Estima – A História de uma Gata e seus Humanos
de Mishael Mendes
As melhores amizades são improváveis, surgindo
quando menos se espera e sem qualquer interesse além de simpatia. E quando essa
amizade se dá com um animal, esse nível alcança maior profundidade, devido a
inocência que esses seres carregam.
Animais podem ver a essência emanada de nós, com a
mesma facilidade que enxergam através da noite e, baseado nisso, sabem a quem
selecionar. Por isso, se um animal permanece conosco não é porque o escolhemos,
mas porque ele decidiu pela gente – e com aquela família de humanos não foi
diferente.
Numa região verdejante, dentre tantas outras do
Brasil, uma cidadezinha tomava forma e crescia em seu próprio ritmo, ainda que
as estradas fossem de terra batida. Na mais movimentada delas, uma casinha de
sapê, de construção simples se destacava, não só pelo tamanho generoso que
possuía ou por seu quintal cercado.
Nela moravam cinco humanos felizes que descobririam
que mesmo com poucos recursos e sendo completos havia lugar pra mais alguém na
família. O humano pai e a humana mãe adoravam esquentar o sol, era terminar o
almoço, e, feito girassol, iam os dois em busca de onde os raios se estendiam.
Eles gostavam de absorver o calor e a vitamina
emanada pela radiação solar e enquanto se aqueciam, vitaminado corpo e alma,
falavam dos planos futuros e dos três humanos filhos. Viajando em meio aos
devaneios, notaram um ser de dorso de pelo marrom claro que acinzentava nas
patas em listas de tons mais escuros, feito tigre, passar sobre a cerca.
Seu pescoço bege clarinho, continuava nesse tom por
toda barriga, o rabo era fino e, apesar de não ser peludona, era cheinha. No
mesmo instante que a olharam, com seus olhos azuis, ela os olhou de volta,
parando pra encará-los.
E o olhar, com modo de dizer tudo, sem precisar
falar, comunicou aos humanos que os escolhia pra serem seus – esse era seu
jeito de se exprimir, e eles descobririam quão tagarela ela era.
Conscientemente, os humanos não se deram conta disso, apenas se sentiram
compelidos a ofertar algo.
O humano pai comentou com a humana mãe que ela
devia estar com fome, então pegou um pedaço de peixe e ofereceu a gata que veio
correndo comer a iguaria, já que estava faminta. Ao alimentá-la, ele não sabia
que estava dando mais do que comida, mas selando um pacto que demonstrava haver
cuidado suficiente pra ela querer ficar.
O dito nas entrelinhas aconteceu, toda vez que
aparecia, lhe davam carinho e comida, mas como gostava é de liberdade, sumia de
novo. Pelo seu porte, devia usar a mesma estratégia em outras freguesias, até
que, entre visitas esporádicas, começou a aparecer com mais frequência,
passando a ficando mais tempo.
Leitora voraz dos romances policiais de Agatha
Christie, a humana filha mais nova a nomeou de Agatha, mas o humano filho a
chamou de Meow, pela praticidade. Também devido ao Meowth do Pokémon, pois se
não teria um gato falante e charmoso como o pet da equipe Rocket, pelo menos
podia ter um com o mesmo nome – mal sabia ele o quanto os dois eram parecidos.
Com Meow passando mais tempo com eles, pensaram que
isso significava que resolvera ficar de vez, isso até ela desparecer, sem mesmo
se despedir. Alguns dias depois, ouvirem uns miadinhos baixos e, caçando de
onde vinham, acabou-se descobrindo sua ninhada, com quatro lindos gatíneos,
duas femeazinhas e dois machinhos.
A gata mãe, toda orgulhosa, se encontrava deitada
com os filhotes em volta de si, mas quando os humanos se aproximaram e pegaram
seus bebês, sabendo que só queriam admirá-los, não se importou. Antes miou, os
apresentando, toda gabola, falando o nome de cada um em sua língua de gato.
Foi aí que os humanos pais viram ser tarde pra se
desfazer de Meow, os filhos já haviam se apegado a ela e começavam a afazer o
mesmo com os filhotes. Precisava de ver a felicidade dela ao brincar com eles,
sempre atenciosa com suas crias, lhes dando banho mesmo contra a vontade pra
ficarem limpinhos e apresentáveis.
