeça e fica em dúvida.
– Não. Acho que foram três mesmo. Agora cê me pegou.
– Se eu não tô enganado,
você tinha dito que teve morte de varíola aqui. Não foi?
– Deve ter tido – responde Odilon.
– Engraçado que você anotou no caderno e confirmou que tinha
morrido gente de varíola aqui. Foram quantas?
– Oras, eu sei lá. Deve ter sido duas. Eu não me lembro.
Sabe como nós faz pra resolver isso?
Quando chegar em casa, eu te mostro as anotações daqui e das outras cidades.
Odílio ergue a cabeça. Ele está vermelho de raiva; veias de
seu pescoço e testa estão visíveis. Ele cerra os punhos. Começa a falar alto e
diminui gradualmente o volume da sua voz.
– Você queimou o caderno antes de vir pra cá, imbecil.
Odilon pensa por um tempo, até falar:
– Mas isso é simples de resolver. Eu te levo lá no cemitério
e você vê as data dos enterros que eu
fui. Vamo lá? Você tá fazendo tanta
questão.
Odílio caminha até o banco oposto ao que Odilon está
sentado. Ele coloca um dos pés sobre ele. Ergue a cabeça e respira fundo. Ele
volta até Odilon, caminhando com as mãos para trás.
– Cada vez mais eu tô
tendo certeza que fiz merda em ter confiado em você.
Tereza
direção
Carlos Mota
Cristina Ravela
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