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Antologia O Mal que nos Habita: 1x05 - Brutalidade e Poesia

Conto de Ayres
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Sinopse: Pensando racionalmente, não faz sentido se interessar por letras de músicas violentas e pesadas. Entretanto, a violência perpassa a razão. No campo da poesia, tudo é válido... não é mesmo? Um menino que se encanta pela forma mais brutal de poesia e sua evolução como assassino.


Brutalidade e Poesia
de Ayres



A verdade é que nunca tive gostos convencionais. Minha mãe sempre foi muito fã de Sepultura e passou essa paixão pra mim. No ensino fundamental, eu era o único que escutava esse tipo de banda. Sempre perguntei as letras polêmicas pra minha mãe, como as que falavam sobre violência extrema, suicídio, revolta e loucura. Ela sempre dizia que era poesia, apenas a forma que eles interpretavam as coisas tristes do mundo. Depois de um tempo, com uns 12, comecei a pesquisar essas diferentes formas de poesia e foi aí que descobri o Black metal. E admito, se tornou uma obsessão: tudo o que eu queria era ler aquelas letras macabras e entender como alguém pode se sentir assim. Gorgoroth, Mayhem... até que ouvi falar de Silencer. Nessa altura do campeonato, já sabia de casos de cantores que vomitavam enquanto faziam seus gritos guturais, outros que sofriam de alguma doença mental ou eram satanistas. Mas o vocalista de Silencer foi, pra mim, um divisor de águas. Durante as gravações de seu primeiro e único álbum, ele começou a fazer cortes profundos em seu rosto e mãos para fazer com que seus gritos fossem mais realistas. E é incrível como se acham as gravações do estúdio na deepweb. O sangue jorrava e ele gritava, com o mais puro desespero e agonia. Admito que naquela época eu senti medo e nojo das gravações, fiquei sem dormir por dias. Mas na verdade, o que mais ficou marcado na minha mente foi a beleza poética daquilo tudo: um homem se entregando ao seu lado mais primitivo, sucumbindo à dor para produzir os berros mais animalescos possíveis. Eu achei aquilo incrível e avassalador. Infelizmente, Nattrem, como ficou conhecido, foi internado após publicar esse álbum de apenas 11 minutos. E eu fiquei sedento por mais. Ainda gostava quando minha mãe colocava Sepultura pra tocar e conversarmos sobre as letras, mas quando mostrei a ela minhas descobertas, tudo o que recebi foram represálias. Ela dizia que nada daquilo era saudável e não queria mais que eu escutasse aquele tipo de coisa. Confesso que me enraiveci e, a partir daquele momento, vi que todos me julgariam pelo estilo de música que eu gostava, então me afastei de tudo. Nenhum gênero musical me satisfazia mais. Ou assim pensava... já com 15, achei na deepweb um álbum produzido com os gritos de pacientes psiquiátricos, de uma banda sem nome. Foram os 35 minutos mais prazerosos da minha vida. As gravações dos cantores podiam ser obtidas por uns 30 reais, nada que o cartão da minha mãe não aguentasse. Aquelas pessoas estavam em jaulas, preocupantemente magras, carecas e em camisas de força. Eu não sei o que estavam fazendo, talvez choques elétricos, mas os gritos eram de uma pureza inigualável. A insanidade e a dor se harmonizavam perfeitamente naqueles sons bestiais. Pela primeira vez, esse tipo de cena violenta não me assustou, pelo contrário, fiquei ainda mais sensível às sensações que os sons me passavam. Aqueles rostos se contorcendo, as pupilas que não paravam em um ponto fixo, os dentes rachados pelas mordidas fortes... essa gama de arte só ampliava os sentimentos que eles queriam passar, fazendo uma sinfonia incrível com a guitarra, o baixo e a bateria que acompanhavam os loucos. Ouvi e vi esse álbum repetidas vezes, até que mais uma vez me encontrei em uma abstinência musical. Eu queria mais, queria algo que me chocasse de novo, que me deixasse arrepiado e não me fizesse esquecer de como a poesia pode ser diversa. Esse desespero me fez aceitar todos os riscos que sabia que estava correndo ao me aprofundar ainda mais nos sites da deepweb. Comentei como doido em todos os vídeos que já havia assistido por ali sobre como precisava de algo mais forte e pesado. Fiquei ansioso e por três anos sem resposta, estive com depressão aguda. Minha mãe não entendia e tentou me internar várias vezes em centros psiquiátricos, mas eu não tinha nada senão a depressão por não mais escutar as músicas que me faziam felizes. Tudo parecia extremamente tedioso, talvez efeito dos antidepressivos. Mas um dia, obtive uma resposta. Usuário anônimo, sem foto ou informações. Me passou coordenadas em Roraima e fotos de palcos. "A banda Mapinguary te convida". Eu gostei do nome, referência à uma criatura nacional, bem original... mas o que mais me chamou a atenção foi que nas fotos, pude ver um homem nu, com cicatrizes pelo corpo todo; em seu rosto, a mais bela expressão de temor que já vi. Um pavor absoluto saltava daqueles olhos, como se ele estivesse enfrentando um medo ancestral. Me decidi, fui para Roraima uma semana depois. Disse para minha mãe que iria conhecer uma menina com quem falava na Internet (que na verdade, se quer existiu) e ela me deu diversos avisos para tomar cuidado. De qualquer forma, já tinha 18, não precisava da permissão de ninguém pra sair. O mais difícil foi roubar todo dinheiro de casa para pagar o avião, mas me convenci de que estava indo ao melhor show do mundo. E como eu estava certo...