Dedicada, via-se que a maternidade lhe era
implícita e o contentamento com a primeira ninhada mostrou que sua missão era
ser mãe. Como não dava pra ficar com tanto gato, três seguiram pra adoção e o
mais fofo deles – peludo até no rabo – ficou por insistência do humano filho.
Devido a fofura, o gatíneo foi chamado de Gordão,
seus pelos eram de um chumbo, ficando acinzentado no rabo. Quando Meow deu por
falta dos filhotes, os saiu chamando pelo quintal, pedindo pra saírem de onde
quer que estivessem e aparecessem.
Mesmo insistindo não ouve resposta, além da de
Gordão que ficou no pé da mãe pra saber o que acontecia. Sem saber por onde
andavam os filhotes, ela teve de se conformar com a repentina partida, se
apegando mais ao filhote e era um deleite ver os dois a brincar.
Às vezes os dois se estranhavam, porque o bicho era
abusado, em outras, quando ele queria graça durante sua soneca, ela nem lhe
dava moral. Por mais levado que seja um filho, mãe não consegue pega desapego,
assim, tanto pra Meow, quanto pros seus humanos, foi difícil aceitar sua perca
e daquela forma tão cruel.
Curioso e metido a valente, apesar do diminuto
tamanho, Gordão resolveu sair pela cerca e partir pra estrada, o humano pai só
percebeu isso quando ia trabalhar. A humana garotinha da vizinhança vinha
trazendo algo na mão, a qual lhe entregou, quando percebeu o que era ele correu
pra casa.
Atacado por uma matilha de cachorros selvagens,
Gordão teve todos os ossos quebrados, miando com dificuldade, ele mal se mexia
até dar o último suspiro, entre choros humanos e de gato. Meow jamais se
recuperou da perca dos filhotes e a retirada de seu companheiro só agravou esse
pesar.
Era visível a saudade naqueles olhos azuis,
enquanto brincava só e, mesmo com todo carinho que recebia, sentia solidão e
falta da felicidade da qual partilhara. Bicho tem um jeito peculiar de sentir
falta, repetindo os mesmos gestos, acredita poder reaver o que se perdeu, mesmo
a repetição se mostrando ineficaz.
Como resultado, acabou se apegando mais aos seus
humanos e, sem os filhotes, adotou os pés deles. Ela não podia ver um parado –
de calçado ou não – que se achegava, preparava o terreno, daí enroscava, se
ajeitando do jeito mais confortável, e dormia.
Possessiva, ficava com os braços em volta pra dizer
que os pés da vez lhe pertenciam. Achando graça da atitude fofa – seus humanos
permaneciam parados pra não lhe atrapalhar o cochilo, até a postura se tornar
incômoda.
— Sério que você vai fazer isso? – Era o que dizia
com o olhar quando levantavam, a retirando de seu lugar de descanso.
Temendo que Meow não se recuperasse de uma nova
perca de ninhada – e sabendo que os gatos da vizinhança eram namoradores – a
levaram pra castrar.
Além de linda e bem cuidada, Meow era de uma
educação que não se costuma ver em pet, o que sugeria pertencer a alguém, por
isso os humanos pais evitaram se apegar, no caso de precisar devolvê-la. Mas,
em todo esse tempo ninguém apareceu pra reclamá-la de volta, então oficializaram
a adoção e a registraram pertencendo a eles – sem saber que, naquele caso, era
justo o contrário que acontecera.
Pra comemorar, compraram uma linda coleira vermelha
com seu nome gravado, a humana filha mais nova ficou toda contente, imaginando
que assim teria uma gata de madame. Que madame o quê? Quem disse que Meow
curtiu a ideia?
Logo que se viu com algo no pescoço, começou a
relutar, fazendo de tudo pra tirar aquilo, até conseguir e não adiantou tentar
botar de novo que ela achava jeito de rancar aquilo. Assim, o sonho de ter uma
gata igual dos desenhos e comerciais foi desistida e a deixaram ser selvagem a
seu próprio jeito.
Se bem que o costume bárbaro se dava apenas em não
querer andar identificada, ela não subia nas coisas, nem roubava comida da pia,
enquanto entrava pela janela quando lhe esqueciam do lado de fora. Também não
era pidona, ao ver a humana mãe na pia, o que fazia era se aproximar, sentar
nas patas traseiras, aguardando em silêncio, até ela não resistir e lhe dar um
cadinho de carne.
Meow só miava mesmo quando tinha daquele alimento
recebido em seu primeiro contato com os humanos e que se tornou seu preferido –
pra ela, peixe tinha um sabor irresistível de carinho. Daí, não tinha educação
que resistia e, eufórica, pedia em sua língua – miando de felicidade – pelo
alimento tão desejado – o amor pela proteína era tanto que sua ração era sabor
salmão.
Quem via toda aquela fofura que ela era – ainda
mais depois da castração, que lhe deixou mais esférica – não imaginava quão
esperta era. Sua ração ficava guardada em cima do armário e toda vez que via um
dos seus humanos dali se aproximar, começava a se esfregar no móvel, fazendo
manha.
Caso o humano se afastasse, ela parava na hora, se
aproximando ela voltava a se enroscar, ao se arredar ela parava outra vez e era
ameaçar chegar perto que a manha começava. Não dava pra negar seu nível de
astúcia e de persuasão pra ganhar o que queria – cedo aprendeu a falar pelo
olhar e gestos, já que seus humanos tinham dificuldade de lhe entender ao tentar
conversar.
O meio de comunicação adotado possibilitou seus
humanos ficarem mais espertos também, assim, quando desejava sair, bastava se
esticar, como se tentasse alcançar a maçaneta, que lhe abriam a porta.
Meow não chegou a ser estudada, mas era evidente
possuir genes caninos que, quando ativos a faziam esquecer que era gata, assim,
ao começar a lamber não queria mais parar. Principalmente quando a humana mãe
usava creme hidratante nas pernas, aí atacava com a língua áspera, como lixa,
que a princípio causava cócegas, até incomodar – não a ela, pois desejava
continuar.
Outra mania canina, era aguardar a chegada de seus
humanos no portão, sem se importar com horário, bastava a aguçada audição os
perceber se aproximando pela rua e lá ia ela. Meow sempre sabia quando e quem
estava pra chegar e ia fazer festa pra receber o humano da vez, principalmente
quando todos saíam.
Daí disparava na frente, mostrando o caminho pra
eles não se perderem e quando a porta se abria era a primeira passar, pra
saberem que era seguro entrar na casa. Ela costumava acompanhar seus humanos
até pro banheiro, aguardando na porta – talvez o cuidado fosse desnecessário,
mas como viviam esquecendo as coisas, preferia isso a deixá-los se perder pela
casa.
Ao ver surgir um humano novo em sua casa, lá ia
Meow pros pés, cheirar pra saber se era ou não boa gente e se gostasse – o que
acontecia com frequência – começava a se esfregar. Os mais chegados ganhavam
até lambida e com seu jeitinho carinhoso de ser, ela agradava os humanos convidados
que, em troca da atenção, lhe faziam chamego.
Pra ser uma gata-cão completa só faltava guardar a
casa, mas era aí que a coisa degringolava e se via que ela era graciosa demais
pra essa tarefa. Toda vez que aparecia algum gato no quintal, ao invés de
espantá-lo, ela acabava por fazer amizade, deixando o invasor comer sua ração.
Os humanos pais, que a acolheram dizendo fazer isso
por causa dos filhos, foram os que mais se apegaram a Meow e, mesmo não
assumindo, se sentiam gratos de tê-la por perto. Eles não sabiam o quanto a
precisavam em suas vidas, até Meow surgir e lhes mostrar isso.
De ouvidos atentos à casa, levantava com qualquer
movimento, mesmo estando escuro, aí, quando o humano pai abria a porta, vinha
lhe prestigiar com sua presença, dizendo pra não temer, pois, estava ali. Como
dormia o dia todo, não ligava de acordar cedo, mas ele bronqueava por ela estar
esperta uma hora daquelas, mas, sem poder resistir, lhe dava comida e atenção.
Pra humana mãe, ela era constante companhia e aonde
quer que fosse Meow a seguia mesmo que o intuito fosse deitar e dormir. Já na
cozinha, ela ficava esperta e bastava ver um movimento em direção a pia que
colava, cheirando pra ver se ia rolar algo de bom, mesmo que a aproximação da
humana resultasse em beber água.
Meow adorava um chamego, um carinho, um colo, mas
se a pegassem no braço, começava a se irritar, afinal, não era um gato bebê,
agora se lhe dessem liberdade ela ficava no colo até o humano cansar. Cheia de
artimanhas, gostava de pegar as vítimas desprevenidas, assim, quando tinha
algum humano sentado na mesa, começava a ribeirar.