Não foi fácil seguir coordenadas que me levaram à uma pequena vila perto da floresta amazônica, com umas quatro casas e um enorme palco. Cheguei pela manhã e fui recebido com muito esmero por cerca de vinte pessoas. Me deram almoço, uma cama e disseram que era uma honra conhecer mais um apreciador, ainda mais tão jovem. Eles nunca respondiam qualquer pergunta que eu fizesse, apenas falavam que o show começaria de noite. Tirei um pesado sono de tarde e acordei com a casa vazia. Levantei-me e olhei o celular: 19:00. Caminhei vagarosamente pela vila, que estava completamente deserta. Andei em direção ao palco e pude ver uma luz incomum. Tochas iluminavam o lugar e todas as pessoas, agora em torno de umas 30, estavam ajoelhadas observando os artistas que preparavam os instrumentos para tocar. Dois guitarristas, um baterista, um baixista e um vocalista. E do lado deles, o homem nu que tinha visto nas fotografias amarrado em grilhões. Ele estava encoleirado a uma estaca profundamente fincada no palco. Em posição fetal, o homem chorava baixinho. Comecei a me questionar se o que viria era demais pra mim, mas a verdade é que eu estava tremendo de ansiedade. Me juntei à plateia, agora todos em pé. A banda começou a tocar um ótimo cover de Eyeless, do Slipknot e em seguida Sic, da mesma banda. A multidão cantava junto e pulava de alegria, até que o vocalista, o baixista e os dois guitarristas foram em direção ao homem, enquanto o baterista solava uma parte de Cut-troath, do Sepultura. Cada integrante da banda pegou um membro do homem, que não reagiu, e começaram a puxar com força, como um cabo de guerra humana. O primeiro estalo do ombro se deslocando e o perfurante grito de dor do rapaz fizeram a multidão vibrar: uns começaram a uivar de forma lupina e outros a rosnar. Eu só fiquei extasiado, preso pela beleza musical dos estalos que os ossos faziam quando quebrados combinados à bateria. Fiquei maravilhado com a expressão no rosto do torturado, clamando por piedade. Ele pedia em vão para que parassem e o fato de dizer que tinha duas filhas o esperando em casa me fez sentir algo mais: felicidade. Eu estava vivendo uma oportunidade única, uma expressão poética sem tamanho, um nível de sensibilidade e execução artística sem precedentes. Comecei a pular e gargalhar de excitação enquanto o homem era espancado com as guitarras. E então, tudo parou. Naquele momento, todos os presentes olharam pra mim, como se esperassem alguma coisa, olhares ansiosos e travessos. "Ei, novato, vá até o palco! Você vai viver a melhor experiência da sua vida". A pequena multidão abriu pra mim um caminho até o palco. Os músicos me esperavam ansiosos, o vocalista me oferecendo uma faca afiada. Caminhei com as pernas tremendo, numa leveza quase onírica. Nada daquilo parecia real. Peguei a faca e todos sorriram. "Você sabe o que deve fazer". Não sei se ouvi isso de todos da multidão ou da minha própria cabeça. Me aproximei do homem estirado no chão, os ossos de suas pernas completamente quebrados, se debatendo inutilmente para escapar de mim. Aquela sensação de poder e liberdade, nunca vou esquecê-la. "Por favor. Por favor, não me mata por favor eu juro que não digo nada só me deixem ir embora pelo amor de Deus me deixa sair..." as palavras do homem se atropelavam ante o medo da morte. Seus olhos eram lindos, vermelhos e cobertos de lágrimas. Comecei atravessando sua mão direita com a lâmina e ele gritou o mais belo som que já ouvi. Naquele momento, uma epifania tomou conta de mim! Nada se equiparava aos gritos que você mesmo causava, a violência que vinha de si mesmo e punia o próximo, fazendo-o se mijar de dor. Isso se tornou minha coisa favorita no mundo todo. Admito que me emocionei e quase tive um orgasmo enquanto esfaqueava o homem em lugares não letais. "ME MATA, ME MATA POR FAVOR. EU QUERO MORRER, ME DEIXA MORRER POR FAVOREUNAOAGUENTOMAISPELOAMORDEDEUSMEMATAEU..." Mais uma vez, as palavras se atropelavam e se confundiam com os sons da guitarra e da bateria, que compunham uma sinfonia perfeita com os urros da plateia. Aquilo parecia um sonho. Eu me deliciava a cada grito do homem, o sangue jorrando pelo palco criava uma atmosfera incrível para todo aquele lirismo. Terminei cortando a garganta dele, observando a vida se esvair bem devagar. Não sei quanto tempo fiquei em êxtase, exausto ao lado do cadáver, absorvendo e memorizando cada sensação maravilhosa que tinha sentido. "Bem-vindo à banda. Agora você também faz parte da banda Mapinguary". Hoje, estamos em todos os estados do Brasil, em todos os lugares, somos muitos e somos os únicos que entendem a verdadeira beleza desse mundo. Queremos novos membros. Se leu até aqui, é porque ficou encantado conosco de alguma forma... queremos você. Venha atrás de nós, torne-se um com o seu lado mais primitivo. Ou nós iremos atrás de você.

Conto escrito por
Ayres

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

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