Se lhe dessem agrado é porque podia ser ousada,
então subia numa das cadeiras vazias e, quando viam, ela se ajeitava no colo
sem o menor pudor. O movimento sorrateiro causava susto nos humanos convidados,
já os de casa, que manjavam de seus truques, até esperavam por isso.
Nem adiantava o humano pai ralhar que ela
continuava, até porque, enquanto ele era contra, os humanos filhos e as humanas
visitas, a deixavam ficar, lhe dando corda pra tamanha ousadia.
Com sua essência de exploradora – que faz dos
felinos grandes curiosos – ela metia o bedelho em tudo que era novidade,
principalmente quando havia caixas e sacolas pela casa. Reza a crença popular
que a causa da morte do gato se deu por curiosidade, mas seu fim veio após uma
desumana criança atirar o pau nele, fazendo dona Chica se admirar do berro que
o gato deu.
A ciência ainda não provou a ligação entre a
curiosidade dos felinos e a taxa de mortalidade entre eles e, se isso existe,
os gatos a escondem bem pra não serem impedidos de curiar. Verdade ou não, no
caso de Meow, a xeretice pode até não a ter matado, mas quase a fez perder o
rabo.
Mesmo o terreno demarcado por cerca baixa, ela só
saía quando algum de seus humanos o faziam pra que não se perdessem na estrada
e, enquanto fazia companhia, aproveitava pra curiar o movimento. Empolgada, a
mãe humana conversa com a comadre e só percebeu o que houve quando soou um
miado esganado de alto, mas aí o estrago estava feito.
Curiando algo na estrada, Meow deixou o rabo
estendido no caminho, daí um carro passou por cima, o escalpelando, deixando
boa parte dele sem pele. Condoído, o humano filho pediu a Deus pro rabo dela
sarar, ficando igual antes e foi isso que aconteceu pouco depois.
O susto não lhe deixou menos curiosa, mas a fez não
querer mais graça com carro algum, bastava ouvir barulho de pneu, que disparava
a correr pra casa. Outra coisa que a faziam correr pra debaixo da cama, era
época de São João e Réveillon, como não se usava fogos de artifício
silenciosos, os pipocos lhe doíam nos ouvidos e a assustavam por demais.
A convivência proporcionou uma fluência em humanês,
sendo expressiva a ponto de quase falar, tanto que lhe diziam pra fazer isso de
uma vez. Sintetizar miados naquela língua estranha era só o que faltava pra ela
se humanizar por completo – algo que parecia perto de acontecer, mas Meow
gostava mesmo é de ser gato, bicho humano é complicado.
Seu olhar dizia tanta coisa, o que desejava, quando
e onde queria, demonstrando saber que fizera algo errado, também quando se
chateava por lhe bronquearem à toa. Mas a chateação não durava e bastava ver
uma brecha que se enfiava e, esquecendo os motivos, começava a fazer graça pra
ganhar carinho e atenção.
Exigente, só gostava das melhores partes do frango,
ainda assim, comia a mesma ração todos os dias, com vontade e sem reclamar –
embora deixasse uma parte pro santo, que era devorada pelas formigas. Mas com o
tempo seu apetite foi reduzindo, sem falar nos episódios de vômito e diarreia
que passaram a acontecer.
Preocupado, o humano pai comentou isso com o humano
dono da vendinha onde comprava a ração, e ele alertou que ela estava com
insuficiência renal. Acontece que gatos tem hábitos que podem contribuir pra
isso, como não gostar de beber água parada no potinho, ingerindo apenas o
essencial, também não gostam de urinar em local sujo.
Dessa forma, seguram o líquido até o canto estar
limpo, também se o lugar estiver longe, pois são preguiçosos – quem sabe o
futuro não traga a constatação de que gato é parente da preguiça? Como o
cantinho era limpo pelo humano pai toda vez que o usava e bebia água do
córrego, no fim do terreno, o problema não vinha daí.
Além de a idade reduzir a velocidade do órgão, a
alimentação pode gerar isso – ainda mais consumindo uma marca famosinha com
excesso de sal, proteínas e outras substâncias que prejudicam os rins. Depois
de anos comprando ração mais cara, pensando que isso resultasse em cuidado –
pelo menos era o que alegavam os comerciais – a acabaram envenenando.
A opção, dentro das poses do humano pai, foi trocar
a ração por de outra marca e isso, somada a oração do humano filho, a ajudou a
melhorar. A idade vinha pensando sobre Meow, ela já não ligava pra brincar e se
começava, logo perdia o interesse, preferindo dormir boa parte do tempo.
Quando ela apareceu já era mocinha, de forma que
não deu pra saber sua idade na contagem humana – piorou na dos gatos. O
primeiro ano de vida do felino equivale a quinze, o segundo vale por dez, a
partir daí ele ganha quatro anos a cada um de humano.
Passada uma década, Meow se tornara uma gata anciã,
com pelos que não era mais tão vistosos e ela notou que a quantidade de humanos
se reduzira, sem que soubesse pra onde as humanas filhas foram. Elas apenas
saíram, como outro dia qualquer, aparecendo poucas vezes e acompanhadas de
outros dois humanos maridos.
Primeiro Meow perdeu a humana filha do meio, um
bocado depois, quando se acostumara a ter só quatro deles, a humana filha mais
nova também desapareceu. Mas mesmo com esses desaparecimentos sem explicação,
ela permaneceu ao lado dos seus humanos restantes.
E, antes que sumisse mais algum e ela acabasse só
outra vez, passou a vigiá-los de perto, assim, acompanhando cada um pela casa e
quintal. Pros humanos era engraçado ter aquela sombra em miniatura no pé, pois
não sabiam da importância de sua missão.
Se a velhice a fez perder a vitalidade e o correto
funcionamento de seu organismo, a acurácia de seu faro permaneceu intacto e
toda vez que o humano filho inventava de comer peixe, ela vinha pedir. E
separar a porção dela não era opcional, pois Meow contava com a intercessão da
humana mãe, mas após ganhar sua parte, feliz, ela aquietava.
E se jogava no meio da casa ou na porta – seus
lugares preferidos pra dormir, deixando claro que os humanos é que deviam
modificar a rota, a casa era sua mesmo. O ditado diz que quem deve mudar é
aquele que se incomoda, como ela estava sempre à vontade, então, seus humanos é
que precisavam alterar algumas coisas.
Os humanos começaram a notar que Meow não ouvia
direito, mesmo insistindo ela não se movia quando a chamavam, a não ser que
estivesse dormindo, daí acordava no susto e atendia. Isso os fez perceber que
ela não estava ficando surda coisa nenhuma, apenas os ignorava quando acordada por
não querer largar da preguiça boa.
Até o dia que deixou de atender de vez, ela se quer
parecia reconhecer o próprio nome ou saber que falavam consigo. Desconhecendo a
própria casa, preferia ficar no quintal e se a botavam pra dentro, saía, se
sentindo pouco à vontade em estar no ambiente.
Ela também parou de comer, pois não sabia mais onde
ficava seu pratinho e precisou ser carregada até ele. O pior nisso é que, ao
falar com ela, Meow olhava com seus olhos azuis como se nunca tivesse visto
semelhantes humanos antes, fossem mais magros ou gordos, sem os reconhecer.
Aquele olhar vazio possuía uma profundidade
desesperadora – é uma verdadeira angústia não ser reconhecido por alguém com
quem se dividiu tantos momentos. Suspeitando de demência senil, o humano filho
falou com Deus, pedindo pra ela voltar ao normal e recobrar a memória, pois
doía vê-la daquela forma.
Enquanto isso, o que coube aos seus humanos foi lhe
dar mais atenção e ter paciência, pois não recordava nada e se perdia com
frequência. Mas se aqueles dias anuviados foram difíceis, não chegaram a se
estender por uma semana e as coisas deixaram de ser estranhas pra Meow.
Ela voltou a comer, atender pelo nome e a olhar pra
eles como aqueles olhos sérios, com jeito de dizer o infinito. Sua memória voltou
do mesmo jeitinho de antes, com suas carências e abusos, e a primeira coisa que
fez foi deitar no meio do caminho, ao recordar de quem era a casa.
E Meow continuou a comer, pedir chamego, lamber os
pés, fazer suas necessidades e o que queria – como tudo devia ser – mostrando
que seus humanos que estaria pra sempre ao lado deles.
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Cristina Ravela
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